Instagram Feed

ubcmusica

No

cias

Notícias

Artigo: Novos Tempos
Publicado em 11/07/2023

O compositor e diretor da UBC, Geraldo Vianna, reflete sobre processo de criação em tempos de Inteligência Artificial

Por Geraldo Vianna*

Compor música é algo sublime... Todo compositor já ouviu esse comentário em algum momento de sua vida. Mas como dá trabalho a busca e o encontro com esse “sublime”! Compor é organizar ideias, lidar com a subjetividade e buscar formas de expressão para nosso pensamento. Depois de tudo isso, esse aspecto, às vezes, romântico e solitário, muda para a necessidade de difusão e promoção do conteúdo, que é apresentado ao público pelo intérprete. Nesse contexto, surgiram, em outros tempos, as gravadoras, que ampliaram o leque de possibilidades na formação de vários públicos, propondo novas formas de projeção da arte musical. Esse mecanismo, em um determinado período, tornou-se fundamental na vida dos artistas.

A partir do crescimento dos negócios e da grande diversidade musical brasileira, foram se tornando comuns a criação de clichês e sonoridades condizentes com os anseios sociais de cada época, adequados ao gosto de cada região e atendendo a demanda do rádio, televisão e internet, entre outros. O que antes era chamado criação empírica ou embasada pelo conhecimento técnico, personalizado, cede lugar à repetição massificada sem grande interesse na inovação. Mas a indústria seguiu movendo carreiras, gerando empregos e movimentando a economia, até então, utilizando um conteúdo originário da mente do compositor. Com a mudança no modelo de negócios, surge, nos tempos atuais, com mais veemência, o tema da Inteligência Artificial (IA), que anda aterrorizando os criadores em todos os setores artísticos. Embora tenha sido criada no pós-guerra, o termo surgiu por volta da década de 1950 e, em vários aspectos, contribuiu para melhorias na criação artística. Podemos constatar um grande avanço da produção musical na década de 1980, com a chegada do MIDI (Interface Digital de Instrumentos Musicais), por exemplo, que se tornou uma importante ferramenta de trabalho, despertando novos e grandes avanços nessa área.

Com o fortalecimento do streaming nas plataformas digitais e um novo conceito na audição de música via aparelhos celulares, principalmente, novas formas de utilização da IA foram desenvolvidas, facilitando as várias maneiras de administrar catálogos e analisar tendências. O que observamos, nos dias atuais, é um crescimento e domínio da indústria que se fortalece utilizando ferramentas na análise de dados das redes sociais e streaming em geral, com foco nos vários públicos, visando investimentos mais certeiros. Por outro lado, favorecendo o público, tornou-se prática comum a administração de Playlists criadas de acordo com o gosto do ouvinte. O que, para alguns, não passa de uma imposição, com base nos algoritmos, de uma seleção musical que favoreça, exclusivamente, a massificação e criação de estereótipos que seguirão ditando as normas. Todo esse arsenal nos proporcionando grandes possibilidades, mas favorecendo, em tempo recorde, uma verdadeira guerra de interesses em um mercado marcado pela insanidade da velocidade dos acontecimentos.

Com isso, chegamos à questão crucial: como ficarão os inúmeros criadores e trabalhadores da música, espalhados mundo afora, com a adoção e utilização da IA, pela indústria, e o processo de criação percorrendo essa via? Como remunerar os autores e compositores por contribuírem, na essência, com uma base de informações para a criação artificial? A primeira via seria a normatização de uma legislação que acolha os criadores, estabelecendo normas para o uso da IA nas artes, respeitando todos os direitos e remunerando os autores e compositores no caso de utilização de seu arsenal criativo. Vale aqui, uma pequena digressão relativa aos últimos anos.

Durante a pandemia, vivemos um momento de grande frustração, principalmente por parte dos artistas independentes, que, em muitos casos, abandonaram a profissão por falta de recursos econômicos para o próprio sustento. Nesse tempo, percebemos um grande crescimento da indústria, por meio do streaming. Passamos a consumir todo tipo de conteúdo digital da música e do audiovisual. O crescimento das plataformas, devido, em parte, aos planos de assinaturas de serviços digitais ou contas gratuitas com publicidade, trouxe perspectivas que, infelizmente, não refletem a realidade da maioria dos autores. O quadro atual não é favorável ao artista, por trazer implícito em suas promessas um falso conceito de valorização do criador, considerando os baixos valores pagos aos titulares de direito autoral e a falta de transparência nos critérios de remuneração. A adoção da IA na composição, se consumada sem regras claras, nos levará à constatação do declínio de uma era, quando se valorizava a inovação e inventividade do ser-humano enquanto criador. Importante frisar que a composição musical que utiliza a IA não se trata de desenvolvimento artístico/cultural, que tem como base evolutiva a liberdade na criação e o rompimento de regras pré-estabelecidas, além da busca de novas linguagens. Temos exemplos de grandes movimentos ou iniciativas de pequenos grupos, que criaram o perfil de nossa Música Popular Brasileira, atendendo a todos os tipos de interesse musical, obviamente com maior vazão às demandas populares e comerciais de vários gêneros musicais espalhados pelo Brasil, sem prejuízo da inventividade.

Poderíamos dizer que hoje todos têm mais acesso à distribuição de seu conteúdo e que compartilhamos uma via democrática. Mas não é verdade. São enviadas, diariamente, milhares de músicas para as plataformas de streaming. Muitas, praticamente não serão ouvidas. As que forem executadas receberão um valor justo por sua utilização? São muitas dúvidas e questionamentos com poucas respostas, no momento. Concordamos que, seguindo essa trilha sem a atenção e o cuidado necessários, talvez tenhamos, no futuro, duas vertentes paralelas. A da indústria que se utiliza de elementos criados em ambiente artificial, visando apenas lucro e poder de mercado, cultivando a repetição e a mesmice, sem nenhuma contribuição cultural, e a outra, que desenvolve e propaga a cultura do país, com artistas se dedicando à criação de novas linguagens que definirão o que será a música dos novos tempos, que se renova a cada dia. Mas, como sobreviverão esses criadores?

Cabe a todos uma grande reflexão na busca de compreensão desse novo momento, para que continuemos essa vertente que colocou o Brasil na vanguarda da criatividade em todo o mundo. Toda prática utilizada com bom senso, valorizando o criador e remunerando sua criação, estará contribuindo para o fortalecimento da cultura e do mercado. Sem a criação oriunda do pensamento humano, não haverá jamais a produção e continuação de nossa criatividade e diversidade cultural. Não haverá conteúdo que perpetue nossa história.

*Geraldo Vianna é compositor, violonista, arranjador e produtor musical, além de integrar a diretoria da UBC

 

 

LEIA MAIS: Artigo sobre inteligência artificial: 'O sonho da máquina criativa' 

LEIA MAIS: AI ou A&R? Eis a questão na indústria musica 

 


 

 



Voltar