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Museu Nacional do Piano, um lugar único nascido da paixão de um autodidata
Publicado em 04/04/2025

Num espaço pouco conhecido na zona rural do DF, Rogério Rezende da Silva guarda peças — e histórias — preciosas ligadas ao instrumento

Por Fabrício Azevedo, de Brasília 

Rogério junto ao piano Steck do acervo do museu. Foto: Divulgação/Setur-DF/Ana Carolina

Há menos de uma semana (em 29 de março) foi o Dia Internacional do Piano. E num lugarzinho meio escondido, a mais de 20 quilômetros da Praça dos Três Poderes, a data foi especialmente celebrada. Referência para os amantes do mais nobre e polivalente dos instrumentos na capital federal, a Casa do Piano foi criada por Rogério Rezende da Silva, especialista em construir, restaurar, afinar — e tocar — pianos há mais de 30 anos na zona rural do Núcleo Bandeirantes. Tamanha foi a paixão que ele transformou seu sítio cheio de encanto no primeiro Museu Nacional do Piano, prestes a completar 20 anos.

“Sou apaixonado por instrumentos antigos e, às vezes, comprava um piano ou recebia a doação de um instrumento que era considerado condenado. Acabei com uma grande coleção e resolvi criar o museu. Acho que o destino de toda coleção privada é se tornar pública”, explica.

Entre peças expostas e no acervo técnico, o lugar conta com 51 exemplares de diferentes épocas, sendo 30 pianos, alguns cravos e várias pianolas. Somadas as peças variadas ligadas ao mundo do piano, o especialista juntou mais de 3 mil itens.

“Um dos maiores destaques é o piano no qual o Hino de Brasília foi composto. Pertenceu à excelente professora Neusa França, que compôs esse hino, e com quem trabalhei muitos anos. É um pedaço da história da cidade que guardo com carinho”, revela.

A coleção também conta com um piano de cauda da inglesa Steck, hoje extinta e com poucos exemplares no Brasil. Essa marca era uma das preferidas de compositores como Richard Wagner e Robert Schumann. Outro destaque é a coleção de pianolas e 50 partituras.

“Pianolas são pianos mecânicos que aparecem muito em filmes de faroeste e têm um mecanismo muito interessante. Acredito não haver outra coleção tão grande dessas partituras no país”, comenta.

Algumas das peças do acervo. Reprodução

Uma atração que chama a atenção de crianças e estudantes que visitam o museu é o vasto acervo de miniaturas de piano, incluindo pequenas estatuetas, caixas de música, dioramas e muitos outros formatos que encantam. Foi doada por uma professora de Belo Horizonte, dedicada colecionadora que reuniu centenas de peças.

Além dos pianos originais, Rogério também constrói réplicas de instrumentos históricos e incomuns.

“Um exemplo é o piano duplo para duetos e quartetos, baseado no modelo de 1890. Ele permite que até quatro pianistas toquem em conjunto. Acho que esse é o único no Brasil”, afirma. “Construir pianos incomuns me permite mostrar parte da história do instrumento e também fazer trabalhos sociais.  Acredito que é minha obrigação de cidadão.”

UMA MÁQUINA DE 12 MIL PEÇAS

Rogério começou a tocar com 15 anos em Pelotas (RS), sua cidade natal.

“Aprendi música de ouvido. Sempre fui autodidata”, lembra.

Em 1974 se mudou para Brasília, e, em 1977, surgiu a oportunidade de tocar no bar do Hotel Nacional.

“Arrisquei e consegui a vaga, começando aí um estudo mais sério no piano”, diz.

Um dia, um afinador foi ajustar o instrumento, e Rogério observou o trabalho dele:

“Naquele dia eu me apaixonei, saí do teclado e caí dentro do mecanismo.”

Em 1979, trocou um carro por um piano vertical e começou a montá-lo e desmontá-lo.

“Muitos chamam o piano vertical ou de armário de piano de gabinete. Aprendi que esse termo é errado. De qualquer modo, nele aprendi a afinar e fazer restauração, também de forma autodidata”, comenta.

Começou, então, a oferecer seus serviços de afinador e a aprender tudo o que podia. Hoje, Rogério reuniu um grande conhecimento sobre a complexidades do instrumento e compara um piano de cauda a uma máquina extremamente complexa, com mais de 12 mil peças e 240 cordas com tensões que chegam a 22 toneladas.

“Fabrico peças fora de linha, além de cordas, e faço trabalhos de restauração na madeira”, destaca.

Outra visão do espaço. Reprodução

O restaurador conta que, além de não haver escolas quando surgiu, tampouco havia equipamentos acessíveis para fazer seus trabalhos.

“Eu mesmo construí a máquina para produzir cordas de piano, usando um mandril de furadeira, trilhos de portão e um motor elétrico adaptado. Uso a matéria-prima igual à das fábricas, mas a máquina é minha”, revela.

Também criou equipamentos para fazer, de forma precisa, arruelas, martelos e cravelhas já fora de linha.

“Outra criação minha foi a máquina que levanta o piano e pode incliná-lo para várias posições, facilitando a inspeção e a manutenção”, explica.

Segundo Rogério essa capacidade trouxe clientes como as embaixadas de Portugal, França e Estados Unidos, bem como restaurações de instrumentos históricos, de séculos passados.

UM MUSEU QUE APAIXONA

A intérprete e compositora associada da UBC Amanda Maia é fã do trabalho de Rogério.

“Eu o conheci tocando na noite, e ele me convidou para conhecer o museu. Fiquei apaixonada”, resume.

Para ela, o local é uma ilha de expressão na cidade e uma fonte de inspiração musical.

“Dá um quentinho no coração saber que no quadradinho de Brasília há alguém com esse trabalho”, afirma.

Formada em Letras e egressa da Escola de Música de Brasília (EMB), Amanda compõe principalmente com o violão, mas também usa o piano e o teclado para peças mais complexas.

“Cada piano tem seu tom e particularidade, e vejo o artista como uma extensão desse instrumento. O Rogério garante que ele esteja sempre afinado e em plena forma para compositores ou intérpretes se expressarem”, completa.

Rogério numa das salas do museu. Foto: Divulgação/Setur-DF/AnaCarolina

Outro fã de Rogério é o pianista e compositor uruguaio radicado em Brasília José Cabrera.

“O piano é meu instrumento preferido e o uso direto para minhas composições. Gosto de brincar no teclado para criar. O instrumento deve estar sempre perfeito, como o Rogério faz para a gente. Uma vez ele pegou um piano que estava abandonado num galinheiro. Nas mãos dele, a música renasceu”, afirma. “Nunca vi alguém tão dedicado como ele ao piano.”

 

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