Ele conta à UBC como foi a produção do seu 1º álbum como intérprete e do documentário sobre sua imersão no afrobeat em Senegal e Gâmbia
Por Alessandro Soler
Fotos de arquivo pessoal
Era para ser uma viagem de gravação do seu primeiro disco como intérprete, depois de anos de dúvidas e insegurança sobre esse passo tão importante. Virou uma jornada de transformação por dois países de um continente cuja música contemporânea foi entrando de mansinho em sua vida. E agora o produtor musical, criador de trilhas sonoras, compositor e — finalmente — cantor paulistano Renato Parmi quer mostrar ao mundo o resultado dessa aventura.
Enquanto negocia a exibição, em plataformas ou canais de TV, do documentário “Afrozil”, ele relembra à UBC como foram aqueles 25 dias entre Senegal e Gâmbia, guiado por grandes músicos locais, criando pontes entre experiências musicais tão diferentes.
“Eu tinha meu estúdio em São Paulo, produzia trilhas para a TV, para telejornais, programas de aventura, de investigação. E queria mudar, fazer algo que tivesse um significado maior. Como vinha trabalhando cada vez mais com artistas africanos radicados no Brasil, e também com artistas africanos em visita ao Brasil, comecei a pensar na ideia de ir pra África e gravar lá meu primeiro disco como intérprete”, lembra Parmi, que, na fase do seu estúdio, produziu para os angolanos do TropeirÁfrica, radicados no Rio, e também para o duo Dois Africanos, finalistas do talent show SuperStar, da Globo.
Ainda no Brasil, conforme ia estabelecendo conexões com mais artistas do continente, acabou sendo apresentado ao rapper, compositor e produtor Anas Juulo, do Senegal. Um dia, em 2022, surgiu a ideia de ir visitá-lo para fazer uma imersão com artistas locais e, dali, quem sabe?, tirar algo para seu primeiro disco. Movido pelo desejo de um propósito, não pensou muito, reservou passagens para Dacar, hotel — tudo com financiamento próprio — e se lançou.
Com Anas Juulo na ilha de Goreia, perto de Dacar: um símbolo do tráfico de pessoas escravizadas da África para a América
O roteiro ficou meio em aberto; os artistas parceiros ele foi conhecendo pelo caminho; e até uma inesperada viagem à Gâmbia, sem ter sequer o visto exigido aos brasileiros, surgiu durante a estada em Dacar.
“A ideia de ir gravando imagens durante o processo tinha como propósito original um making of do disco. Acabou virando quase que o projeto principal, o documentário”, descreve Parmi, que é branco e admite que, antes dos trabalhos de produção com artistas africanos, não tinha com o continente uma vinculação maior do que a média de qualquer brasileiro, cuja cultura sempre perpassará a ancestralidade negra de diversas maneiras.
Criado em contato próximo com os projetos sociais da Legião da Boa Vontade, em São Paulo, onde a mãe era colaboradora da área social, o artista diz ter sido impactado desde pequeno por pessoas de diferentes religiões, classes, cores:
“Percebi nessa viagem que eu nunca prestei atenção na cor da pele de uma pessoa, de verdade. Só percebi que eu era o único branco entre os caras, durante meus dias lá na África, quando aconteciam situações engraçadas, como um dia em que os meninos de um vilarejo se aglomeraram na janela para me ver dormindo; ou quando recebia olhares curiosos das pessoas. Sempre me preocupei com questões raciais, embora eu não sofra com o racismo estrutural do Brasil. Antes, esse tema era mais velado, mas hoje sabemos que nosso país é profundamente racista”, diz Parmi, que tem no currículo produções para artistas como Leandro Lehart (do grupo de pagode Art Popular) e Luisa Mell. “Eu queria poder falar dessas coisas, conhecer melhor a realidade do outro, o universo do outro. Essa é sempre a melhor maneira de superar preconceitos e desconfianças.”
Guiado por Juulo, conheceu, compôs e gravou com artistas do Senegal e da Gâmbia como Lion King, Xuman, Layadeh, One Pac, Zion Pro e vários outros, tendo ainda a participação da cantora e compositora sul-mato-grossense Marina Peralta numa das faixas do disco, também chamado de “Afrozil” e recém-lançado no streaming.
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Para ele, a ponte que estabeleceu é de mão dupla. Enquanto absorvia a torrente de criatividade e potência da nova cena afrobeat africana, o paulistano percebeu que o funk e, de uma forma mais difusa, a MPB também têm influência no que se cria por lá.
“Escuta-se funk. Nos estúdios, vi os caras baixando packs, timbres, vozes, pra misturar a música deles com funk. Cantados em uolofe, em francês, até em línguas da índia eu cheguei a escutar. E uma coisa que percebi que também é uma ponte, pela influência enorme que ainda tem, são as novelas brasileiras, também com suas trilhas sonoras. Ajudaram a construir por lá a imagem de um país multiétnico, sem preconceito e feliz. Acho que continuam a acreditar que o Brasil é assim. São muito, muito receptivos à gente. Sem falar que amam o futebol, o Senegal está tendo destaque no futebol, e o Brasil tem a fama de ser dos melhores. Tem uma magia que nos aproxima.”
Entre todas essas descobertas que pôde fazer na viagem, em 2022, e o lançamento este ano, a vida de Parmi sofreu um giro. Com a mulher, Ana, e os filhos, deixou o Brasil e se instalou em Portugal:
“Eu só queria sair da confusão de São Paulo. Pra mim, ia me mudar pra Florianópolis, ficar numa praia. Talvez fosse o destino que eu gostaria, mas nessa coisa de procurar lugar, saiu minha cidadania italiana. Eu já tinha morado em Londres com a Ana, e ela tinha vontade de dar essa experiência aos nosso filhos. Tomamos uma decisão rápida e viemos pra cá.”
Com Zion Pro, entre gravações na Gâmbia
E, assim, o criador com 20 anos de experiência produzindo para TV, assentado em São Paulo, com estúdio e uma vida fixa se pôs em movimento. Antes pensando em deixar a música e buscar outros projetos, agora sabe que quer permanecer vinculado à arte.
“Quero fazer o ‘Afrozil Angola’. Estive na RTP (a emissora pública portuguesa) dando entrevista, e estava lá o presidente de uma associação de comércio angolana, estabeleci um contato. Vou buscar patrocínio para levar o projeto a outros países. Quem sabe o Marrocos, o Egito… Os marroquinos dizem que o jazz vem de lá, as possibilidades de fazer pontes com o Brasil são muito ricas também. Do Egito eu vi que vêm vários plays do meu single. Eles curtem reggae, tem Shazams de músicas minhas feitas por lá… Descobri um motivo artístico para mim, já não quero abandonar minha área. Mas ser independente é difícil, preciso encontrar maneiras de financiar essas ideias”, avalia.
O próximo passo imediato é o lançamento do clipe da canção “Girl From Rio”, que tem feat de Xuman e foi gravado no Senegal:
“Fico feliz demais com a repercussão que o 'Afrozil' está tendo por lá. Quem assistiu ao documentário ficou tocado. Foi muito legal ter começado esse projeto no Senegal. Falo deles, de racismo, de escravidão, de coisas importantes. Para mim, foi um teste de fogo. Eles comentam que se sentem emocionados. Me sinto orgulhoso de poder falar da história deles e falar direito; de falar de temas religiosos deles e falar direito. Acho que é isso, essa é a maior recompensa.”
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