Seguido por 13,5 milhões e com 4,8 bilhões de 'views', projeto brasileiro é o maior dedicado ao 'rap nerd’ em todo o mundo
Por Alessandro Soler
Foto de Marcelo Brasileiro
Lucas (no centro), entre Gabriel e Pedro, seus sócios da parte criativa do 7 Minutoz
Ele não se lembra bem do que foi que entrou primeiro em sua vida: se a parte ‘rap’ ou a parte ‘nerd’. O que está claríssimo para Lucas A.R.T. é que dificilmente poderia ter escolhido um ganha-pão que encaixasse melhor com sua personalidade. Fundador, em 2012, do 7 Minutoz, maior canal de rap do YouTube brasileiro — e maior canal de rap geek ou nerd em todo o mundo —, ele vem conquistando com os sócios criativos, Gabriel Rodrigues e Pedro Alves, uma série de marcos que nem em seus sonhos mais malucos foi capaz de prever lá no começo.
“Acho que, só uns anos atrás, se alguém falasse que a gente tocaria no Rock in Rio para milhares de pessoas (como ocorreu no último dia 14 de setembro), eu ia gargalhar. Foi uma loucura, uma experiência surreal ver as pessoas ali, com a camiseta da gente, cantando nossas letras”, descreve o paulista cada vez mais habituado a coisas ‘surreais’ como ter 13,5 milhões de seguidores em seu canal e 4,8 bilhões de visualizações de vídeos que, essencialmente, abordam em forma de rap as histórias de animes, mangás, games, séries e outras produções do chamado universo nerd.
Esse subgênero do rap, que lá fora se chama nerdcore, produz canções como “Rap da Akatsuki”, sobre a organização de mercenários da série de mangá e anime de megassucesso Naruto, cujo vídeo no 7 Minutoz passa de 223 milhões de visualizações. Ou “Heisenberg”, um rap sobre o professor de colégio que vira chefão do tráfico de metanfetamina na série de TV “Breaking Bad”, também com muitos milhões de cliques.
“Lembro de ser muito, muito, muito criança e ouvir os discos dos Racionais, sabe? De curtir muito ‘Vida Loka' e cantar as letras, sem nem saber como aprendi. E desde criança eu também sempre fui muito nerd. Toda essa cultura de games, de animes e de séries sempre me atraiu. O canal me permitiu conectar tudo. Acho que dá para ver que a gente faz algo bonito e com qualidade. É porque curtimos demais o que fazemos”, diz A.R.T., compositor da maioria das músicas, mas que conta também com a parceria de Gabriel e Pedro, além de artistas como 808 Ander e Lucas Lobo.
VEJA MAIS: O clipe de 'Rap da Akatsuki'
A audiência é incrível, os números de composições assinadas são robustos, os ganhos com execução pública, consideráveis. Mas a criativa turma que brilha nessa modalidade de rap ainda se ressente da falta de reconhecimento de uma parte da própria cena hip hop.
“Muita gente tem dificuldade de conceber essa parada. Mas a verdade é que o rap sempre foi próximo do geek”, afirma o artista, citando, entre outros exemplos, o tema "Turtle Power", da série cult de desenhos animados “As Tartarugas Ninja”, criado pelo duo de hip hop Partners in Kryme. Curiosamente, na mesma série, outra canção (um rock) foi criada por outro nerd interessado em música: um então desconhecido Chuck Lore, que, anos depois, viria a ser o roteirista e produtor de ícones absolutos da cultura geek, como a série “The Big Bang Theory”.
Sobre mundo nerd, cultura hip hop, sonhos e projetos Lucas A.R.T. falou à UBC, num papo de 7 perguntas, há alguns dias.
O canal surgiu para comentar temas ligados ao rap e à cultura geek. Acabou explodindo ao misturar os dois em músicas próprias. Como foi o estalo que permitiu essa transformação tão bem-sucedida?
LUCAS A.R.T.: Eu queria muito dar certo no YouTube de algum jeito, via ali uma possibilidade de expressar as coisas de que eu gostava. Me liguei que a junção da música e da cultura geek fazia sentido. Essas culturas sempre andaram próximas. Mas o público tem dificuldade, às vezes, de entender. Sinto que as pessoas mantêm vários estereótipos sobre o que define alguém. E boa parte do trabalho que a gente faz é tentar demonstrar que uma coisa não exclui outra. Você pode imaginar um tipo de padrão sobre o que é nerd e geek, mas isso não existe: nerde pode curtir coisas muitos diferentes entre si, e surpreender. Todo artista teve pelo menos alguma referencia nerd.
Como foi, para você, começar a fazer beats sem experiência?
Sempre gostei de música. Não produzia, não compunha, mas tinha melodias e refrães meus. No início, instalei o (software) Mixcraft, que tem vários presets, e ia montando os instrumentais, experimentando. Fui entendendo as possibilidades e me soltando cada vez mais na composição. O estalo de me dedicar a isso só foi possível porque hoje em dia há muitas ferramentas que te ajudam a virar produtor e transformar tuas ideias em música.
