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4 coisas geniais de Tim Maia, por Nelson Motta
Publicado em 14/10/2022

Jornalista e produtor explica as razões para revisitar (ou nunca deixar de curtir) a obra do cantor e compositor carioca

Por Alessandro Soler, de Madri

Nelson e Tim, juntos, em foto sem data do início dos anos 1990. Arquivo pessoal

A relação de Nelson Motta com Tim Maia foi estreita e duradoura. "Sempre estive a vida toda ligado a ele, desde o iniciozinho", comenta o jornalista, produtor musical e codiretor (com Renato Terra) de "Vale Tudo Com Tim Maia", série documental que faz sucesso estes dias na plataforma Globoplay. Enquanto o Brasil e o mundo celebram os 80 anos de nascimento do cantor e compositor carioca que não só deixou obras fantásticas — deixou gêneros inteiros inventados por si —, Nelson elenca em entrevista à UBC quatro aspectos geniais da obra do amigo. 

"Há algumas coisas bem óbvias, como o fato de ele ter criado estilos musicais como o samba soul, o funk samba, o xaxado soul e o forró soul. Mas outros aspectos não são tão comentados. E acho que merecem ser analisados com maior atenção", afirma Nelson, autor de uma detalhada biografia do artista carioca, que começou na música cercado de gente como Erasmo Carlos, Jorge Ben Jor e Roberto Carlos, aproximou-se do soul quando foi viver nos EUA, importou-o para o Brasil de modo muito pessoal e deixou seu nome inscrito para sempre na nossa música. 

Hoje em dia, mesmo num cenário de domínio avassalador de sertanejo, funk carioca, pagode e forró nas casas de festas e boates Brasil afora, pelo menos três canções escritas ou interpretadas por ele — "Não Quero Dinheiro" (sua), "O Descobridor dos Sete Mares" (Gilson Mendonça e Michael) e "Vale Tudo" (sua) — não saem das listas de mais executadas do Ecad. E, como vaticina Nelson, assim devem seguir. Entre muitas outras, por estas razões: 

 

1 - Suas letras eram músicas em si

"Nestes últimos mergulhos no Tim (para o documentário), estive reparando numa coisa que nunca foi nem mencionada na carreira dele: as letras. Como era um grande músico, a letra sempre foi algo meio secundário. Mas, com o tempo, ele foi se transformando também num grande letrista, da escola Ben Jor, Luiz Melodia, Djavan. Uma escola das letras sonoras, não literárias, baseadas em como soam. 'Pneu furou, acenda o farol, acenda o farol'. É um haikai, um prodígio de síntese", analisa Nelson. 

Ele cita ainda a letra de "Vale Tudo", que classifica como um clássico do pop, "a 'Satisfaction' nacional, um grande rock 'n' roll": 

"Como ele era anárquico e libertário, não interditava nada. Foi atrás da rima de não dançar homem com homem nem mulher com mulher, mas ao cantar a música matizava: 'isso só até as 21h, depois  liberado'." 

"Réu Confesso" e "Azul da Cor do Mar" igualmente ganham menção de Nelson como "grandes letras, belíssimas". 

"Mas, sobretudo, 'Não Quero Dinheiro' é uma letra pop espetacular. Não só pela simplicidade com que comunica, mas pela sonoridade, tudo encaixa perfeitamente. A letra ajuda a estruturar a própria música", diz Nelson, que em seguida brinca: "Se eu dissesse tudo isso a ele, hoje, ele riria da minha cara. 'Qual é, Nelson Motta,  babando meu ovo por quê?  querendo algo, cumpadi?'", imita o vozeirão grave de Tim, entre risos.

2 - Seus arranjos não envelheceram

Poucos aspectos da produção musical denotam mais facilmente o período de produção de uma música que os arranjos. Tim Maia confunde mesmo os ouvidos mais treinados. Seus arranjos são universais, não só parecem estar à frente do seu tempo — parecem não pertencer a um tempo específico. 

O mais surpreendente é que ele mesmo os criava, integralmente, apesar de ser "um analfabeto musical", como descreve Nelson, referindo-se à incapacidade de Tim de ler e escrever partituras: 

"Era sempre assim: ele primeiro bolava a levada, o ritmo. Sentava na bateria e fazia. Pegava o baixo e fazia. Pegava a guitarra e fazia a levada. Pegava os sopros, um a um. E o maestro Waldir Arouca, desde o primeiro disco com ele, ouvia aquilo e escrevia. Tim sabia tocar muito bem esses instrumentos todos, que aprendeu sozinho, aliás. E sabia mostrar aos músicos o que ele queria e como queria. Era um método muito pessoal de criar os arranjos", conta o jornalista e produtor. 

Embora o crédito fosse sempre atribuído a Arouca, Nelson garante que "100% dos arranjos foram criados pelo Tim, sempre." "O de 'Gostava Tanto de Você' é extraordinário, o de 'Que Beleza' é um espetáculo, dos melhores. 'Do Leme ao Pontal' é um encontro muito feliz entre arranjos de primeira e uma letra que entrou na categoria dos grandes hinos de um lugar. É um hino do Rio de Janeiro ao lado de 'Copacabana (Princesinha do Mar)' (Alberto Ribeiro e Braguinha) e 'Samba do Avião' (Tom Jobim)."

3 - Suas fusões são espetaculares e influenciaram quem veio depois

De Seu Jorge a Mahmundi, de Jonathan Ferr a Liniker, de Amaro Freitas a Baco Exu do Blues: não há como não ver a impressão digital de Tim nos sons produzidos por, virtualmente, cada artista que faz black music brasileira contemporânea. A liberdade das fusões entre gêneros nacionais e o R&B, o soul e funk (americano) que o carioca trouxe após sua temporada nos Estados Unidos ajudou a renovar o pop brasileiro nos anos 1970 e além.

"Embora toda a música brasileira seja negra na origem, é mais fácil reconhecer essa influência em quem faz black music. Tim e a Black Rio foram os responsáveis por criar essas coisas, essas misturas incríveis, que foram se ampliando e se tornaram estilos. Há muitos compositores que podem se gabar de ter conseguido fazer grandes músicas, mas poucos podem dizer que fizeram grandes gêneros. Todos os atuais bebem na fonte de Tim, impossível não fazê-lo. Não há, nesse campo, figura maior do que ele", afirma Nelson.

4 - Sua voz foi a maior da sua geração

"Todo mundo conhece a relação que o Tim tinha com o Roberto (Carlos) lá no início. Roberto, como o Tim, é aquele que não canta um gênero A ou B. O gênero é ele mesmo, é Roberto Carlos. Mas aquelas brigas que eles tinham lá atrás, e não só entre o Roberto e o Tim, mas também com o Erasmo e o Ben Jor, têm uma razão óbvia: Tim cantava melhor que todos eles juntos", diz. 

Baixo-barítono capaz de alcançar agudos de tenor, Tim manteve a potência vocal ao longo das décadas, mesmo em meio aos muitos excessos de uma vida boêmia. Sua capacidade de brincar com as notas e criar uma coloração muito própria, muito única, para a voz o torna reconhecível nada mais soarem as primeiras sílabas.

"Que era o maior da sua geração não é nenhuma grande revelação. Roberto, Erasmo, Ben Jor e todos eles sabiam disso e o reconheciam. O engraçado é isso. Ele queria o reconhecimento, e eles reconheciam. Mesmo assim, ele reclamava", ri Nelson Motta.

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