Dados da empresa chinesa indicam que artistas ligados a grandes conglomerados estão viralizando menos na plataforma
Por Eduardo Lemos, de Bath, Inglaterra
Floyymenor, jovem rapper chileno indie, que estourou no TikTok e foi parar no Top 100 da Billboard. Foto: reprodução
Fazia 25 anos que um artista chileno não entrava na lista da Billboard dos Estados Unidos das 100 músicas mais tocadas. O tabu foi quebrado há poucas semanas por Floyymenor, um rapper de apenas 18 anos de idade. Sua música "Gata Only", um reggaeton lançado de forma independente no começo do ano, virou febre no TikTok e, em agosto, tornou-se a faixa mais tocada no aplicativo de vídeos, batendo 15 milhões de criações.
"Million Dollar Baby (VHS)", de Tommy Richman, não só ficou em terceiro lugar globalmente no TikTok, mas também liderou a parada dos EUA da plataforma. Outra história de sucesso indie deste verão envolve uma artista brasileira: foi "Alibi", da cantora, compositora e produtora musical holandesa de origem iraniana Sevdaliza, que traz articipação da nossa Pabllo Vittar e da francesa Yseult. Dona do 5º lugar na lista divulgada pelo TikTok, a faixa foi lançada pelo selo próprio de Sevdaliza, Twisted Elegance, e distribuída pela Believe.
Esses não são casos isolados: de acordo com dados divulgado pelo TikTok no último dia de 19 de agosto, 60% das 10 músicas mais populares na plataforma neste verão do Hemisfério Norte foram distribuídas por gravadoras independentes ou pelos próprios artistas. "Gata Only" foi lançada pela estadunidense United Masters, uma empresa de distribuição independente, ou seja, não ligada aos grandes conglomerados da música global.
"Não me surpreende o fato dos artistas independentes, não ligados a nenhuma major ou grande distribuidora, estarem sendo os grandes destaques na plataforma no verão do Hemisfério Norte", diz Rafael López Chiocarello, especialista em marketing digital musical e fundador do site indie Hits Perdidos. “As distribuidoras menores têm realizado um trabalho interessante. E as novas ferramentas do TikTok, como, por exemplo, a de repostar criações dos fãs com a sua música, têm contribuído na retenção desses novos seguidores."
Fazer sucesso no TikTok tem sido, também, um atalho para que os artistas conquistem outros territórios. No Spotify, “Gata Only” passou de 1 bilhão de plays e fez de Floyymenor um dos 100 artistas mais populares do app sueco no momento. Para Chiocarello, "o grande desafio desta nova leva de artistas, além de monetizar seu trabalho, é conseguir levar esses fãs de virais de internet para o mundo offline.”
Pabllo Vittar (à direita), com Yseult e Sevdaliza no clipe de "Alibi": mais indies entre as mais tocadas do TikTok. Foto: reprodução
Briga geopolítica e artistas classe média
Resultados assim só são possíveis graças ao algoritmo descentralizado do TikTok, lembra Dani Ribas, professora de music business e vencedora Prêmio Profissionais da Música de 2023 na categoria Projeto de Pesquisa: Techs, Algoritmos e Segmentação de Público.
"O TitkTok chegou depois nessa briga das redes sociais, e ele entendeu que, para entrar nessa disputa, só se ele construísse um social graph totalmente descentralizado, em que os seus gostos serão expressos na recomendação algorítmica. Você não está mais suscetível aos mesmos conteúdos distribuidos no mundo inteiro, como acontece no Instagram. Você começa a acessar conteúdos que têm realmente a ver com você. Todo social media sabe que, para viralizar, você precisa ter uma conta no TikTok. É o que eles chamam de 'entregar muito mais’."
Para a especialista, que também é fundadora da Sonar Cultural Consultoria, o TikTok se beneficia de ser aplicativo de música e rede social ao mesmo tempo.
"Uma estrutura mais descentralizada, como a do TikTok, não vai usar músicas dos catálogos das grandes gravadoras. Nenhuma das majors - Universal, Warner e Sony - é chinesa. É natural que a ByteDance e sua rede social, que usa música como um dos ganchos de atenção nessa economia da atenção, queira disputar esse espaço das majors, mas ela não tem grandes catálogos. Então, como ela vai fazer isso? Ela tem os dados dos usuários, principalmente desses rastros digitais que esses usuários deixam nas redes e que indicam suas preferências. E as majors não têm esse tipo de informação. Claro que elas vão obter isso por meio de plataformas como o Chartmetric. Mas é um dado de segunda mão. O TikTok tem esse dado em primeiríssima mão, em tempo real. Isso é um ativo muito grande.”
Dani Ribas. Foto: Patrícia Soransso
É capaz que esse jogo abra espaço para nomes que o site Music Business Worldwide chama de "artistas classe média independentes". Para Ribas, já há sinais de que há uma reconfiguração dos poderes do mercado a partir do crescimento do TikTok.
"Com esses dados que possui, o TikTok certamente vai poder conduzir e capitanear esses catálogos de artistas emergentes e de classe média para fazer frente ao catálogo das grandes gravadoras. E é isso que já vem sendo feito em plataformas como o Resso, TikTok Music e o SoundOn", disse ela, citando três companhias criadas pelo TikTok.
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