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Liberadas, paródias políticas deverão gerar cascata de processos
Publicado em 14/09/2022

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STJ aprovou o uso de música de Erasmo e Roberto por Tiririca, mas termos da sentença darão margem a novas ações

De Brasília e São Paulo

Foto: Tiririca imita Roberto Carlos na recém-lançada paródia da sua campanha à reeleição/Reprodução TV

Depois de oito anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu: músicas podem ser usadas em paródias políticas mesmo sem a autorização dos seus autores. A sentença, há alguns dias, conclui um longo julgamento sobre o tema na 2ª Seção do STJ. E já vem sendo considerada injusta e contrária à lei, não só pela classe artística mas, também, por juristas. Trata-se de um duro revés para criadores que verão como suas obras poderão ganhar fins políticos mesmo sem concordar com as ideias dos candidatos que as utilizarem.

Especialistas vão além: a liberação desse tipo de paródias é uma distorção da definição legal da paródia, prevista na Lei de Direitos Autorais. Na normativa, a finalidade dessas imitações é preservar a liberdade de expressão e as manifestações artísticas críticas e/ou cômicas, que tenham um fim em si mesmas, e não o propósito de vender e oferecer serviços, produtos ou, no caso, promover candidaturas.

A ação que motivou a decisão se arrastava desde 2014, quando a então editora EMI (hoje incorporada pela Sony Music Publishing) processou o palhaço Tiririca por danos patrimoniais, após o uso indevido da música de Erasmo e Roberto Carlos "O Portão" — dos versos "Eu voltei, agora pra ficar/Porque aqui, aqui é meu lugar" — na sua campanha à reeleição daquele ano. A letra da suposta paródia foi modificada para “Eu votei, de novo vou votar/Tiririca, Brasília é meu lugar”. 

Alguns termos empregados pelos juízes na sentença do STJ que libera as paródias deverão dar margem a novas ações, longe de pacificar a questão. Isso porque foram usados conceitos demasiadamente subjetivos para a liberação do uso das paródias. Veja o que disseram os magistrados:

  • É possível que um jingle político seja reconhecido como paródia, de modo a receber a proteção do artigo 47 da Lei 9.610/1998 — que permite paráfrases e paródias. Para isso, o jingle deverá ter "certo grau de criatividade" e ter humor, não podendo ser só uma reprodução da canção original. 
  • Também "não poderá desabonar a obra originária". 
  • A paródia deverá manter "o respeito à honra, à intimidade, à imagem e à privacidade de terceiros". 
  • E, finalmente, ela deve respeitar "o direito moral de ineditismo do autor da criação original".

Como a definição do que é criativo, original e não desabonador para a obra original está sujeita a muitas discussões, é de esperar uma série de questionamentos judiciais, como explicou Sydney Sanches, advogado especialista em direitos autorais e consultor jurídico da UBC.

"O acórdão final ainda não foi publicado, então ainda não sabemos bem como isso ficará redigido. Mas os conceitos de criatividade e humor, por exemplo, são muito subjetivos e darão margem a novas judicializações. Além disso, como garantir que a honra, as convicções morais e a imagem do autor original não estão sendo desrespeitadas, se ele não estiver de acordo com a ideologia do candidato que usar a sua obra sem autorização? E o direito ao segredo do voto? Se trata de uma afronta ao direito moral; portanto, há desrespeito à Lei de Direitos Autorais", afirmou.

O direito moral, ao qual ele se refere, está expresso em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. É aquele que independe do direito patrimonial, permanece para sempre com o autor e dá a este o poder de se opor a eventuais usos da sua canção que firam sua honra, intimidade, reputação, imagem e convicções. 

Como o direito autoral é matéria expressa no artigo 5º da Constituição brasileira, Sanches vê espaço claramente para um recurso da Sony Music e dos autores ao Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo da Justiça brasileira e que trata de questões constitucionais. 

"A intenção dos advogados da causa é, sim, recorrer ao STF. Eles esperarão primeiro a publicação do acórdão", adiantou o especialista.

Beneficiado pela decisão, Tiririca incluiu novamente a paródia na sua corrida à reeleição deste ano. Como a UBC havia noticiado no início de agosto, a decisão sobre requentar a imitação de Roberto já estava tomada antes mesmo da mais recente sentença.

