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Música para crianças: ferramenta pedagógica num mercado bilionário
Publicado em 12/10/2024

Canções para os pequenos no Brasil se expandem para além do entretenimento, abraçando educação e inovação digital

Por Nathália Pandeló, do Rio

Partimpim, heterônimo da cantora e compositora Adriana Calcanhotto em seus projetos para crianças. Foto: Leo Aversa

A música feita para crianças sempre marcou gerações, navegando entre diferentes contextos culturais e educacionais. Desde o emblemático álbum “A Arca de Noé”, de Vinicius de Moraes, nos anos 70, passando pelos sucessos pop Xuxa e Balão Mágico, na década seguinte, até as produções mais recentes, como Mundo Bita e Palavra Cantada, ela tem um impacto que vai além do entretenimento. É também uma importante ferramenta pedagógica, com o potencial de ensinar, divertir e fortalecer os laços familiares. 

Apesar de seu impacto cultural, o segmento foi visto por anos como um nicho menor dentro da indústria musical, reflexo de uma sociedade que nem sempre valoriza plenamente as crianças. Algo que vem mudando aceleradamente, com festivais como Rock The Mountain (Petrópolis/RJ) criando espaços kids; artistas prestigiosos como Adriana Calcanhotto (Adriana Partimpim) e a banda Tuyo lançando discos para os pequenos; e a intensa proliferação de projetos que unem música e audiovisual para crianças na internet, como Mundo Bita, Palavra Cantada e Galinha Pintadinha. Só esta última já movimentou mais de R$ 3,5 bilhões no digital, nos shows e no licenciamento de produtos, segundo a revista Forbes, o que dá uma boa ideia do alcance multibilionário do mercado infantil como um todo.

O DESAFIO DE FAZER MÚSICA PARA AS CRIANÇAS

Fazer música para o público infantil não é uma tarefa simples. Diferente do que muitos possam imaginar, as crianças são consumidoras exigentes, com um alto crivo para seu entretenimento. 

Para o músico e criador do canal O Tubarão Martelo, Cláudio Fraga, entender os gostos dos pequenos é fundamental para produzir algo que dialogue com eles.

“A criança sabe o que quer. O desafio é criar músicas e arranjos que façam sentido para elas, sem subestimar sua inteligência. A estética precisa ser simples e lúdica, mas sem perder a autenticidade,” afirma Fraga. 

Ele ressalta que é necessário cuidado com a escolha dos arranjos e dos elementos sonoros:

“É fundamental que a música infantil tenha um ritmo e sons com os quais a criança se identifique. Não adianta fazer algo técnico ou rebuscado, porque o que prende a atenção delas são os detalhes lúdicos, que remetem ao imaginário infantil.”

O Tubarão Martelo e outros personagens da série durante um músical. Foto: Flávia Canavarro

COMO NASCEM OS PROJETOS

A história de origem para muitos dos trabalhos voltados para a musicalidade infantil é comum: a inspiração em geral vem após os próprios artistas se tornarem pais. No mundo quase monotemático da maternidade e paternidade, notam-se lacunas, surgem inspirações e, para quem já habita o universo paralelo dos adultos infiltrados na inventividade infantil, a música torna-se ferramenta de educação, conexão e, posteriormente, renda.

No caso d’O Tubarão Martelo, o que surgiu como uma atividade na escola dos filhos de Cláudio Fraga tornou-se seu principal trabalho. Atualmente, a empresa baseada em Belo Horizonte gera renda para cerca de 70 trabalhadores, entre profissionais de audiovisual e de produção dos shows.

“As pessoas assistem aos clipes, mas querem conhecer o Tubarão, daí surge o espetáculo e vários produtos. Agora temos o boneco Tubarão Martelo, o copo, o boné. As possibilidades comerciais aumentaram a partir da criação do personagem e do lançamento no canal no YouTube”, comenta o músico, que contou com a ajuda do produtor Carlos Magalhães (Sítio do Picapau Amarelo, TV Globinho, Criança Esperança) para levar o projeto do digital para o ao vivo.

