No artigo de Bruna Campos, representante da UBC no Mato Grosso do Sul, entenda a importância do ISRC e desmistifique orientações equivocadas que podem prejudicar artistas e suas receitas
Por Bruna Campos, representante da UBC no Mato Grosso do Sul
“Eu recomendo vocês (a) não fazerem ISRC, não faz parte dessa m*rd@, não posta no Spotify, f@d#-s$! Posta as partes da sua música no Instagram, no Facebook, em todos os lugares: ela não tem ISRC… ‘tá’ livre pra você postar onde você quiser...”
Essa declaração foi dada pelo Lisciel Franco, produtor musical e influenciador, em seu canal do Youtube. Ele é muito respeitado pela sua audiência, com muitos anos de experiência no mercado da música e, assistindo ao vídeo completo, eu percebo que, como muitos de nós, o Lisciel está sentindo a exaustão de trabalhar muito em um mercado que rende cada vez menos. Mas continuamos aqui na luta, né? (Sempre) esclarecendo (as questões) com muito respeito.
O que me preocupou muito nesse vídeo foi o título “Não façam ISRC pra sua música!”. Eu poderia te dizer que o título é um clickbait, mas não é. Lisciel Franco acredita mesmo que não fazer o ISRC dará mais autonomia para ele na internet, possibilitando que ele poste sua música onde quiser, sem restrições.
Eu poderia dizer que todo mundo tem o direito de não fazer seu ISRC, não fosse um único detalhe: o ISRC não diz respeito a apenas os seus direitos. Fazer o ISRC passa a ser obrigatório quando a gravação inclui a participação de outros titulares nos arranjos, vocais e instrumentos. Você não pode simplesmente decidir não fazer o ISRC para ter liberdade total com a gravação, como repostar, remixar ou qualquer outra alteração. Isso porque o ISRC é uma documentação que atribui a propriedade do fonograma, define a responsabilidade pelas informações registradas e garante os direitos da parte autoral, que, em muitos casos, não pertence ao produtor fonográfico nem ao artista.
Nenhuma gravadora ou artista independente pode simplesmente decidir se faz ou não o ISRC; fazer o ISRC é uma obrigação legal. Existe alguma exceção? Sim. Se você for a gravadora, o artista, o arranjador e o músico, ou seja, o titular de todos os direitos, pode optar por dizer: “não quero receber nada”.
Um ponto muito importante sobre o ISRC é que ele não surgiu com o digital. Na verdade, ele tem uma função ainda mais relevante fora do ambiente digital: remunerar artistas e músicos quando a gravação é executada em shows, bares, restaurantes, rádios, TVs, entre outros. A impressão que tenho é que os artistas foram tão pressionados a focar na parte digital que acabaram esquecendo completamente de outras fontes de receita, dedicando-se exclusivamente ao digital.
E aí está a resposta para o grande problema atual: os artistas não ganham mais dinheiro. Há cerca de uma década, muitos abandonaram todas as outras fontes de receita. Não cantam repertório autoral porque os donos das casas de show não permitem; também não trabalham para engajar sua base de fãs, o que ajudaria a superar essas limitações impostas pelos contratantes. Afinal, se o público pede uma música autoral no show, pouco importa a opinião do dono da casa, você vai atender o seu público!
Além disso, não investem em produtos físicos, como CDs, camisetas ou qualquer outro item, como era comum antigamente. Antes do digital, não era assim que se fazia? Parece que agora só existem o Spotify e o cachê do bar. Então, será que a culpa é mesmo das plataformas digitais ou é dos próprios artistas, que deixaram de explorar outras fontes de receita?
O começo do ano é uma época de planejamento. O digital não está pagando as contas? Sente-se e liste no papel todas as possibilidades de receita. Os mais jovens, que cresceram na era digital, podem encontrar mais dificuldade em fazer esse levantamento. É aí que os artistas de longa data têm uma vantagem: por terem vindo do analógico, conseguem identificar com mais facilidade formas de aumentar a receita.
E não se intimide em considerar a possibilidade de prensar CDs ou produzir vinis. Muitos artistas ao redor do mundo estão retomando essas práticas, e você não será uma exceção. Segundo dados da CISAC, houve um aumento na produção de vinis em 2024. Trata-se de um produto de colecionador, que pode ser direcionado aos fãs mais apaixonados e vendido com um ticket mais alto. Use a criatividade e coloque a cabeça para pensar.
Voltando à orientação de “não fazer o ISRC” em nome da liberdade de postar seu fonograma onde quiser, é importante entender que deixar de fazer o ISRC não mudará nada na sua vida. Além de ser uma atitude ilegal, não é o ISRC que está restringindo seus áudios ou fazendo com que sejam reivindicados ou bloqueados. O que realmente impede o uso dos seus áudios é o contrato que você assinou com a sua agregadora.
O que impede você de ditar as regras sobre o seu áudio na internet é a exclusividade que você concedeu à agregadora para comercializar sua música. Isso não tem nenhuma relação com o ISRC. Para a agregadora, tanto faz se você faz ou não o ISRC, já que esse campo nem é obrigatório. Se você não o preencher, a própria agregadora atribui um código, muitas vezes vindo do Panamá.
Ao fazer o upload do seu áudio para as plataformas através da agregadora, ela informa a todas as plataformas que possui exclusividade na distribuição desse áudio. Isso significa que qualquer pessoa que reutilizá-lo, incluindo você, será notificada. E tudo isso em troca de um percentual, que na maioria das vezes é de 30% do que você arrecada, além do valor cobrado para subir a faixa, que muitas agregadoras passaram a cobrar atualmente.
Como subir essa faixa sem a agregadora no meio do caminho? Pois é… ainda temos muitas questões a resolver antes de orientar alguém a não fazer o ISRC como forma de conquistar liberdade na internet.
Vale a pena abrir mão dos valores de execução pública? Sinto muito, mas na pandemia, quando ninguém podia sair de casa, os ISRCs registrados na base do ECAD foram fundamentais para salvar a vida de muitos artistas. Falo isso com conhecimento de causa, pois vi de perto a dificuldade de liberar valores retidos de músicos por falta de ISRC.
Fazer o ISRC não é uma escolha; é uma obrigação do produtor fonográfico. Não se deixem levar por orientações sem respaldo jurídico.
LEIA MAIS: ISRC: quem pode gerar o código identificador musical?