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Reencontro de Titãs: 30 canções ensaiadas e uma possível surpresa
Publicado em 03/03/2023

Charles Gavin e Liminha relembram momentos de criação da banda e falam da turnê de reunião, que estreia em abril no Rio de Janeiro

Por Eduardo Fradkin, do Rio

Foto de Bob Wolfenson

Foi num jantar no ano passado com o músico Nando Reis que Arnolpho Lima Filho ouviu, pela primeira vez, que a formação clássica dos Titãs poderia se reunir. Em meio a assuntos banais, Nando comentou: "queremos mostrar aos nossos filhos o que fazíamos aos 20 anos". Algum tempo depois, Arnolpho receberia outra notícia impactante: estava convidado a tocar guitarra na banda, no lugar de Marcelo Fromer, morto por atropelamento em 2001. Produtor de sete discos dos Titãs, a começar pelo antológico "Cabeça Dinossauro", Arnolpho, mais conhecido como Liminha, não titubeou no RSVP.  Ele vai completar o grupo na série de shows que começa dia 27 de abril, na Jeunesse Arena, no Rio de Janeiro.

O papel de substituir Fromer é novidade para Liminha, mas o de guitarrista dos Titãs, não.

"Eu toco em várias faixas de diferentes discos. Tem muita coisa gravada com três guitarras, então tem muita coisa minha. Guitarra, sempre cabe mais uma, né? Eu só não gravei baixo. Aliás, gravei, sim, no (disco) 'Acústico', acho que na faixa 'Os Cegos do Castelo'", conta ele, que rasga elogios ao estilo de Fromer. "Ele era incrível, parecia que tinha engolido um metrônomo. Tinha uma eficiência enorme. Então, a guitarra dele faz um efeito grande nas músicas. Um bom exemplo é 'Bichos Escrotos', que tem uma guitarra muito esperta do Fromer. É simples, transparente, mas difícil de tocar."

O baterista Charles Gavin afirma que não houve controvérsia na escolha de Liminha para o posto de guitarrista:

"Foi uma escolha muito natural. Temos uma sintonia muito forte com ele. Sem contar que é um grande músico, foi integrante dos Mutantes! Ele toca qualquer instrumento muito bem, sobretudo guitarra e baixo. Poderia tocar em qualquer banda de rock do mundo."

O entrosamento é algo muito valorizado pelos Titãs, no palco e nos bastidores. Tudo na banda é decidido democraticamente. Para a turnê "Encontro - Todos ao Mesmo Tempo Agora", os oito escolheram o repertório juntos, em reuniões virtuais. Quando finalmente se juntaram para uma sessão de fotos, Gavin conta que um antigo fenômeno se manifestou. 

"É um evento energético que dá origem a uma entidade que chamamos de A Liga. É um apelido antigo, lá do final dos anos 1980. A Liga tem códigos próprios, maneiras de se comunicar próprias. Com um olhar, já é possível dizer alguma coisa. Nas reuniões de trabalho com gravadoras, nós éramos capazes de conversar por códigos. Podíamos fazer críticas a pessoas que estavam ali, sem que elas soubessem de quem ou do que estávamos falando. Quando nós nos reunimos para a primeira sessão de fotos, A Liga se reinstalou. A gente sentiu isso, como uma corrente elétrica", relata o baterista.

Logo antes do carnaval deste ano, Gavin, Liminha, o guitarrista Tony Bellotto e o baixista e cantor Nando Reis entraram no estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro, para uma série de quatro ensaios. O primeiro foi marcado por nervosismo, segundo o baterista.

"Eu não tocava com o Nando há 21 anos. Foi um encontro muito intenso e produtivo. No primeiro dia, deu um frio na barriga. Não tinha ninguém de fora, ninguém filmando. A partir do segundo dia, já estávamos mais à vontade, e algumas filmagens foram feitas", revela Gavin, dando alguns detalhes de como foram essas sessões. "Alguém dizia: 'peraí, não lembro o que eu fazia nessa canção de 1989'. Então, pegávamos o original para ouvir. Aí, fatalmente, acontecia uma análise dos quatro. 'Peraí, tem alguma coisa que posso melhorar aqui ou vou tocar exatamente igual? Tem alguma nota a mais que eu possa tirar ou alguma que eu possa acrescentar?'. O ato de tocar é dinâmico."

