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Cover ou autoral, o dilema de uma banda que busca espaço em bares
Publicado em 23/03/2023

Muitas casas não se abrem a artistas de repertório próprio, mesmo com anos de carreira; PJ, do Jota Quest, embarca no debate

Por Eduardo Fradkin, do Rio

A banda El Efecto: "dificuldade de penetrar no circuito", diz Tomás Rosati (segundo a partir da direita). Foto: Caio Amorim

Difícil, extremamente difícil. Ao saber que assim está a situação de muitas bandas de repertório original preteridas por bares e casas noturnas em favor de covers, o baixista do Jota Quest, PJ, postou um vídeo com um apelo aos donos desses estabelecimentos: "Vamos abrir um espacinho para as bandas de música autoral." E acrescentou que, sem isso, não surgirão novos Jota Quest, Charlie Brown Jr., NX Zero, Legião Urbana etc. A repercussão — quase 600 comentários e 5.700 curtidas — mostra que ele tocou numa ferida que aflige o meio musical.

"Eu não sou contra bandas que fazem cover", frisa o baixista, em entrevista à UBC. "Eu mesmo tive banda de tributo ao Red Hot Chili Peppers. Além disso, toda banda começa com uma parcela de covers, até os Beatles. O Jota, no início, tocava quinze músicas, das quais cinco eram autorais. Depois, passaram a ser sete. À medida em que ganhamos fãs, fomos substituindo mais covers por músicas autorais. Foi um processo natural."

Ele conta que o vídeo foi motivado por queixas que chegaram a seus ouvidos.

"Nos últimos meses, amigos músicos me falaram que muitos lugares não permitem que se toque música autoral. Fiquei chocado. Com isso, o próprio público fica mal acostumado e só quer saber de música conhecida. Eu comecei a frequentar bares de música ao vivo no último ano e notei que o repertório tocado neles é muito parecido. É 'Alive', do Pearl Jam, 'Give it Away', do Red Hot Chili Peppers, 'It's My Life', do Bon Jovi, 'Psycho Killer', do Talking Heads, 'Times Like These', do Foo Fighters. É como se fosse um algoritmo", observa o músico, que mora em Belo Horizonte.

PJ, do Jota Quest, num momento do vídeo que alimentou a discussão. Reprodução Instagram

Os antigos galpões na Av. dos Andradas onde o Jota Quest tocava em início de carreira, nos anos 1990, já não existem mais. Foi num deles, onde funcionava o Bar Nacional, que seus conterrâneos do Skank criaram o hit "Garota Nacional" (sob inspiração de uma frequentadora do local). Em outro, havia o bar Drosophyla, desativado em 1996 e reinaugurado em 2002, em São Paulo, onde está aberto até hoje. E como vai a programação? Segundo a proprietária, Lilian Varella, a divisão é meio a meio entre autoral e cover.

"Eu gosto de trabalhar com bandas que as pessoas não conhecem ainda. Uma vez, quem tocou no bar foi o Chico Science, antes de ficar famoso. Ele fez dois dias de shows, com uma banda de três ou quatro músicos. No primeiro dia, havia umas oito pessoas na plateia. Eu lembro que fiquei na frente do palco, dançando feito louca, para acharem que tinha alguém ali amando o show. No outro dia, eu liguei para um monte de gente e chamei para ver aquele cara, dizendo que era muito legal", recorda-se Lilian.

Outra das bandas que ela recebeu, bem antes do estouro comercial, foram os paulistas Mamonas Assassinas.

"Às vezes, eu não tenho um bom retorno. Muita gente não sai de casa para ver uma atração que não conhece. Eu acredito que é importante dar espaço, então, se eu acho o som legal, eu convido mais vezes. Mas, se eu vejo que o artista estacionou, dou um tempo, porque não sou Madre Teresa de Calcutá, né?", diz a empresária, citando como exemplo de sucesso de sua política de insistência a banda Mustache e os Apaches, cujos primeiros shows tiveram plateia minguada, e os últimos, casa cheia.

Para manter o apoio a artistas autorais, ela teve que se adaptar aos novos tempos:

"Hoje em dia, não dá para pagar cachê. Trabalho com portaria. A remuneração depende do público", explica Lilian, cuja casa, na Consolação, acomoda 60 pessoas. 

Uma noite com música ao vivo no Drosophyla: agenda meio autoral, meio cover. Foto: Thiago Almeida

DEU LUCRO, TOCOU

A lotação é um fator determinante para as escolhas curatoriais, segundo produtores e programadores de shows. Hoje, há 77.070 bares e restaurantes que trabalham com música ao vivo no país, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Quanto maior o lugar, mais difícil é a entrada de bandas autorais. Dono da produtora de shows Mr. Trip, Fabio Drummond cita o caso do bar carioca Coordenadas, que vem diminuindo a proporção de música autoral e, em breve, terá somente covers.

