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Indústria em movimento: como a corrida conquistou a música
Publicado em 04/11/2024

Executivos, produtores e empresários adeptos desse esporte contam por que ele está mudando um antigo lugar-comum do mercado

Por Nathália Pandeló, do Rio

Fotos de arquivo pessoal

Leila Oliveira, presidente da Warner Brasil, cruza a linha de chegada numa corrida

Um lugar-comum do universo da música sempre foi sua associação à noite, à boemia. Mas, nos últimos anos, um movimento silencioso vem ganhando força nos bastidores da indústria: a corrida de rua. De executivos a produtores, passando por empresários e gestores, cada vez mais profissionais do mercado musical brasileiro têm encontrado no esporte uma forma de equilibrar as demandas intensas do setor com um estilo de vida mais saudável.

Não se trata de uma descoberta do mundo da música, claro. A tendência é perceptível Brasil afora, independente da profissão. Números divulgados pela World Athletics e pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) em 2023 mostram que existem aproximadamente 4,5 milhões de corredores regulares no país. A prática aumentou significativamente após a pandemia — houve um crescimento de cerca de 25% entre 2020 e 2023.

Motivos para isso não faltam.

“Tem uma famosa frase sobre a corrida que diz que ela ‘não é terapia, mas é terapêutica’”, compartilha Camila Bahia, head de Esportes e Música Nacional da DC Set Group.

Esta frase resume bem o sentimento de muitos profissionais que encontraram nas pistas mais do que apenas exercício físico. A corrida se transformou em uma válvula de escape, um momento de conexão consigo mesmo e, ao mesmo tempo, uma forma de se desconectar das pressões diárias.

Um esporte para todos os ritmos

A democratização é um dos principais fatores que tornam a corrida tão atraente para os profissionais da música.

“A corrida é livre, é democrática. Aceita todo mundo, independente de raça, credo ou cor. É o esporte mais barato, basta um par de tênis”, complementa Camila Bahia.

Camila Bahia

Isabel Amorim, superintendente executiva do Ecad, reforça esse aspecto ao relacioná-lo com as particularidades da indústria musical.

“O profissional de música tem um dia a dia muito distinto de outros profissionais, com pouca ou nenhuma possibilidade de estabilidade ou rotina. É uma vida nômade para muitos. A corrida pode ser feita em qualquer lugar, não é um esporte coletivo que precisa de estrutura ou um lugar específico. Pelo contrário, correr pelo mundo é divino, é uma nova maneira de explorar uma cidade, um bairro, um país, um parque, montanha ou uma floresta”, pontua.

Esta flexibilidade foi comprovada na prática por Carlos Taran, produtor e empresário com nomes como Tiago Iorc, Jorge Drexler, Dado Villa Lobos e Titãs no currículo, durante uma recente turnê internacional. Mesmo com uma rotina muito noturna e vivendo entre avião, trem, van e carro, ele prioriza a atividade, buscando sempre descansar, não consumir álcool e se alimentar bem.

“Em setembro, fizemos turnê na Europa com Tiago Iorc. Foram 30 dias fora de casa, 15 shows em 8 países diferentes. Eu estabeleci a meta de correr pelo menos 15 vezes durante a tour. E consegui! Foi incrível correr por cidades como Paris, Bruxelas, Amsterdã, Madri, Londres, Lisboa, Porto e tantas outras”, comemora.

Endorfina e criatividade: Uma combinação poderosa

Os benefícios da corrida para o corpo e a mente estão mais que documentados pela ciência. Além de fortalecer o sistema cardiovascular e aumentar a densidade óssea, o exercício estimula a produção de neurotransmissores como serotonina e dopamina, conhecidos como "hormônios do bem-estar". Estudos publicados no Journal of Clinical Psychology mostram que 30 minutos de corrida, três vezes por semana, são suficientes para reduzir sintomas de ansiedade e estresse, além de melhorar a qualidade do sono - benefício particularmente valioso para quem trabalha em um mercado de horários irregulares.

