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Versões aceleradas de hits viram moda. Elas podem impactar a criação?
Publicado em 29/12/2022

Redes sociais são tomadas pelas chamadas ‘sped up songs’; especialistas comentam tendência que reflete o modo de ser atual

Por Kamille Viola, do Rio

Frame de um vídeo criado por usuário do YouTube com a música 'Vampiro' acelerada: milhões de views. Reprodução

 

Um usuário mais frequente de redes sociais como TikTok e Instagram provavelmente já esbarrou com algumas, mas elas também estão no YouTube: as músicas em versões aceleradas, speed songs (como se usa por aqui) ou sped up songs (nos Estados Unidos). Uma busca rápida vai mostrar inúmeros exemplos, que volta e meia viralizam nas últimas tendências de algum aplicativo. Foi assim com “Sway”, de Michael Bublé, que virou trilha de incontáveis vídeos em sua versão acelerada. Mas é possível achar faixas de artistas brasileiros como Matuê e Teto, entre outros. Será que esse modismo pode influenciar a forma de compor músicas?

Produtor e compositor de hits gravados por Pabllo Vittar, Rodrigo Gorky, do Brabo Music Team, garante que não cria pensando em tendências como essa.

“Tem coisa que eu produzi que viralizou na versão normal, e coisa que eu produzi que viralizou na versão speed. Vai de caso a caso”, diz. “Mas acho que a gente vai assimilando a aceleração de tanto ouvir. E aí, quando escuta algo mais lento, pensa: ‘Ah, que devagar’. Porque você está naquele contexto em que tudo é muito rápido. E isso acaba influenciando no seu dia a dia e tudo o mais”, reflete.

VEJA MAIS: A acelerada versão de “Sway”, de Michael Bublé

Cofundadora da agência White Rabbit, que estuda cenários futuros e narrativas emergentes, Vanessa Mathias observa que a tendência de aceleração nos áudios (o recurso também existe no envio de mensagens no WhatsApp, por exemplo) é parte de um contexto maior:

“Esses aplicativos em si já são uma aceleração no consumo de conteúdo. As pessoas têm cada vez mais dificuldade em manter a concentração em conteúdos que são mais longos. Por exemplo, ver microvídeos versus ver um filme, consumir pílulas de texto versus um livro. E por aí vai.”

Estamos vivendo o que os especialistas batizaram de crise da atenção: é tanta informação que é cada vez mais difícil captar o interesse do público por muito tempo.

Leonardo Edde, presidente do Conselho Empresarial da Indústria Criativa da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), pontua: se, por um lado, antes da digitalização havia um problema de acesso às redes de distribuição de conteúdo por parte dos criadores, hoje existe uma quantidade exponencial de conteúdo sendo disponibilizado, principalmente na internet.

“A disputa pela atenção do público aumentou tão exponencialmente quanto a oferta e a disponibilização de conteúdo. Então, a capacidade de atenção do ser humano diminuiu bastante. Uma pesquisa de 2015 (feita pela Microsoft) diz que hoje ela é menor do que a de um peixinho dourado”, diz.

VEJA MAIS: “Everybody Wants To Rule The World”, Tears For Fears, acelerada

Nesse sentido, Gorky admite que a questão acaba sendo levada em conta na criação e produção musical, sim.

“Se a gente está fazendo uma música, não vai fazer uma introdução de um minuto. Eu quero que o refrão chegue até, sei lá, uns 30 segundos de música. Ou que ela comece logo com um refrão. Esse tipo de influência ocorre, e  já tem um tempo. Desde que comecei a fazer música, penso dessa maneira: ‘Existe muita música, como você vai pegar essa pessoa?’. Tem que pegar de primeira e rezar para ela não passar para a próxima faixa”, brinca.

LEIA MAIS: Cinco segundos para entrar o refrão: o uso de métricas influenciando a criação

LEIA MAIS: Existe fórmula para o sucesso na música? Uma análise dos dados por trás de 68 hits feita pela UBC

Só que, em geral, essas versões são feitas pelos próprios usuários. Para Leonardo Edde, da Firjan, esse aspecto é um pouco perigoso, porque o tempo também é parte da criação, da linguagem da arte.

“Na criação da música ou do audiovisual, se você acelerar, está mudando o conceito daquele criador, daquela criadora. Então, em termos de fruição do conteúdo artístico, eu entendo que é uma destruição do que foi criado ali”, defende. “Por outro lado, também, vai do entendimento de cada um. Tinha gente que gostava quando tinha resumo de novela, por exemplo: preferia ver o resumo da novela do que os capítulos. É difícil criticar a evolução da tecnologia, das possibilidades de fruição dos conteúdos”, pondera.

VEJA MAIS: A versão acelerada de “Vampiro”, de Matuê, Teto e Wiu

Ele observa que a discussão tem ainda mais uma camada, que é a questão do direito autoral.

“Você está, como plataforma, criando ferramentas onde o consumidor pode mudar aquela obra. É uma discussão que é complexa, mas que advém da evolução tecnológica, da evolução do consumo. Com o cuidado — que é a parte psicológica, cognitiva — de não transformar esse mundo em um lugar mais ansioso do que ele já está, de mais correria, em que você precisa consumir mais, saber de tudo, estar por dentro de absolutamente tudo que acontece. A gente está criando realmente um mundo doente”, critica.

O sucesso das músicas aceleradas é tanto que alguns artistas disponibilizam versões speed de faixas suas que viralizaram em seus próprios perfis no YouTube — como foi o caso da dupla inglesa Tears For Fears, por exemplo, com “Everybody Wants To Rule The World”. Mas isso não necessariamente é um caminho sem volta.

Vanessa Mathias afirma que a cultura da aceleração já está sendo repensada e que esse movimento deve se acentuar nos próximos anos.

“A cultura da aceleração é uma coisa muito marcante na nossa década. Só que ela vem com grandes questões, e uma bem importante é sobre a saúde mental. Hoje, muitas grandes empresas estão falando sobre modelos que sejam mais sustentáveis em vários sentidos, de pensar no impacto do que estamos fazendo”, conta.

Gorky também enxerga essa contratendência na música, com artistas tirando o pé do acelerador, e o público demonstrando interesse por esses trabalhos.

“Eu vejo muitos amigos e pessoas próximas em um movimento chilling out, com músicas mais longas, mais ambient, que é meio a antítese disso tudo, dar esse tempo de respirar um pouco e ouvir. Tenho amigos lá de fora começando projetos de ambient e gravações de sons para a natureza. E eles estão indo superbem, nunca vi tanta demanda para isso”, comenta.

VEJA MAIS: “Fim de Semana no Rio”, de Teto, acelerada

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