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Disparada nos preços de regravação acende debate no mercado
Publicado em 08/04/2025

Para compensar baixa remuneração do streaming, autores têm pedido valores 'elevados' para liberar músicas, frustrando alguns intérpretes

Por Nathália Pandeló, do Rio

Era para ser um ciclo virtuoso: compositores ganham com regravações, artistas relançam clássicos, e a música de catálogo se perpetua, ganhando novas vidas. Mas a conta não está fechando, e essa nova realidade vem deixando muitos projetos pelo caminho.

Um volume crescente de compositores, especialmente os mais consolidados no mercado, têm reajustado os valores cobrados para autorizar regravações de suas obras. Por outro lado, artistas – sobretudo os independentes – se deparam com cifras que, em muitos casos, tornam inviáveis projetos fonográficos baseados em repertórios já conhecidos. 

O que nasceu como uma tentativa legítima de equilibrar os baixos repasses das plataformas de streaming tem provocado um efeito colateral preocupante: músicas fundamentais do cancioneiro nacional estão circulando menos, justamente num momento em que mais precisariam alcançar novas gerações.

Bruna Campos, representante da União Brasileira de Compositores (UBC) no Mato Grosso do Sul, traz números que ajudam a dimensionar o impacto desse cenário. Apenas no último ano, ela acompanhou 11 artistas independentes que desistiram de lançar álbuns por conta dos custos bem acima dos previstos. 

“Esses 11 projetos somaram um total de R$ 409.770 cobrados de direitos autorais. Deu uma média de R$ 37,2 mil (só em liberações de canções) por álbum”, detalha. 

TEMA CHAMA A ATENÇÃO

As novas práticas não são novidade e, certamente, não são segredo. Os preços para regravações flutuam de acordo com a demanda pelo trabalho de alguns compositores, e essa onda de valores acima da média já até virou notícia.

Numa coluna recente no diário O Globo, o jornalista Júlio Maria trouxe à tona o debate fundamental sobre o valor da música, destacando como a escalada nos valores de liberação tem alterado as dinâmicas do mercado. Com o título "Quanto custa uma canção?", o texto traz números emblemáticos. Segundo escreve o colunista, em alguns casos os preços saltaram de uma faixa entre R$ 800 e R$ 1.500 para patamares de até R$ 15 mil por uma única gravação.

Júlio Maria aponta o cerne do problema: o valor baixo dos repasses das plataformas de streaming.

“O compositor dá agora a resposta que pode dar, mas atacando o alvo errado", define o jornalista. 

Em sua argumentação, ele ressalta ainda um paradoxo do mercado: enquanto as big techs do streaming lucram bilhões, a cadeia produtiva da música se fragmenta. 

"Elas (as plataformas) sabem que, a partir do dia em que pagarem mais, não poderão retroceder", observa Maria, destacando a resistência das empresas em revisar seus modelos de negócio.

EQUAÇÃO DIFÍCIL

Nenhum especialista questiona o direito dos compositores de serem adequadamente remunerados. A Lei de Direitos Autorais (9.610/98) garante proteção integral às obras e a seus criadores. O problema surge quando os mecanismos criados para assegurar essa remuneração acabam, ironicamente, reduzindo as oportunidades de ganhos.

"As regravações não deixarão de ser feitas. O que vai mudar é que muita gente vai gravar sem oficializar a autorização", alerta Campos, que afirma que isso já está acontecendo. "No final das contas, o compositor sai perdendo por não recebe valor algum de uma faixa que saiu do ar."

Marcos Pompiano, Head de sincronização da Sony Music Publishing, reconhece a complexidade do cenário: 

"Vejo (a alta nos valores para liberar regravações) como um movimento global. Talvez no Brasil ele seja mais percebido em função do grande número de independentes que buscam uma obra já consolidada. Os serviços digitais pagam pouco por reprodução, e a elevação no valor pode equilibrar um pouco mais a distribuição de receita entre criadores e distribuidores”, reflete.

O cerne da questão está, de fato, na relação entre criadores e serviços de streaming e nos novos e limitados modelos de monetização da música. 

"Deixamos por muito tempo as plataformas ditarem as regras e ainda estamos deixando. Elas impõem as condições, escondem seu faturamento atrás de cláusulas de confidencialidade, não fornecem relatórios claros que nos possibilitem verificar quantos plays realmente uma faixa teve, qual o número de assinantes, qual o volume de anúncios…. Fornecemos a música e, teoricamente, recebemos de volta 12% de direitos autorais de uma forma que não temos como conferir se esses 12% estão realmente sendo repassados", critica Campos.

Enquanto isso, o mercado segue caminhos opostos. De um lado, fundos de investimento globais como a Blackstone adquirem catálogos musicais por bilhões, reconhecendo o potencial de altos ganhos com a exploração futura dos catálogos. De outro, plataformas como Spotify mantêm pagamentos por stream em patamares considerados baixos pela maioria dos artistas — entre US$ 0,003 e US$ 0,005 por reprodução.

CASOS CONCRETOS

Na prática, os valores variam entre gêneros. Um caso emblemático citado por Bruna Campos envolve um grupo de samba tradicional de São Paulo que desistiu de regravar um clássico da MPB devido aos R$ 15 mil pedidos pelo compositor. Outro exemplo é o de um intérprete consagrado que gastou R$ 50 mil apenas em taxas de liberação para um projeto independente.

"Atualmente, todos os projetos em que estou trabalhando estão saindo excessivamente onerosos para os artistas", afirma Campos. 

Pompiano aponta para a necessidade de novos modelos:

"Creio que acordos mais equilibrados sejam o ponto principal.”

O risco maior talvez seja para o próprio patrimônio musical brasileiro. Quando obras importantes deixam de ser regravadas, pode-se enfraquecer a ponte entre gerações. Em outras palavras, um clássico que não é reinterpretado tem menos chances de alcançar novos ouvintes.

Ao mesmo tempo, sem remuneração adequada, muitos compositores podem abandonar a profissão, afetando a renovação do repertório nacional. O desafio é encontrar um equilíbrio em que os criadores sejam justamente remunerados sem que isso limite a circulação de suas obras.

A solução para essa equação complexa passa por melhores pagamentos no streaming. Exigirá, portanto, diálogo, transparência e, acima de tudo, reconhecimento do valor — tanto artístico quanto econômico — da criação musical brasileira.

 

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