Para Leila Oliveira, presidente da Warner Music Brasil, os benefícios vão além do físico.

“Correr, principalmente ao ar livre, traz essa sensação incrível de liberdade, e essa liberação de endorfina realmente nos deixa mais felizes. Ainda mais com a rotina intensa de trabalho que temos hoje, ter essa forma de liberar energia é fundamental”, salienta.

A executiva ainda ressalta como a prática pode impactar positivamente o trabalho.

“Tem dias que simplesmente relaxo e tento desligar, prestar atenção na respiração, nos movimentos. Mas tem dias que repasso assuntos mentalmente, que tenho ideias, e vira um momento real de insights”, enumera.

Isabel Amorim complementa essa perspectiva.

“O trabalho com música, cultura e entretenimento te obriga a estar conectado o tempo todo. Isto pode ser muito estressante. Apesar da alegria que a música traz para nossas vidas, não desligar pode ser muito perigoso para sua saúde. A corrida é um momento de desconectar. Apesar de ser um esporte, não deixa de ser uma meditação ativa, um momento que você está focado no seu ritmo, no lugar onde está, no caminho, nos sprints, nas subidas, nas pessoas à sua volta, em qualquer movimento que acontece enquanto está ao ar livre. Acho importantíssimo correr na rua, olhar o sol, as plantas, as casas, cada detalhe”, compartilha.

Isabel Amorim depois de sua participação numa maratona na Áustria

Um paralelo entre pistas e palcos

A relação entre corrida e música vai além do simples hábito de se exercitar. Para quem trabalha no setor, o esporte se tornou uma ferramenta valiosa de gestão de carreira e autoconhecimento.

“A corrida, como a prática esportiva no geral, tem resultados positivos no corpo mas também na mente, ajuda muito a clarear ideias, conceitos, ter ideias, pensar sobre determinados assuntos”, observa Carlos Taran.

Um ensinamento importante que vem da corrida de rua é a noção de ritmo – um conceito especialmente valioso para quem habita o mercado da música.

“Acho que há vários paralelos entre a corrida e os negócios de uma forma geral. Mas em relação ao negócio da música, o que a corrida pode ensinar é que o mais importante é saber controlar o ritmo. Uma carreira na música é uma maratona, e o importante é se manter na corrida até a linha de chegada, e não disparar na frente e ‘quebrar’ no km 10”, analisa Diogo Pires Gonçalves, empresário e produtor da Rinoceronte Entretenimento.

Diogo Pires Gonçalves

Embora o esporte tenha se tornado uma forma de desconexão do trabalho, a música, naturalmente, é companheira inseparável.

“Acho que música e a corrida estão intimamente ligadas, eu não me vejo fazendo minhas rodagens sem meus fones. A música estimula, dá uma colorida na paisagem e, muitas vezes, tira o foco daquela dorzinha ou aquela respiração ofegante e traz um estado mais meditativo, o famoso flow (fluxo) que a corrida às vezes dá”, diz Diogo.

O potencial do combo música e corrida não passou despercebido. As já tradicionais edições da Rolling Stone Music & Run, corrida que acontece em São Paulo, são promovidas pela publicação brasileira com direito a show e as opções de correr 5 ou 10 quilômetros, além das caminhadas de 3 km. Já Zélia Duncan, cantora e maratonista, realizou em agosto a beneficente Corra Por Uma Causa. No último domingo (03/11), a Maratona da Alegria, no Rio de Janeiro, acabou em pagode na Apoteose, com shows de Zeca Pagodinho, Thiaguinho, Ferrugem, Ludmilla e mais. E em fevereiro de 2025, já tem mais: a The Music Night Run terá after com CPM22.

