Compositor de megassucessos de Gloria Groove e Ludmilla, o carioca fala à UBC sobre criação, referências e letramento racial
Por Alessandro Soler
Quem está vivo e escutou músicas no streaming, no rádio ou na TV nos últimos meses já percebeu: o pagode está bombando de novo. A recente chegada do Menos É Mais ao top 1 do Spotify, primeiro feito do tipo para um grupo de pagode na história, é só a cereja do bolo. Mas é nos consistentes lançamentos pagodeiros de intérpretes como Ludmilla, Gloria Groove e Thiaguinho, entre muitos outros, que fica claro esse novo bom momento do gênero. E o cantor, compositor e músico carioca Lukinhas pode se gabar, sem medo, de ser um importante corresponsável por essa onda forte.
Além da sua carreira como intérprete e dos hits alcançados com seu álbum “Pagode Urbano”, que lhe fazem se aproximar de 1,5 milhão de ouvintes mensais no Spotify, ele é o compositor ou cocompositor de faixas estouradas de Gloria ("A Queda") e Lud ("Sintomas de Prazer"). Em sua outra faceta, militando no R&B e no hip hop, cocriou com Rashid e Emicida o single “Pipa Voada”, de 2020, que já passou de 150 milhões de execuções nas plataformas, e participou da criação do megassucesso "Fé", de Iza.
“Nem tão mal para quem não tinha autoconfiança nenhuma, mano”, ri, tímido, o artista nascido e criado na comunidade de Asa Branca, em Curicica, Zona Oeste carioca.
Neste papo com a UBC, Lukinhas fala de conquistas, do seu processo criativo, do momento do pagode e de seu maior sonho: ser indicado a um Grammy.
UBC: Os projetos de sucesso da Gloria, da Lud e do Menos É Mais falam por si. O que está acontecendo com o pagode? É mesmo uma nova onda?
LUKINHAS: Com certeza. É uma coisa cíclica, né? Teve momentos em que o pagode esteve lá em cima, em outros um pouco em baixa. Mas sou do agora. Pelo que observo, está forte, e se beneficia muito da internet, das redes, há uma procura muito grande do gênero por uma galera mais jovem que não conheceu a onda dos anos 90. O pagode se tornou financeiramente interessante também, o que, claro, atrai muita gente. Sim, está rolando uma cena forte de novo.
Você sempre compôs pro gênero? É o seu favorito? Porque você também esse lado R&B…
Eu gosto de música. O R&B me pegou primeiro. E o pagode entrou (na minha vida) quando tinha essa pegada mais R&B, com Thiaguinho, Rodriguinho… Essa mistura me pegou e comecei a me interessar. A primeira música que eu escrevi profissionalmente foi um pop com o Thiago Pantaleão. O Pablo Bispo, compositor oficial dele, e que também faz a Gloria, a Pabllo Vittar, todo mundo, me pediu pra escrever música pro Thiago. Eu não tinha confiança. O Pablo foi me passando bizus: o caminho do refrão, dos tempos do pop. A primeira, “Te Deixo Crazy”, já foi pro Viral 50, com Thiago e Danny Bond. Ai eu disse pra mim mesmo: acho que dá certo.
O sertanejo também está entre os seus gostos?
Eu tenho vários amigos, mano, de Goiânia. São compositores, estão lá todo dia. Rafa Lucas, moleque que já foi top 1 umas 70 vezes… E todos eles falam o mesmo: ‘você é bom, mas quer ganhar dinheiro? Vem pra cá (pro sertanejo)’. Acho que é uma questão mais de tempo. Estou fazendo as coisas da GG (Gloria Groove), da Lud. Se eu for pra lá, vou fazer dinheiro. Mas gosto de manter minhas relações atuais. E, se eu for pra lá, não vou dar atenção suficiente aqui. Mas tenho sertanejinhos escritos com essa galera. Em 2022 a gente escreveu vários. Ainda não lançados. Se precisar (de grana), se apertar, eu vou… (risos).
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Quais são as suas referências musicais? Jogar nas 11 dá pra ver que você joga. Mas quem realmente te influenciou?
As referências de hoje são Seu Jorge, Mumuzinho. E tive a oportunidade de falar isso pra ele (Mumuzinho). Disse que queria ser parecido com ele. Hoje estamos fazendo som juntos, indicados a prêmios… Como referências de sempre, o Usher. E as coisas que meu pai me deixava ouvir em casa, que passavam no ‘controle de qualidade’ dele (risos). Um controle de qualidade que tinha um pouco de religioso, meu pai é evangélico, mas também de qualidade musical mesmo. Então, era Stevie Wonder, Ray Charles, Baby Face…
Sempre galera preta.
