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Análise: por que prefeituras insistem em 'tese' sobre direito autoral derrubada pelo STJ
Publicado em 03/01/2024

Alta corte em Brasília acaba de revalidar algo que a lei já diz: eventos devem pagar pra usar música, tenham fins lucrativos ou não

De São Paulo

O plenário do STJ. Foto: reprodução/STJ

Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no apagar das luzes de 2023, validou algo que já era amplamente conhecido (por lei) e aceito: não é preciso que um evento tenha finalidade de lucro para que seus organizadores tenham que pagar direitos autorais pelas músicas executadas. Mesmo sendo esta uma questão pacificada no mundo jurídico, uma prefeitura, a da cidade de Cerquilho, no interior paulista, decidiu bancar a aposta na inadimplência. Depois de perder em primeira instância e no recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo, levou a questão à alta corte em Brasília. Provavelmente, sabia que perderia de novo, como de fato ocorreu no final da semana passada. Então, por que o fez?

“Muitas prefeituras fazem isso, mesmo sabendo que vão perder eventualmente, para poder adiar a despesa. Sabem que essa despesa vai chegar, mas aí já é problema do próximo prefeito. Provavelmente, muitos órgãos públicos usam esse subterfúgio. Quem paga por isso, infelizmente, é o titular da música”, diz Claudio Lins de Vasconcelos, advogado especialista em direito autoral.

O tema, como ele reforça, não é controverso dentro do mundo jurídico. Ou seja, não há dúvida de que é obrigatório o pagamento de direitos autorais independentemente de o evento ter fins lucrativos ou não. A relatora do recurso especial no STJ, ministra Nancy Andrighi, inclusive lembrou que a anterior lei de direitos autorais brasileira, a 5.988/73 (que completou 50 anos mês passado), mencionava o lucro como pressuposto para o pagamento em seu artigo 73. Mas a lei vigente, a 9.610/98, em seu artigo 68, excluiu a expressão “que visem lucro direto ou indireto”, obrigando os organizadores a remunerarem os titulares de direitos das canções executadas em qualquer caso.

"Daí porque, atualmente, à luz da lei 9.610/98, a finalidade lucrativa direta ou indireta não é mais pressuposto para a cobrança de direitos autorais nessa hipótese", descreveu a ministra.

Tentar sustentar uma argumentação com base numa lei que já não existe não é o único estratagema utilizado pelos que não querem remunerar aos autores e outros titulares das músicas que exploram em seus eventos. Ao longo dos anos, foram propostos no Parlamento muitos projetos de lei para isentar órgãos públicos e entidades sem fins lucrativos desse pagamento, mas nenhum jamais avançou, como lembra Lins de Vasconcelos:

“E nem deveriam avançar, pois a música é um bem móvel, como diz a própria lei, objeto de um direito de propriedade. E quem usa a propriedade alheia deve contar com a autorização do proprietário. Da mesma forma que a prefeitura não pode deixar de pagar pelo equipamento de som, por exemplo, sob argumento de que não há cobrança de ingresso, também não pode deixar de pagar pelo uso da obra musical, cujos direitos muitas vezes pertencem a terceiros, sequer envolvidos no espetáculo.”

Embora a questão seja pacificada, a decisão do STJ em si não é vinculante, ou seja, não obriga tribunais inferiores a seguirem seus termos. Com isso, na opinião do advogado, é possível que, como já vêm fazendo, outras prefeituras continuem a tentar a sorte no judiciário, em busca de uma decisão diferente:

“Uma decisão que é improvável que ocorra, diga-se de passagem.”

Enquanto situações como essa se repetem, há óbvias perdas econômicas para os autores e o Ecad, que precisa mobilizar todo um aparato jurídico a cada vez que um caso de inadimplência chega aos tribunais. A ação de Cerquilho (SP) começou quando o escritório de arrecadação e distribuição entrou na Justiça por conta dos repetidos eventos que a prefeitura municipal vinha realizando sem recolhimento de direitos autorais. Mesmo as decisões desfavoráveis de todas as instâncias inferiores ao STJ não foram capazes de fazer a administração daquela localidade recuar.

Ainda que seja “chover no molhado”, a decisão vem para reiterar um direito previsto nas leis, e que todos os promotores de eventos deveriam conhecer e respeitar. Para o diretor-executivo da UBC, Marcelo Castello Branco, é importante o caráter educativo que a manifestação do STJ representa:

“Uma decisão muito bem-vinda e necessária, para reforçar de forma inequívoca o respeito e a necessidade de pagamento dos direitos autores pelas instituições oficiais e governamentais de turno, que muitas vezes querem relativizar ou vilanizar o direito de autor. A premissa básica de reconhecimento do pagamento do direito autoral é um dos pilares de qualquer sociedade moderna.”

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