Instagram Feed

ubcmusica

No

cias

Notícias

Milton Nascimento: os 80 anos da 'voz de Deus'
Publicado em 26/10/2022

Músicos e especialistas comentam obra do artista, que faz aniversário hoje e, em novembro, encerrará sua última turnê

Por Kamille Viola, do Rio

Fotos de Marcos Hermes

Lenda viva da música brasileira, admirado no mundo inteiro, Milton Nascimento chega aos 80 anos neste 26 de outubro. Na estrada desde junho com o show “A Última Sessão de Música”, ele em breve diz adeus aos palcos — sua última apresentação está prevista para 13 de novembro, no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte —, deixando para trás muita saudade e uma obra que vem encantando gerações desde sua estreia em disco, em 1967.

“Jamais pensei que chegaria a esta fase da minha vida tendo uma temporada tão feliz. A turnê de despedida tem sido emocionante para todos nós. E eu não tenho nem palavras para descrever tanta emoção”, afirma à UBC. “Eu me sinto muito realizado com tudo que vivi. Os amigos, os discos, as turnês, tudo! Posso dizer que tenho carinho por cada passagem desses anos de estrada.”

Com sua voz celestial — é impossível não recorrer ao clichê e lembrar a famosa frase de Elis Regina, que dizia que, se Deus cantasse, teria a voz de Milton Nascimento — e um grande talento como compositor, ele conquistou fãs que vão de Herbie Hancock (que tocou no álbum “Angelus”, do brasileiro, de 1993) a Björk, passando por Nina Simone e Quincy Jones.

“Ele tem um estilo único, muito difícil de rotular. Tanto que é tão cultuado e reverenciado fora do Brasil, por artistas tão diferentes. É um gênero em si”, analisa a jornalista musical Lorena Calábria.

Ela destaca a riqueza musical que o artista possui, de trazer toda a música de Minas — “A terra dele é Minas Gerais, não adianta, mesmo que não tenha nascido lá (mas, sim, no Rio de Janeiro)” —, com elementos como a viola caipira, e misturá-los, por exemplo, ao rock dos Beatles, uma das grandes influências dos músicos do Clube da Esquina.

“Ele sempre experimentou, foi para o jazz, a música progressiva, se abrindo para tudo isso com uma assinatura muito própria. E a voz dele, que, repetindo a Elis, não tem como você procurar outra voz que encarnasse a voz de Deus. É uma coisa assombrosa, muito tocante”, elogia.

O estilo único do artista é um comentário recorrente quando se fala sobre ele. O cantor e instrumentista Zé Ibarra, que integrou a banda de Milton na turnê anterior, em homenagem ao mítico álbum “Clube da Esquina” (1972), e também está na atual, viu o pianista Herbie Hancock fazendo o mesmo comentário recentemente.

“Agora na turnê, quando a gente estava tocando com ele (o show passou pelos Estados Unidos e pela Europa), Hancock fez um discurso no palco, e uma das coisas que ele falou foi: ‘Aqui está um cara que faz música só como ele’, algo assim. Ele estava dizendo: aqui existe uma pessoa que, dentro de um universo de sete bilhões outras de pessoas, conseguiu criar algo que só ela fez”, conta.

Ibarra costuma brincar que o cinema mineiro é Milton Nascimento:

“Para mim, não há nada que descreva de uma forma mais exata, mas ao mesmo tempo subjetivamente, o estado de espirito Minas Gerais, a cultura, o modus vivendi das montanhas, a respiração das montanhas, o frio, a cerveja num boteco numa esquina, os amigos, aquela coisa toda. Isso é absolutamente transcrito. Eu acho que um grande artista também faz isso, transcrição: ele pega (algo) de uma mídia, joga para outra e oferece generosamente para o mundo.”

Autor de clássicos como “Clube da Esquina” (com Milton Nascimento e Lô Borges) e “Tudo Que Você Podia Ser” (com Lô Borges), Márcio Borges, irmão de Lô, pontua que o amigo é um divisor de águas na nossa música.

“Ele é o inventor de uma categoria da música popular brasileira que não é a MPB. É uma música chamada de Milton. Nos rótulos e selos de feiras internacionais, cheguei a ver isso: Fulano de Tal, rock ’n’ roll; Fulano de Tal, bossa nova; Fulano de Tal, jazz; Milton Nascimento, Milton. Ele é definidor de um gênero, tamanha a sua originalidade e a sua competência para compor obras-primas, uma atrás da outra”, observa.

Márcio organizou, ao lado da jornalista Chris Fuscaldo, o livro “De Tudo Se Faz Canção – Os 50 Anos do Clube da Esquina” (Garota FM Books), previsto para novembro, que celebra o disco recentemente eleito o melhor álbum brasileiro já feito, em uma votação realizada pelo podcast Discoteca Básica com 162 especialistas.

“Na música brasileira existe antes e durante Milton Nascimento, o depois a gente vai ver, eternamente. O durante a gente vê até hoje o que ele é capaz de fazer, aos 80 anos”, derrete-se.

Lorena Calábria destaca o tom político da obra do artista, sobretudo nos anos 70. Algumas canções tinham recados diretos, outras versos cifrados, e, ainda que nem sempre as letras tenham sido compostas por ele, Milton escolheu cantá-las.

“As músicas fazem muito sentido no momento em que a gente está. Como são atuais e modernas, com tanto significado!”, espanta-se.

Zé Ibarra observa que ver o artista fazendo um passeio por sua trajetória no show de despedida é deparar-se com uma obra que nunca perde a relevância.

“E pensar que o Milton começou em uma época de ditadura, de repressão, e olha o período em que ele está encerrando. É o começo e o fim, num momento absolutamente crucial, no qual ele parece ter que repetir o que sempre disse. E se fazer ouvir para poder ser a mudança que ele sempre quis”, compara.

VEJA MAIS: Relembre, em vídeo, a emocionante festa para Milton, na entrega do Prêmio UBC 2019 


 

 



Voltar