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Majors unem forças para proteger catálogos ante avanço da IA generativa
Publicado em 04/07/2024

Já no Brasil, audiência pública debate PL que regula a inteligência artificial, e Marisa Monte faz defesa da criação humana; assista

Por Ricardo Silva, de São Paulo

Num movimento incomum no mercado musical, as três principais majors, Universal Music, Sony Music e Warner Music, uniram forças em duas frentes estes dias para tentar ter algum controle sobre o avanço imparável da inteligência artificial generativa. As três se juntaram a outras empresas discográficas dos Estados Unidos para processar duas das principais startups produtoras de música por robôs, a Suno e a Udio. A alegação é que ambas têm varrido catálogos inteiros das majors e de inúmeros selos independentes, sem autorização ou pagamento, para treinar seus sistemas e ganhar em cima deles. Em outra frente, as três grandes estariam discutindo, segundo o jornal Financial Times, uma parceria com o YouTube para criar repertório inédito por meio de inteligência artificial — tudo licenciado e remunerando aos artistas humanos.

Enquanto isso, no Brasil, chegaram ao fim nesta quarta-feira (3) as 12 audiências públicas no Senado destinadas a escutar diferentes segmentos da sociedade, em meio à tramitação do PL 2.338/2023, que se propõe a regular a inteligência artificial no país (saiba mais na parte final deste texto).

TODOS CONTRA OS ROBÔS

A ação judicial contra a Suno e a Udio foi registrada pela Universal, a Sony e a Warner, em associação com a poderosa RIAA (a Associação da Indústria Fonográfica dos Estados Unidos), semana passada, nas Justiças de Massachusetts e Nova York.

No embasamento de ambos os processos, as gravadoras unidas acusam as empresas de “infração maciça de gravações sonoras, copiadas e exploradas sem permissão por dois serviços de geração (automatizada) que valem bilhões. As empresas de IA, como todas as outras, devem obedecer às leis que protegem a criatividade humana. Nada as exime de jogar segundo as regras.”

Como não há jurisprudência clara na Justiça americana sobre o tema, especialistas acreditam que tudo poderá acontecer, com impacto em decisões similares no resto do mundo.

“Houve uma decisão na Califórnia há uns meses em que uma juíza não acatou os argumentos de três escritores que pediam para ser indenizados pelo uso de seus trabalhos no treinamento de IA generativa. Mas, no caso, o que falhou, no entendimento da magistrada, é que eles não conseguiram provar o uso. Ainda não existe uma decisão que claramente permita esse tipo de uso. Por isso há muita expectativa sobre o desenlace dessa ação”, diz Elaine Brandão, analista financeira especialista no mercado musical.

Mundo afora, empresas desenvolvedoras de tecnologia baseada em IA, como Google e Anthropic, vêm tentando fazer valer a ideia de que o uso de materiais protegidos para treinar seus sistemas é um exemplo de “uso justo” e que, portanto, deveria ser uma exceção às leis de direitos autorais. Mas são muitas as vozes que discordam da tese.

“A argumentação justa das gravadoras e dos titulares de direitos autorais em geral é que usos destinados à educação, por exemplo num ambiente universitário, até podem ser isentos da aplicação das leis de direitos autorais. Mas não a IA generativa comercial, já que a tecnologia se aproveita das obras alheias para seu treinamento e, depois, terminará competindo diretamente com esses mesmos criadores humanos”, explica o analista Daniel Tencer.

Num comunicado obtido pela UBC, a RIAA afirmou que o “uso justo” jamais pode ser aplicado num contexto em que o resultado da criação robótica se destina a substituir a criação humana.

“E a Suno e a Udio já declararam, com suas próprias palavras, que é exatamente isso que elas buscam”, disse o diretor-executivo da RIAA, Mitch Glazier, no comunicado. “A comunidade musical aderiu à IA, e já temos parcerias e colaborações com inúmeros desenvolvedores para criar ferramentas de IA sustentáveis e centradas na criatividade humana, que coloquem os criadores humanos no controle. Mas isso só vai dar certo se os desenvolvedores quiserem trabalhar junto com a gente. Serviços sem licença como Suno e Udio são uma involução.”

Uma análise feita no site Music Business Worldwide encontrou enormes similaridades entre “criações” robotizadas da Suno e da Udio e trabalhos protegidos de bandas como ABBA e Oasis, além de artistas como Natalie Imbruglia, John Lennon e Ed Sheeran. Em alguns casos, não só os acordes se repetem claramente, mas também as vozes de artistas como Michael Jackson e Bruce Springsteen são imitadas à perfeição. Isto, claro, vem preocupando as gravadoras e estaria por trás da decisão de atuarem juntas.

