Advogado especialista em direito autoral analisa o que há realmente por trás do embate das plataformas digitais com o STF
Por Sydney Sanches, do Rio*
Publicado originalmente no jornal O Globo
Por que o caloroso embate entre o STF e as plataformas digitais? Há uma resposta: regulamentação. No planeta, plataformas digitais resistem à regulamentação e arregimentam pesados mecanismos de lobby para impedir a discussão do seu papel e não se submeterem a nenhuma norma alinhada à responsabilidade e à transparência.
O modelo de interação social mudou, e as plataformas, organizadas globalmente, respondem pelo novo espaço público, que necessita ser transparente e regulado, sob pena de sucumbirmos às algorítmicas, que impulsionam aquilo que melhor monetiza.
No Brasil, o bloqueio às ações regulatórias é constante. A ausência do dever de cuidado e a falta de neutralidade das plataformas sobre o que distribuem agravam o cenário e ativam o Judiciário, que luta por um espaço público hígido.
O descaso das plataformas com a desinformação contribui para impulsionar a desordem digital e revela a deslealdade concorrencial com o jornalismo, submetido a um ambiente regulatório denso para a circulação da informação.
A era da inimputabilidade das plataformas está encerrada, e os legisladores precisam se convencer, a fim de alinhar o país à conexão global voltada a salvar os princípios civilizatórios fundamentais à sobrevivência e ao convívio social da raça humana. A comunidade internacional se movimenta à regulamentação, e a Europa tem sido exemplo de que regulamentar não elide a inovação ou inibe a liberdade de expressão.
No Brasil, estamos perdendo o bonde da história. Toda iniciativa legislativa destinada a criar um modelo regulatório é bloqueada, e os projetos de lei não avançam, bastando citar o PL 2630, esquecido na Câmara por determinação política, em linha com os interesses das big techs. Uma perda de oportunidade, que serviria também para debelar ataques à democracia e combater as fake news. Também há riscos em relação ao PL 2338, que regula a IA, cujo andamento emperrou no Senado e enfrenta a resistência das plataformas, o que poderá nos legar um mundo sombrio e agravar as perdas significativas de milhares de criadores e produtores, cujas obras e produções são utilizadas para o desenvolvimento da IA.
Na falta de vontade política, o Judiciário avança na interpretação e aplicação das normas. O TSE nas últimas eleições regulou o uso da IA, paródias, deepfakes, e fixou limites ao impulsionamento político nas redes sociais. O STF busca impedir o uso das redes sociais para atos antidemocráticos, postagens intolerantes, discursos de ódio e ataques ao Estado de Direito. Ainda vem discutindo os limites do Marco Civil da Internet, em especial o seu artigo 19, e tende a firmar entendimento voltado à responsabilização das plataformas, que poderá oferecer ao Congresso confortável ambiente para regulamentação.
O STF tem sido rigoroso. A manipulação da liberdade de expressão e o uso das plataformas contra o Estado de Direito precisam ser energicamente coibidos, pois violam a Constituição. Com a IA isso vai se agravar.
O Congresso precisa regulamentar o ambiente digital, caso contrário o Judiciário continuará atuante e não irá transigir, pois a nossa soberania constitucional não ficará sujeita aos grupos interessados exclusivamente em ampliar seguidores e monetizações.
Sydney Sanches
*Sydney Sanches é presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e consultor jurídico da UBC
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