Sempre galera preta. Bom, nem sempre. Estudei num colégio ao lado de um condomínio da Barra (da Tijuca, bairro de classe média-alta do Rio). Então, convivi quase que só com brancos na infância. E o meu primeiro envolvimento com música, no colégio, foi por causa das garotas. Eu queria ser notado. Eu era o preterido, sobretudo pela cor da minha pele. Eu não tinha internet na época pra buscar minhas próprias referências, pra fazer descobertas. Então, me baseava muito nas referências daquele tempo, da galera branca, era o que passava na TV: Restart, Cine, essas bandas eram o que bombava. Como eu não tinha dinheiro pra comprar calça colorida, precisava arrumar outra forma de aparecer (risos). Aí levava violão pra pracinha do colégio, na hora do intervalo, tocava, e a rodinha se centralizava em mim.
Aos poucos, foi acontecendo meu letramento racial. E ele veio um pouco através do R&B. Um dia um colega levou um compilado de vídeos pra escola e mostrou. Surgiu o Usher, já de cara, com aquele cordãozão de ouro, montadão, cantando pra caramba, todo mundo em volta dele. Um cara parecido comigo conquistando tudo o que ele conquistou. Foi surreal o que eu senti. Aí fui descobrindo Chris Brown, Ne-Yo… Foi um alívio mesmo.
Como é seu processo de composição típico? É mais solo? Mais com parcerias?
Varia bastante. Eu tento não me prender a métodos. Não penso numa fórmula. Como moro sozinho, sempre as ideias vêm sozinhas. As vezes surge um refrão, uma frase solta, coisas aleatórias. Na maioria das vezes começo pela melodia, mas às vezes pela letra. Na metade do caminho, paro, penso em chamar um amigo ou ligar pra Gloria ou a Ludmilla, hoje tenho essa abertura, pra já ir oferecendo a elas… Às vezes, num papo, surge uma frase boa, e parte daí. Acontece muito de surgir algo (conversando) com a Pabllo. Tento fugir daquela formalidade de ‘vamos sentar agora e escrever uma música’.
Num songcamp é assim, sentar e escrever. Já participou de algum?
Já, de muitos, mas não gosto muito. Vamos supor que vou fazer um camp pra mim, como intérprete. Aí maneiro, escolho as pessoas. Mas no camp do outro, às vezes, vêm pessoas aleatórias. É maneiro dar oportunidade, porque eu tive oportunidades, porém nem sempre são pessoas de boa índole. Já tive problema no pós, não durante, quando todo mundo é amigo. Mas, depois que a música lança, já tive problemas. Evito bastante. Agora, tem camps e camps. Participei de um agora porque era da GG, que já me salvou em alguns momentos. Foram 3 dias, fiquei num grupo de amigos, galera conhecida, então acho que talvez não dê problema no futuro.
Você curte mais fazer música pra outros intérpretes ou pra si mesmo?
Agora eu tenho curtido fazer mais pra mim, tô nessa maldade (risos). Tenho pegado mais pra mim. Mas, como falei, também rola muito de escrever e já pensar em outra pessoa, na intérprete perfeita para aquela obra.
Qual é o teu maior sonho como intérprete?
No longo prazo, quero ser indicado ao Grammy. O Grammão americano mesmo (risos). E nem é só por mim, mano. Tenho a bandeira forte na minha comunidade de mostrar pra eles que é possível. Mostrar que tô bem pra eles, como exemplo. Não sou de ostentar nada, sou reservado, mas quero ser referência. Aí, mano, eu faço arte. Se eu conseguir ser indicado ao Grammy, chancela o discurso que eu passo pra eles: 'em 2014, eu fazia barzinho, agora (estou) aqui no Grammy.' Acho que os grandes prêmios ainda continuam a ter esse valor, de uma chancela muito forte. Tu podes estar ali com música estourada, estourar amanhã, mas, ao mesmo tempo, alguém vem “ah, está famoso pela internet, não é bom o suficiente”. Agora, ganhando um Grammy não dá pra dizer que não sou bom.
E como compositor?
Bastante gente já me gravou, graças a Deus. Mas ainda quero ter uma música minha cantada pelo Péricles. E outra pelo Seu Jorge. Ia falar do Usher, mas ele já parou de lançar… Ah, quer saber, também pelo Usher (risos), por que não?
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