O crescimento desse movimento tem chamado a atenção da indústria. Camila Bahia observa que “os eventos esportivos já fazem, há algum tempo, a junção da música com o esporte. São inúmeros exemplos que podemos citar de grandes eventos embalados por shows e espetáculos musicais. O inverso precisava começar a acontecer com mais frequência, principalmente no Brasil”, analisa. 

Isabel Amorim sugere ações práticas que vão além da combinação já conhecida de corridas de rua com shows.

“O mercado pode e deve mostrar a importância do exercício para cada um. De maneira prática as empresas podem incentivar com programas de esporte, parcerias com treinadores de corrida, podem ter chuveiros em seus escritórios, locais para bicicleta, enfim, uma estrutura mínima para atender seus colaboradores, além do incentivo em todos os níveis hierárquicos”, pontua.

O futuro dessa conexão

O potencial da união entre música e corrida já é reconhecido pelas principais plataformas de streaming. No Spotify, playlists especializadas para corredores acumulam números impressionantes: a Rock 'n' Run, gerada por inteligência artificial para cada usuário com suas seleções de rock energético em BPMs ideais para corrida, já ultrapassa 618 mil seguidores. Já a editorial Corra Numa Boa, que ajusta diferentes gêneros musicais ao ritmo dos corredores, mantém uma base fiel de mais de meio milhão de ouvintes. São números que demonstram como o streaming tem sido bem-sucedido em criar seleções musicais que atendem às necessidades específicas dos praticantes do esporte, usando algoritmos que consideram não apenas o gosto musical, mas também o ritmo ideal para cada tipo de treino.

Não é à toa que esses dois universos já estão mais que conectados, com a corrida conquistando cada vez mais adeptos. A mudança de mentalidade não fica apenas nos bastidores, claro. Os artistas são praticantes de corrida para manterem o fôlego também nos palcos.

“Outro dia escutei Seu Jorge dizendo que vai para os locais de show correndo. Tenho amigos empresários e produtores que chegam a uma cidade e, antes mesmo de iniciar os trabalhos, recorrem a tênis no pé e suor para endorfinar”, conta Camila Bahia, ilustrando como essa tendência só cresce.

Para além do bem-estar individual, a conexão entre música e corrida representa uma oportunidade de mercado.

“Do ponto de vista comercial, esporte e música, hoje, já disputam as mesmas marcas. Uma junção de segmentos fortaleceria as campanhas e o mercado como um todo. Uma combinação natural, que só tem a ganhar!”, conclui Camila.

Playlist especial: As músicas que movem a indústria

A diversidade musical dos entrevistados reflete a própria pluralidade da indústria. Enquanto Leila Oliveira mantém o pique com hits como "Physical" de Dua Lipa e "2 Be Loved" de Lizzo, Camila Bahia, ultramaratonista de montanha, prefere sons mais contemplativos como Kings of Convenience e Norah Jones. Isabel Amorim é fã de samba e da diversidade musical brasileira, enquanto Diogo mantém uma playlist especial dos anos 80 para suas corridas. Por fim, Carlos Taran se move em 170 BPM com faixas indie e alternativas aceleradas.

 

Leila Oliveira

Sky Full of Stars - Coldplay

Castle on the Hill - Ed Sheeran

Locked out of Heaven - Bruno Mars

Physical - Due Lipa

2 Be Loved - Lizzo

 

Camila Bahia

Misread - Kings of Convenience

Lanterna dos Afogados - Paralamas do Sucesso

Don't Know Why - Norah Jones

Crash into Me - Dave Matthews Band

A Língua dos Animais - Marisa Monte

 

Isabel Amorim

Playlist variada de samba e músicas brasileiras

 

Diogo Pires Gonçalves

Holiday - Madonna

Tainted Love - Soft Cell

Broken Wings - Mr. Mister

Do You Really Want to Hurt Me - Culture Club

Save a Prayer - Duran Duran

 

Carlos Taran

Vampire Weekend - This Life

MIA - Paper Planes

Metronomy - The Look

Beastie Boys - Sabotage

Matt and Kim - Cameras

 

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