Saiba como surgiu a música original que vem emocionando as plateias do elogiado longa ‘Câncer com Ascendente em Virgem’
Por Chris Fuscaldo, do Rio
Preta durante a gravação do clipe de 'Tudo Vai Passar'. Divulgação
“Eu mantenho a minha fé através do amor que tenho pela vida. A vontade de viver, a vontade de ver minha neta crescer, de realizar muitas coisas, é um valor... é um amor que tenho pela vida. Eu valorizo muito a minha existência. Tudo isso mantém minha fé e vai renovando a minha fé, que é o amor pela vida.”
A frase acima foi proferida por Preta Gil em um dos intervalos da gravação de “Tudo Vai Passar”, música tema de “Câncer Com Ascendente em Virgem”, longa-metragem dirigido por Rosane Svartman e estrelado por Suzana Pires, Marieta Severo e Nathália Costa, que chegou aos cinemas no mês da mulher. Um filme que aborda um tema feminino – o câncer de mama – com uma equipe formada basicamente por mulheres só poderia ter sua trilha sonora também criada por uma compositora. E a pessoa convidada para essa empreitada foi Flavia Tygel, que também é arranjadora, pianista e produtora musical.
Flavia compôs e arranjou mais de 60 entradas musicais para o filme, entre músicas incidentais, sambas clássicos que tinham tudo a ver com o enredo e, em meio a tudo isso, uma canção que acabou virando o tema do filme, ganhando a interpretação luxuosa de Preta Gil.
“O filme é inspirado na história da vida da produtora Clélia Bessa, que teve um câncer de mama. Por isso ela queria reunir um time de mulheres. A diretora Rosane Svartman me fez o convite, e eu fiquei superfeliz, porque esse mercado das trilhas para cinema ainda é muito masculino. Quando contei a elas que tinha feito uma canção, ‘Tudo Vai Passar’, na hora veio o nome da Preta Gil na nossa conversa. Só podia ser ela a cantar, porque naquele momento tínhamos a notícia da cura, e ela é uma luz em pessoa”, conta Flavia Tygel.
MENSAGEM DE ESPERANÇA
Preta Gil tinha acabado de receber alta após uma longa batalha contra o câncer – no caso dela, começou no intestino –, mas aceitou na hora. Além de emprestar uma voz doce para o acalanto criado por Flavia, a cantora ainda registrou a versão mais animada da faixa, um afoxé que foi parar no final do filme, tocando enquanto os créditos sobem, e nas plataformas digitais.
“Fiquei muito tocada com a proposta, especialmente por saber que a música carrega uma mensagem de resiliência e esperança, temas que estavam, ou melhor, estão muito presentes na minha vida. Quando conheci a história do filme, senti uma conexão imediata. Ter passado por uma experiência semelhante me permitiu compreender a fundo as emoções e os desafios retratados. Isso tornou minha participação ainda mais significativa, porque pude contribuir com minha vivência para dar voz à mensagem de esperança que o filme transmite”, diz Preta.
A versão mais pop da música teve a participação, na produção, da Paula Azzam:
“Eu começo a compor no piano. E essa música foi criada para uma cena linda, que é o momento em que a personagem da Suzana Pires, a Clara, perde o cabelo. Sua mãe, Leda (Marieta Severo), dá a ela vários lenços coloridos. É um espaço poético que se abriu no filme e que virou um clipe, pois ela fica jogando os lenços para cima, sabendo que está difícil, mas ela precisa seguir em frente. Essa versão em forma de acalanto só vai ouvir quem for assistir ao filme. Mas a Clélia pediu a mesma faixa com um novo arranjo para o final do longa. E aí eu tive que pedir ajuda a Paula, porque eu não conseguia sair da cena”, conta Flavia.
Nessa versão, gravada em um estúdio de mulheres, Flavia toca pianos, e Paula Azzam, violão, guitarra e piano. O baixo é de Fabio Lessa e a bateria, de Felipe Martins. Levi Chaves gravou clarinete, clarone, saxofones e requinta. A cordas são da Orquestra de Tallin, da Estônia, com regência do maestro Kleber Augusto. Como Flavia brinca, “parte da cota masculina que participou do projeto”. O coro de mulheres inclui a diretora Rosane Svartman e uma das roteiristas, Elisa Bessa, filha de Clélia.
“Participar de um projeto majoritariamente feminino é extremamente significativo para mim. A energia e a sensibilidade que as mulheres trazem para uma produção como essa são únicas. Foi uma honra colaborar com tantas profissionais talentosas e comprometidas em contar uma história tão importante”, afirma Preta.
As atrizes Marieta Severo, Suzana Pires e Nathália Costa na cena em que a personagem de Suzana raspa o cabelo. Divulgação
LENÇOS AO AR
No clipe, que já está disponível nas plataformas digitais, Preta simula a cena do filme e joga os lenços para cima também, conta Flavia Tygel:
“A Preta é um encanto... Eu dirigindo, e ela totalmente humilde, querendo saber o que ia fazer pelo filme... O que importava era entregar ao filme o que ele precisava. É uma composição quase em forma de oração. Ela repete ‘tudo vai passar’ como se fosse um mantra. Rosane e Clélia choravam quando começavam os primeiros acordes. Choro de alegria, emoção, gratidão e por termos tido a energia da Preta naquele momento, sendo para ela um momento tão delicado.”
Um diferencial da canção é a voz de Preta Gil:
“Ao gravar ‘Tudo Vai Passar’, procurei me conectar profundamente com a letra e a emoção que ela transmite. Embora tenha me preparado tecnicamente, deixei que a interpretação fluísse de forma espontânea, permitindo que minhas próprias experiências e sentimentos guiassem a performance. Acredito que isso trouxe autenticidade e emoção à canção.”
FORÇA DO CANTO
A cantora não consegue dizer qual ficou sendo a sua preferida, mas acredita que parte do que escutamos é consequência do que vinha passando. A outra parte foi pura emoção:
“O tratamento oncológico é intenso e pode afetar diversas áreas do corpo. Embora tenha enfrentado momentos de fragilidade, cantar sempre foi uma fonte de força para mim. Acredito que minha voz reflete não apenas minha técnica, mas também minha jornada de superação. Assisti ao filme, e as duas versões da música me emocionam profundamente. A versão mais intimista, que acompanha a cena da personagem raspando o cabelo, é especialmente tocante por retratar um momento de vulnerabilidade e transformação. Essa cena me tocou de um jeito especial, porque me lembrou do que vivi durante meu tratamento.”
O filme já está nos cinemas, a música e o clipe (a versão pop) já estão nas plataformas digitais. O roteiro é assinado por Suzana Pires, em parceria com Martha Mendonça e Pedro Reinato, e conta com a colaboração da autora Ana Michelle, de Rosane Svartman e de Elisa Bessa. Além de “Tudo Vai Passar”, há uma leitura de “Fullgás” – sucesso de Marina Lima e Antônio Cícero – em forma da samba, com Mart’Nália cantando.
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