O canal tem muitos comentários de usuários estrangeiros, e é fácil entender que um subgênero do rap não tão explorado chame mesmo a atenção de gente do mundo todo…
Com certeza chama. Além das conexões internacionais mais óbvias, Portugal, Angola, acontece muito de ter alcance com pessoas que conhecem o gênero lá fora, o nerdcore. Muitas pessoas reagindo a músicas nossas, americanos que são nossos fãs. Recentemente fizemos uma collab com o FabuL, um artista grande de nerdcore americano. O pessoal lá de fora ficou impressionado, e os fãs daqui ficaram muito felizes. Os americanos se surpreenderam quando descobrem que é nosso o maior canal do gênero no mundo.
Como o rap raiz reage?
É uma coisa meio mista. Muita gente não gosta, alguns fazem críticas pontuais e pertinentes ao conteúdo. Entendo as pessoas terem receio por acharem que poderia ser uma banalização do rap. O hip hop é um movimento para dar voz a pessoas marginalizadas, pessoas pretas lutando contra os muitos preconceitos que enfrentam. Quem ainda enxerga o rap assim pode se sentir até ofendido pelo nosso trabalho. Eu tive dificuldade de entender isso no início, ficava triste com as críticas. Hoje as vejo como algo natural. Não queremos desrespeitar ninguém. O rap não é mais a mesma coisa de quando ele nasceu. Todo gênero vai se adaptando. O sertanejo não é o mesmo, o pagode, o samba, o funk. As vertentes permitem que todos se comuniquem. Mas não são opiniões só negativas, não. Já vi artistas falando bem da gente, Jovem Dex, por exemplo, nem tem contato com a gente e falou bem. Já fizemos músicas com Rod, do (grupo) 3030, MC Sid, campeão de batalha de rima nacional, Pedro (Qualy), do Haikaiss. Temos som com DK47, que organiza o Favela Vive, e foi um cara que curtiu muito nosso conteúdo, muito gente boa, mostra as nossas músicas para os filhos dele… A gente está no nosso corre sem querer fazer mal a ninguém, muito pelo contrário. Acho que acabamos sendo também uma porta de entrada para geeks e nerds que não curtiam rap passarem a fazê-lo.
De qualquer maneira, além da maioria de canções ligadas ao mundo geek, vocês também compõem raps mais tradicionais, não?
Temos música de protesto, temos música sobre o nosso cotidiano. Temos o 7 Minutoz Records, nosso selo, em que lançamos músicas assim. Eu lancei um álbum em 2020 todo com faixas sobre maturidade, sobre virar uma pessoa adulta, e o quanto isso pode mexer com a cabeça. Um dos nossos últimos lançamentos é a faixa “Muralhas” (composta por Lucas e Gabriel, com produção de TRUNXKZ), que faz crítica às redes sociais e como elas envenenam a cabeça das pessoas. Eu diria que (rap tradicional) é uma coisa que a gente faz, costuma fazer e cada vez fará mais. As mensagens podem chegar à cabeça das pessoas de uma infinidade de maneiras. Tudo o que existe pra dizer já foi dito, o lance é a maneira como você diz.
VEJA MAIS: O clipe da canção 'Muralhas'
Que sensação te traz olhar para esses números tão grandes de alcance, esses marcos como tocar no Rock in Rio?
É surreal. Nem nos meus sonhos mais otimistas eu achei que conseguiríamos essas coisas. Me passa uma sensação de dever cumprido, que qualquer pessoa pode chegar lá, surfar a onda certa no momento certo. Não me acho nada genial. Qualquer pessoa poderia ter tido essa mesma ideia.
Dever cumprido, certamente. Mas você ainda deve ter sonhos altos, não?
A gente tem sempre que sonhar, e sonhar grande. Acho que, só uns anos atrás, se alguém falasse que a gente tocaria no Rock in Rio para milhares de pessoas, eu ia gargalhar. Uma das minhas muitas vontades é cantar com o Emicida, um artista completo. Acho um cara fora da curva, em termos de tudo: letras, lírica. Mas meu sonho mais distante, e que vou correr atrás para realizar, é ser nomeado a um Grammy, uma parada assim. Nem digo ganhar, que já seria… nossa… Mas (um prêmio como esse) é um grande reconhecimento. Agora estamos fazendo nossa primeira turnê da carreira. Fizemos várias apresentações em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre. A maior foi a abertura, em São Paulo, na (casa de shows) Audio, com três mil pessoas por noite. Foi gigante. Depois dessa experiência inacreditável no Rock in Rio, com todo esse alcance que tem, a gente se sente pronto para continuar a sonhar alto.
LEIA MAIS: Top 10 no streaming, festival, sucesso no interior: o rap toma o mainstream
LEIA MAIS: 300 casas de shows (com contatos) que abrigam a cena independente
LEIA MAIS: 14 programas de rádio para músicos independentes divulgarem seu trabalho. Tem de rap entre eles