"Para cobrir o custo operacional do Coordenadas, é preciso botar um mínimo de 80 pessoas no segundo andar, onde acontecem os shows. Menos que isso dá prejuízo. A capacidade máxima é de 150 espectadores. Os eventos autorais trazem 15 ou 20 pessoas. Fica economicamente inviável. Faz pouco tempo, a talentosa filha do Zé Ramalho, Linda Ramalho, fez show lá. Foi feita uma campanha de divulgação, saiu nota em jornal, teve cobertura do Music Box Brasil, e, mesmo assim, levou só 20 pessoas", relata Fabio.

O produtor argumenta que o público de rock envelheceu e prestigia quase exclusivamente música nostálgica:

"Se eu anuncio um show da Rio Floyd Machine, um tributo ao Pink Floyd que já existe há 12 anos no Rio de Janeiro, boto mais de 300 pessoas dentro de uma casa como o Teatro Rival. Com uma banda autoral, eu não consigo nem 20% do público que é atraído por bandas cover."

Ele atribui a falta de renovação da cena roqueira ao fato de o gênero ter perdido espaço nos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão. "No YouTube e em outras ferramentas da internet, o público depende de alguém que pegue sua mão e o conduza, para que tenha acesso a coisas que ainda não conhece. Mas não há, na internet, uma referência como era a MTV nos anos 1990. Não há grandes formadores de opinião, hoje, focados no rock autoral."

A estimativa do produtor de que bandas autorais atraem menos de 20% do público de tributos a medalhões do rock é corroborada pelos próprios músicos atuantes nesse circuito de bares e casas noturnas. O guitarrista Nilmon Filho, que participou de bandas autorais como Hicsos, Killrape e Vengeance of Mine, faz coro.

"Quando eu tocava autoral, na maior parte das vezes ficava relegado aos domingos, não recebia cachê e tinha 15% do público se comparado com minhas bandas cover. Admiro muito o pessoal que segue batalhando com bandas autorais. O trabalho é muito maior. Levam barraca com camisas, CDs, adesivos, patches etc. Geralmente, a namorada ou algum parente cuida das vendas. Não tenho mais idade nem paciência para continuar nessa vida. Amo estar nos palcos, e minha saída foi tocar em bandas de tributo", conta o músico, que integra o Anesthesia (dedicada ao Metallica), o Polaris (cover de Megadeth) e o Angel of Jeff (em homenagem ao Slayer).

Nilmon Filho: retorno comercial muito maior tocando covers e tributos. Foto: Arquivo pessoal

Engana-se quem pensa que produtores, ao escalar bandas autorais ou de tributo, deixam-se impressionar por contas infladas em redes sociais.

"Mais importante que o número de seguidores é como a banda trabalha as suas redes; é ter alguém que as gerencie de forma eficiente. Uma comunicação eficaz para mil seguidores vale mais do que uma ineficaz para dez mil. A qualidade da gestão das redes é um balizador do comprometimento profissional do artista", aponta Fabio Drummond.

É nessa área de gestão que o cantor e percussionista Tomás Rosati, da banda El Efecto, diz que irá investir para alçar voos maiores.

"Há uma demanda para que as bandas promovam seu material", reconhece ele. "Há uma efervescência de festivais que valorizam o autoral, mas um autoral impulsionado pelo hype. E a gente nunca está dentro", lamenta Tomás.

A banda que ele ajudou a fundar e integra completou duas décadas no ano passado.

"A gente tem muita dificuldade de penetrar no circuito de festivais, que seria uma boa oportunidade de ampliar nosso público. Recentemente, participamos do Forró da Lua Cheia, próximo de Ribeirão Preto (SP), mas foi uma coisa rara. Conhecemos o programador do festival numa feira de música em São Paulo e mostramos nosso trabalho para ele. Ele gostou e bancou a nossa presença na programação."

Apesar de não haver consenso sobre o que as bandas autorais devem fazer para reconquistar o espaço tomado pelas congêneres cover, o baixista do Jota Quest, que atiçou o debate, tem bons conselhos a oferecer aos donos de bares e casas noturnas.

"Será que, em uma noite que começa às sete e vai até quatro da manhã, não dá para abrir um espaço de meia hora para uma banda autoral?", indaga PJ, para, em seguida, lançar mais uma ideia. "Se eu tivesse um bar ou uma casa de shows, toda banda que fosse lá teria a obrigação de tocar pelo menos duas músicas autorais. Se o show fosse de uma banda cover de Red Hot (Chili Peppers), faria duas músicas no estilo do Red Hot", exemplifica, raciocinando sobre um tipo de ação que poderia ajudar a abrir a mente do público a um repertório novo e, quem sabe?, surpreendente.

 

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