Cerca de 30 canções foram ensaiadas, de acordo com Liminha, responsável por registrar e mixar tudo. A parte da banda que não estava presente - os cantores Arnaldo Antunes, Branco Mello e Paulo Miklos e o tecladista e vocalista Sérgio Britto - recebeu os arquivos de áudio para ter uma base sobre a qual ensaiar individualmente, antes de uma reunião com todos em estúdio, em São Paulo.

"A gente quer reproduzir da maneira mais fiel possível as gravações dos discos. Mas, como eles já tocaram bastante esse repertório ao vivo, ao longo de muitos anos, nem todas as músicas estão exatamente como as gravações. Algumas coisas são modificadas", observa Liminha.

E A POSSÍVEL SURPRESA?

Sobre a possibilidade de novas canções nascerem desse reencontro, o produtor e atual guitarrista da banda dá uma resposta auspiciosa:

"Essa possibilidade sempre existe. O 'Acústico' (álbum de 1997), por exemplo, era para ser uma compilação de vários discos, dos maiores sucessos, e entraram músicas novas. Sempre tem alguma coisa para fazer... e compositor, ali, não falta, né?"

Apesar de não figurar oficialmente como compositor da banda, Liminha teve participação na criação de várias faixas. Ao lembrar de duas delas, "O Quê" e "Comida", ele deixa escapar que a última estará nos shows desta turnê.

"Nelas, eu fiz uma fusão de música eletrônica com rock. Foram músicas praticamente criadas em estúdio. Nós ficamos uma semana gravando "O Que". A gravadora nem podia saber que nós ficamos usando o estúdio esse tempo todo."

Houve vezes em que as interações entre produtor e banda geraram momentos tensos. O público viu isso numa cena do documentário "A Vida Até Parece Uma Festa", de 2009, em que Liminha repreende Gavin por uma virada de bateria no meio da música "Violência Gera Violência".

"Estou esperando ele (Liminha) inventar uma firula em alguma parte de guitarra do Marcelo (Fromer) para eu dar o troco", brinca Gavin.

As rusgas de estúdio, no entanto, não foram dramas tão marcantes quanto as saídas de quatro integrantes: a de Arnaldo Antunes, em 1992, a de Nando Reis, em 2002 (um ano após a morte de Fromer), a de Charles Gavin, em 2010, e a de Paulo Miklos, em 2016.

"O momento da saída de cada um desses membros foi encarado como um divórcio. Emocionalmente, não é fácil para ninguém. Mas nós nunca brigamos ou nos desentendemos a ponto de não falar mais. A reunião era um desejo de todos. Não aconteceu antes por conta de agendas e das carreiras individuais. Não era fácil alinhar a agenda de todo mundo sem ter que cancelar trabalhos importantes de cada um. E, como disse o Sergio Britto, é muito reconfortante constatar que as nossas músicas continuam relevantes. Algumas delas foram compostas no primeiro ano da banda, em 1982!", diz Gavin.

Os escritores Luiz André Alzer e Hérica Marmo, autores da biografia oficial dos Titãs, homônima do documentário, lembram que a expulsão do baterista original da banda, André Jung, foi um episódio igualmente dramático, pois Gavin fora contratado, e a notícia se espalhara no meio musical, sem que o demissionário soubesse da situação.

A confusão acabou atingindo também a banda RPM, na qual Gavin tocava. Ele não avisara ao líder do grupo, Paulo Ricardo, que havia mudado de emprego. O cantor e baixista do RPM descobriu o fato ao ver uma reportagem na TV que mostrava um ensaio dos Titãs já com Gavin nas baquetas. Em 2010, quando houve uma nova troca nesse posto, o processo foi mais amistoso.

"O Charles, quando saiu, teve a preocupação de não deixar os Titãs na mão e os ajudou a encontrar um novo baterista. O irmão dele sugeriu o Mario Fabre, que acabaria sendo aceito. O Charles ligou para ele para dar conselhos, na época em que seria entrevistado para a vaga. Mas não deu conselho sobre técnica musical, e sim de estética. Falou para o Fabre ir vestido de preto. O Fabre contou pra gente que foi mesmo de preto... mas com tênis vermelho", conta Marmo, cujo livro, lançado em 2002, acaba de ganhar uma edição ampliada, com cinco novos capítulos.

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