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O que muda após lançamento de canção dos Beatles criada por I.A.
Publicado em 03/11/2023

Analistas falam sobre a inédita ‘Now and Then’ e o impacto que pode ter para a ‘ressurreição’ de conteúdos esquecidos de astros do passado

Por Ricardo Silva, de São Paulo

Os Beatles naquela que é considerada sua última foto juntos, em 1969. Reprodução/Ethan Russell

Há sete anos, o site da UBC falou pela primeira vez de uma canção criada por inteligência artificial. Era a duvidosa “Daddy’s Car”, lançada pela Sony, que dizia na época ter feito uma varredura de sons dos Beatles e, então, utilizado algoritmos para montar algo “inspirado” na maior banda de todos os tempos.

Agora, os próprios “Beatles” lançam uma música sua, senão inteiramente criada, certamente muito trabalhada através de I.A. Escrita originalmente em 1979 e registrada unicamente em gravações vocais de Lennon de baixa qualidade, “Now and Then” nunca foi finalizada. Nos anos 90, quando uma demo com esta e outras faixas foi retrabalhada em estúdio (e duas canções póstumas da banda, “Free as a Bird” e “Real Love”, viram a luz), “Now and Then” seguiu abandonada, justamente pela impossibilidade técnica de extrair algo aproveitável daqueles registros de Lennon.

Até que vieram a inteligência artificial e seus algoritmos capazes de varrer cada nota, cada sílaba, cada entonação do astro a partir de outras regravações, montando com sua "voz", em alta definição, a letra esquecida. Ontem (2 de novembro), o mundo pôde conhecer uma inédita da banda décadas depois de sua extinção — com dois de seus quatro membros mais míticos já mortos. (E os dois que estão vivos, Paul McCartney e Ringo Starr, participaram de gravações novas para o lançamento).

VEJA MAIS: O clipe oficial de “Now and Then” (criado, ele mesmo, com a fusão de imagens atuais de McCartney e Starr e imagens dos outros retrabalhadas por I.A.)

Evidentemente, a novidade vem provocando polvorosa no ciberespaço. Fãs saudosistas celebram. A indústria esfrega as mãos, em júbilo (“novas” de outros gênios do passado, jamais gravadas, poderiam nascer através do mesmo método). E uma não desprezível quantidade de puristas achou o resultado um falseamento. Um tipo de debate que, no futuro próximo, vai se tornar cada vez mais comum — até que desaparecerá, dado o potencial de total normalização desse tipo de lançamento.

“É legal ouvi-los, ahm, juntos após tantos anos. Mas a canção soa exatamente ao que é: um produto montado no estúdio usando trechos de material gravado ao longo de várias décadas. É um tanto fria e clínica, um subproduto de sua história fragmentada”, descreveu à UBC o pesquisador musical e crítico americano Michael Gallucci.

Outros, como o ex-líder do Oasis Liam Gallagher, foram na linha oposta — e de um modo, digamos, pouco contido:

“Absolutamente incrível, bíblico, celestial, tocante e comovedor, tudo ao mesmo tempo”, ele escreveu em seu perfil no X, admitindo logo em seguida, em resposta ao questionamento de um fã não muito contente com o resultado de “Now and Then”: “Os Beatles poderiam cagar na minha mochila que eu ainda esconderia nela minhas balas de menta.”

Para a analista do mercado musical Elaine Brandão, trata-se de só mais um passo de uma indústria que vem surfando bem a onda de interesse global pela inteligência artificial e produzindo mais notícias do que verdadeiramente grandes volumes de composição automatizada.

“Já tivemos, no Brasil, todo o ruído quando saiu a propaganda da Elis cantando com a filha, o que evidentemente abre as portas a outras publicidades do tipo. Agora, isso. Se a gente parar para pensar, produzir música ou ressuscitar a imagem de artistas mortos de uma forma robotizada é mais barato do que pagar compositor humano e toda a cadeia produtiva. Mas este caso de 'Now and Then' é bem específico: trata-se de uma ajudinha por I.A. para uma obra criada por ninguém menos que os Beatles. Ainda não dá para falar em produção seriada de canções com qualidade similar.”

Talvez ela tenha razão e ainda não dê agora. Mas, quem sabe em algum momento próximo?

O Google anunciou semana passada que investirá US$ 2 bilhões no unicórnio da inteligência artificial Anthropic, dos EUA. A Amazon foi outra a colocar na empresa uma quantidade não especificada de dinheiro, segundo o Wall Street Journal. A razão? O produto-estrela da Anthropic, o chatbot Claude, seria “centenas de vezes” mais “potente”, “criativo” e “preciso” do que a mais nova versão do ChatGPT, na avaliação de analistas do setor ouvidos pela Reuters.

Com o Claude, qualquer um poderia criar canções potencialmente boas, dando um baita empurrão na produção robotizada, que já vem sendo reivindicada pelos próprios compositores humanos como uma ferramenta mais para ajudar seu trabalho. O tema está na edição de outubro da Revista UBC, que mostrou como, além de assumir como legítimo o uso de I.A. para ajudá-los a compor, muitos criadores querem também poder concorrer a prêmios musicais com suas obras parcialmente desenvolvidas por máquinas.

Vale lembrar que a “ameaça” imediata da ferramenta Claude é tal que gigantes da indústria musical, como o Universal Music Publishing Group, o Concord Music Group e a gravadora independente americana ABKCO, já processam na Justiça do EUA e pedem milhões à Anthropic pela “infração ampla e sistemática de suas obras protegidas” ao fazer mineração de letras e acordes de canções para criar o Claude.

“A criação totalmente original de música por inteligência artificial que possa ser chamada de arte acho que ainda vai demorar. Até lá, a internet está inundada de perguntas do tipo ‘e se?’. E se for recriada e lançada uma inédita do Hendrix? E se houver uma onda de novos lançamentos de obras esquecidas? Quem sabe a própria ‘Carnival of Light’, outra obra ‘desaparecida’ dos Beatles?”, se pergunta o pesquisador Gallucci. “Até lá, me divirto à beça ouvindo ‘Now and Then’. Ela pode ser claramente uma música picotada e recosturada de uma maneira não totalmente orgânica. Mas é uma inédita dos Beatles, ora essa!”

LEIA MAIS: Carta aberta pelo respeito aos direitos autorais na inteligência artificial


 

 



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