Relembre os detalhes do caso

Depois de perder em primeira e segunda instâncias após a reclamação da EMI e dos autores pelo uso não autorizado da canção, Tiririca recorreu ao STJ, que em 2019 lhe deu razão. Diante de um novo recurso da Sony Publishing, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar a matéria em fevereiro deste ano, logo paralisando os trabalhos com o pedido de vista do ministro Raul Araújo. Na ocasião, o relator da ação, ministro Luís Felipe Salomão, já havia emitido seu voto liberando as paródias. Retomado há algumas semanas, o julgamento terminou em derrota para os compositores, com todos os outros ministros acompanhando o voto de Salomão. 

O ministro Araújo, que havia pedido vista, se manifestou pela proibição do uso comercial da paródia, mas o tema não chegou a ser apreciado pelos colegas porque não era o objeto da discussão original — que se limitava ao âmbito político.

Este fato, para Sydney Sanches, é perigoso, pois abre a porta para que usos comerciais de paródias não autorizadas se disseminem, trazendo, além de afrontas ao direito moral dos autores, também prejuízos materiais. 

"Lógico que a decisão do STJ não é uma carta branca. O Itaú, digamos, não vai usar mês que vem uma música famosa num comercial seu. As empresas de publicidade serão obrigadas a assumir um nível de risco porque essas questões serão levadas ao judiciário. Mas o fato é que liberar as paródias simplesmente, como fizeram os ministros, permite uma interpretação mais ampla e pode, sim, significar usos indiscriminados sem autorização prévia e sem qualquer tipo de remuneração aos autores. É um enorme perigo."

Diretor-executivo da UBC, Marcelo Castello Branco também criticou a decisão, que, segundo ele, abre caminho a uma violência: a utilização não autorizada de uma música num contexto político.

“A UBC se solidariza e apoia incondicionalmente a indignação dos autores nesta questão. Nos parece uma violência a utilização não autorizada de uma canção como uma paródia política, em absoluta revelia dos autores. É uma situação impensável, grave, e que reflete um vale-tudo com o qual não compactuamos."

Outras possíveis frentes de ação

Sydney Sanches conta que atua pessoalmente numa outra linha de ação para tentar impedir que as paródias se disseminem sem controle. Isto poderia ser feito através do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para ele, há duas frentes possíveis de argumentação, que serão perseguidas no Tribunal agora presidido por Alexandre de Moraes, também ministro do STF. 

"Uma das linhas é sob a ótica da legislação eleitoral. Nela, um artista tem certas dificuldades para participar do processo eleitoral, a Justiça impõe limites. Não pode fazer showmício, por exemplo, nem vincular sua imagem ou seu repertório diretamente a uma candidatura. Então, também não faz sentido o contrário: que um candidato se aproprie da obra de um criador musical, lhe dê um suposto verniz de paródia e, com isso, traga esse artista para dentro da campanha sem ele querer."

A outra frente, também no âmbito da legislação eleitoral, tem a ver com o combate às fake news e às manipulações de informações durante o processo eleitoral, algo que o TSE vem perseguindo intensamente inclusive desde a gestão anterior, do ministro Edson Fachin. "Buscaremos argumentar que as paródias sem autorização ferem a verdade eleitoral, associando indevidamente artistas a políticos, o que contraria o combate à desinformação que virou um tema muito caro ao TSE", completou Sanches.

Novo processo

Enquanto isso, depois da publicação da nova paródia por Tiririca, há alguns dias, na sua propaganda eleitoral gratuita na TV, Roberto Carlos entrou individualmente com outra ação contra o palhaço deputado. Todo amparado no direito moral, o processo mencionou a apropriação inclusive de roupas, gestual e símbolos de Roberto pelo candidato na peça levada ao ar em vários programas da campanha.

Baseado na sentença do STJ, o juíz de primeira instância de São Paulo que julgou o caso negou o pedido de liminar de Roberto para tirar a paródia do ar. Cabe recurso, e o processo em si continua a correr.

LEIA MAIS: O compositor Geraldo Vianna expõe em artigo o perigo do uso de músicas em paródias políticas sem prévia autorização


 

 



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