A motivação pessoal também aparece em projetos como Pequeno Cidadão, criado por Taciana Barros (Gangue 90) e inicialmente formado por Edgard Scandurra (Ira!), Antonio Pinto (compositor de trilhas sonoras de “Central do Brasil”, “Cidade de Deus” e outros) e Arnaldo Antunes (Titãs) ao lado dos próprios filhos.

“A gente se encontrava na escolinha, nas festas de arte, para tocar juntos. E eu propus gravar um disco pra registrar a nossa amizade. Então, quando a gente lançou, não fazia ideia do mercado, não tinha esse pensamento, a gente não sabia nem se ia lançar o disco. Como ficou muito bacana, as crianças também se envolveram, resolvemos lançar um CD e fazer um show de lançamento. Na época ainda era o MySpace, e deu uma bombada muito grande. Então notei que o mercado está mais aberto pra esse tipo de som do que eu imaginava”, relembra Barros.

A trupe do Pequeno Cidadão: adultos e crianças misturados. Foto: Gustavo Moita

Além de entender o que as crianças querem, os artistas da música infantil precisam ter um profundo senso de responsabilidade. Adriana Calcanhotto, que volta ao seu heterônimo Adriana Partimpim 12 anos após o último disco e 20 anos depois do primeiro, menciona que é importante enxergar as crianças como seres complexos, com emoções variadas.

“As maiores concepções errôneas estão em achar que crianças são todas uma mesma coisa, que são todas iguais. É achar que crianças não sentem nada além de alegria, não têm angústia, tristeza, medo, raiva… E elas sentem isso de modos diferentes, porque são diversas. Também (existe) essa crença de que as crianças não são seres pensantes”, afirma a cantora. 

Por isso, em suas canções produzidas sob o heterônimo Partimpim, Calcanhotto propõe uma abordagem sofisticada, que respeita o intelecto do público infantil, desafiando o estigma de que a música para crianças deve ser simplória. Ela também mostra que não é necessário ter filhos para dialogar com as crianças. E prova isso com o mais recente álbum, “O Quarto”, lançado esta semana nas plataformas digitais.

EXPANSÃO SEM FIM

Embora o Brasil tenha uma longa tradição na produção de música para crianças, os últimos anos trouxeram um crescimento sem precedentes, impulsionado pela popularização das plataformas digitais e pela pandemia de Covid-19. O aumento da audiência de canais como Galinha Pintadinha, que registrou 23% de crescimento em 2020, é um reflexo desse movimento. Só naquele ano, os produtos licenciados da marca chegaram a movimentar R$ 1,5 bilhão – mesmo com os shoppings praticamente fechados.

Ao mesmo tempo, novos projetos vêm emergindo e consolidando suas marcas. O Pequeno Cidadão é um exemplo disso: ao longo de 15 anos, o grupo lançou três álbuns, livros, DVDs e até um programa de rádio voltado para o público infantil, sempre se adaptando às demandas das próprias crianças.

“Uma coisa que eu penso muito na hora de fazer as letras, e meus parceiros também, é nos dilemas do momento, porque em 15 anos muita coisa muda. Hoje em dia, o uso do celular se coloca como uma questão importante para as crianças. São novos desafios que vão aparecendo, então a gente tem que estar sempre com a anteninha ligada. Tudo que a gente vê pode virar uma forma de tentar traduzir para a criança, através da música”, explica Barros.

Além dos projetos já consolidados, a produção infantil brasileira continua a se expandir. Bandas e artistas como o Patinho Tuga, Turma do Cristãozinho, Hora do Blec, Universo Z e A Mãe Musical têm explorado esse segmento a partir de diversas regiões do Brasil, criando canções que misturam aprendizado, diversão e uma conexão emocional com o público infantil. Alguns deles, como o Blec, têm uma função a mais.