Num reforço à posição que adotou conjuntamente com as outras majors, a Warner music enviou ontem a centenas de desenvolvedores de IA uma carta em que os proíbe textualmente de usar seu catálogo no treinamento dos sistemas sem uma autorização prévia. O documento traz termos bastante similares a outro que a Sony Music tornou público em meados de maio, e que noticiamos aqui no site.

Como a Sony, a Warner também fez oficialmente seu “opt-out”, ou seja, optou por deliberadamente não participar, com seu catálogo, dos treinamentos de sistemas de IA generativa. Essa regra de “opt-out” está presente na Lei Europeia sobre IA e vem sendo considerada uma saída jurídica para empresas que representam criadores humanos e que não concordam com o uso não autorizado de suas obras nesse contexto.

PARCERIA COM YOUTUBE

Também juntas, Universal, Warner e Sony estariam finalizando uma parceria com o YouTube para licenciar seu catálogo à gigante dos vídeos, que vem desenvolvendo novas ferramentas de criação por IA. A ideia, segundo uma reportagem do jornal Financial Times há alguns dias, é que as majors tenham controle sobre um processo que já está se desenvolvendo, violando seus direitos e sem que elas atualmente possam fazer muito.

Segundo “três pessoas envolvidas no tema”, nas palavras do FT, o YouTube oferece uma espécie de licença-cobertor, com um pagamento único para a utilização dos catálogos. Pela ideia, os próprios artistas cujas obras forem usadas para gerar música robotizada seriam consultados antecipadamente e receberiam pagamentos por isso.

Caso o acordo se concretize, seria um passo novo da Sony Music, que ano passado não participou do anúncio de uma parceria com o YouTube para o desenvolvimento de ferramentas de criação por IA. Agora, segundo o FT, a gigante japonesa está envolvida e disposta a buscar uma solução financeira que compense o uso de suas obras para gerar canções que eventualmente competirão com seu catálogo.

DEBATE NO SENADO BRASILEIRO

Um tema que preocupa também no Brasil, como ficou claro nesta quarta-feira (3), na última das audiências públicas ocorridas no Senado, no contexto da discussão sobre o PL 2.338/2023. Com a participação de representantes do Google, de diversas startups desenvolvedoras de ferramentas de IA generativa e até de médicos e outros profissionais que já utilizam IA no dia a dia, os cantores e compositores Marisa Monte e Frejat opinaram através de videoconferência, destacando o caráter injusto da competição entre artistas e máquinas que usam os trabalhos deles em seu treinamento.

Marisa num momento de sua fala. Reprodução TV Senado

Para Marisa — que falou em nome não só dos criadores de música, mas também de artistas em geral, jornalistas e até cientistas, profissionais que produzem conteúdos protegidos por direitos autorais segundo a nossa lei —, “o Brasil tem a oportunidade de estabelecer um marco regulatório que equilibra inovação tecnológica e a proteção dos direitos dos criadores, moldando o futuro de uma maneira justa e transparente”:

“É essencial que a legislação acompanhe (o desenvolvimento tecnológico) para proteger os direitos dos criadores e garantir um ambiente justo e equilibrado. É fundamental assegurar que os criadores continuem a produzir obras, que (depois) alimentam bancos de dados e enriquecem a nossa cultura e identidade, garantindo também a soberania brasileira”, disse a artista, que comentou ter discutido alterações no texto-base do PL com seu relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), para incluir pontos específicos sobre a remuneração dos artistas cujas obras são usadas no treinamento dos sistemas de IA, além do controle total dos criadores sobre os usos que são feitos de seus trabalhos.

Finalizando sua fala, Marisa pediu textualmente a aprovação do PL 2.338 e sustentou que a regulamentação do tema dos direitos autorais na IA vai “trazer segurança jurídica a todos”:

“Aos artistas, aos desenvolvedores de tecnologia e à sociedade. Aproveito para afirmar que nosso grupo de trabalho vai seguir disponível durante a tramitação e regulamentação desse projeto, que vai envolver um esforço contínuo de diálogo de todas as partes, à medida que as ferramentas tecnológicas vão seguir evoluindo ao longo dos anos.”

 

VEJA MAIS: Toda a audiência pública desta quarta (3) e, entre os minutos 21:50 e 28:15, a fala de Marisa Monte na íntegra

 

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