"Blec nasce da necessidade de termos desenhos mais diversos e alcança o coração de todos", descreve Yasmin Garcez, criadora e diretora desse projeto destinado a visibilizar e empoderar os personagens negros, e que estreia os clipes do álbum "Planeta Blec" neste 12 de outubro, no Netflix — no próximo 12 de novembro, os clipes do segundo álbum, em português e espanhol, também estarão na plataforma de streaming de vídeos.

Personagens da Hora do Blec: inclusão e empoderamento. Divulgação

O Patinho Tuga, canal infantil da Abóbora Produções, localizada em Petrolina (PE), é outro exemplo de como o mercado de música e audiovisual infantil continua a evoluir no Brasil. Com quase 250 mil inscritos no YouTube, o canal está há quase 10 anos no ar, sempre buscando atender às novas demandas criativas e comerciais. Ivan Alves, representante do projeto, explica que as mudanças no cenário digital exigiram inovação constante.

“Estamos sempre em busca de atender às necessidades do mercado. Buscamos de forma abrangente e objetiva explorar contextos visuais e de linguagem, musicalidade e marketing”, afirma.

Atualmente, o projeto conta com uma equipe formada por 12 pessoas no palco, além dos cinco sócios que coordenam a produtora. Segundo Ivan, um dos maiores desafios é a responsabilidade de criar conteúdos que moldam as primeiras visões de mundo das crianças.

“O lúdico precisa conter um universo de possibilidades para despertar as melhores evoluções emotivas e cognitivas”, diz ele.

Cena do Patinho Tuga. Divulgação

Os próximos passos do Patinho Tuga incluem a criação de novos hits, vídeos e uma interação cada vez mais próxima com o público, por meio de seus espetáculos ao vivo. E, como sabem os responsáveis de todos os projetos, os shows ao vivo são onde os dois mundos se fundem, sendo possível transpor para o palco o elemento mágico que as crianças só conheciam na tela. Cada uma reage de uma forma – mas sempre com muita espontaneidade.

"Ficamos todos eufóricos, as crianças e nós! (risos) É bom demais", diz Garcez, da Hora do Blec. "Elas sabem todas as músicas! Cantam muito, tiram fotos, tentam deixar os cabelos como os do Blec… É lindo."

Quem também tem uma recordação especial da interação com o público ao vivo é Calcanhotto:

“Num show grande da Partimpim em São Paulo, eu estava cantando ‘Fico Assim Sem Você’. Uma mãe, com o filho no colo e a chupeta na mão, foi se aproximando do palco. De repente, ele jogou a chupeta no palco, e eu fiquei preocupada, achando que ela não tivesse percebido. Quando a música terminou, ela fez um gesto, me mostrando que o menino estava se despedindo da chupeta. Foi um momento lindo, um dos mais marcantes.”

UM NICHO COM SEUS DESAFIOS

Um dos principais desafios desse nicho é equilibrar o conteúdo educativo com o entretenimento sem abrir mão da qualidade musical. Para os produtores, lidar com o consumo rápido e fragmentado de música também é uma questão delicada. Enquanto plataformas como o YouTube e o TikTok possibilitam uma enorme visibilidade, elas também exigem um conteúdo dinâmico, com um apelo visual que acompanha a música. 

Projetos como o Universo Z e Hora do Blec têm mostrado que a animação e a interatividade são essenciais para atrair a atenção das crianças nesses ambientes digitais. No caso d’O Tubarão Martelo, essa prioridade foi estabelecida já na gênese do projeto. 

“Eu abri o canal com apenas 10 vídeos, com a primeira temporada de Os Habitantes do Fundo do Mar. Acabei criando mais dez personagens e a segunda temporada para atender essa necessidade. Fomos o primeiro canal no Brasil a ter tantos conteúdos sobre animais marinhos musicais para a infância. Tudo foi feito com o conceito da informação agregada ao entretenimento. A criança se diverte e aprende”, analisa Cláudio Fraga, que conta com uma consultoria pedagógica para cada novo conteúdo desenvolvido.

 

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