Entidade presta contas de sua atuação; além de pressão política, houve uma série de melhorias tecnológicas para as associações
De São Paulo
A Cisac (Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores) publicou nesta quinta-feira (22) seu Relatório Anual 2025 com um forte recado: a revolução da Inteligência Artificial (IA) pode trazer prejuízos bilionários aos criadores de cultura se as legislações mundo afora não forem capazes de proteger seus direitos. No documento, a organização, que reúne mais de 200 entidades de gestão coletiva em 116 países, elenca uma série de ações que tomou no último ano para influenciar na elaboração de leis de IA, além de trazer os avanços tecnológicos implementados para beneficiar a gestão coletiva de direitos autorais.
IA: O GRANDE DESAFIO
O relatório relembra o Estudo Sobre o Impacto Econômico da IA na Música e no Audiovisual, realizado para a Cisac pela consultoria PMP Strategy, e sobre o qual falamos aqui no site. Com uso de farta documentação e muitos números, o trabalho prevê um salto no mercado de conteúdos gerados por IA: de € 4 bilhões em 2023 para € 64 bilhões (soma de música e audiovisual) em 2028. No entanto, os ganhos ficarão concentrados nas empresas de tecnologia, enquanto os criadores correm o risco de perder até 24% de sua renda no setor musical e 21% no audiovisual.
Traduzindo em cifras, a perda para quem cria conteúdos musicais pode chegar a € 10 bilhões (R$ 64 bilhões) acumulados até lá. No audiovisual, número ainda maior: € 12 bilhões (R$ 77 bilhões).
A Cisac defende três princípios básicos: que o uso de obras protegidas pela IA exija autorização dos autores, que haja total transparência nos dados usados para treinar algoritmos e que os criadores sejam remunerados de forma justa. A organização tem atuado junto a governos e entidades reguladoras em países como Reino Unido, Brasil, França, Chile, Austrália e na União Europeia.
“Este debate está chegando ao seu clímax, e os legisladores (mundo afora) estão considerando mudanças iminentes nas leis sobre direitos autorais e IA. A Cisac e os criadores a ela afiliados têm uma voz importante nesse debate, e nossa mensagem precisa ser alta e absolutamente clara: trata-se de preservar todo o sistema de direitos autorais e direitos dos autores. Esses princípios são o oxigênio do qual dependem os criadores e a economia criativa para sua existência e sobrevivência”, escreveu Björn Ulvaeus, presidente da Cisac, em sua carta editorial publicada no relatório. “Estou convencido de que a revolução da IA pode ser não apenas a maior, mas também a melhor revolução que as indústrias criativas já enfrentaram. Isso é possível, mas somente se houver uma parceria legítima e baseada no respeito mútuo entre criadores e operadores de IA”, completou.
TECNOLOGIA A SERVIÇO DOS CRIADORES
Além da agenda política, a Cisac está modernizando suas ferramentas tecnológicas. Um dos destaques é o lançamento do projeto CIS-Net 2.0, uma nova plataforma que facilitará a troca de dados entre sociedades e permitirá mais agilidade e precisão na identificação de obras musicais e audiovisuais. O lançamento da versão inicial está previsto para o final de 2025, com conclusão total em 2027.
Outro foco é o fortalecimento do uso do ISWC (código internacional de obras musicais). Mais de 8 milhões de códigos foram emitidos em 2024, com apoio de editoras e plataformas digitais. Um novo sistema permitirá associar o ISWC ao ISRC (usado pela indústria fonográfica) no momento do lançamento de uma música, o que promete acelerar pagamentos e reduzir erros.
FRAUDES E DESINFORMAÇÃO
Com o avanço da IA, a Cisac também reforçou o combate às fraudes nos registros de obras, como tentativas de se apropriar indevidamente de créditos e royalties. Um grupo de trabalho definiu boas práticas e propôs uma resolução vinculante com procedimentos de verificação ("Conheça seu cliente") no cadastro de obras.
Além disso, a organização lançou campanhas educativas e um novo podcast chamado Creators Conversations, que discute temas como o sucesso da música coreana, os impactos da IA e os desafios da remuneração justa. A série já está disponível nas principais plataformas.
NOVOS MERCADOS
O relatório também destaca planos de fortalecimento de mercados com grande potencial de crescimento. Na Índia, as arrecadações cresceram mais de 40% em 2024, mas ainda estão abaixo do esperado para o tamanho do mercado. Um plano de ação busca diversificar fontes de receita e melhorar a governança local.
Na Colômbia, a Cisac apoia reformas na gestão coletiva e negociações com emissoras e plataformas digitais. Em países como Turquia e Bulgária, os desafios são a baixa adesão a licenças, a ausência de fiscalização e leis desatualizadas. A organização propõe mudanças legais, novas tarifas e maior conscientização pública.
Já no Brasil, a Cisac se engaja na luta do audiovisual para ter também um sistema de gestão coletiva estruturado e que garanta melhores receitas para os seus integrantes, como já ocorre há décadas com a música.
NOVO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
O relatório menciona ainda que, depois de dois mandatos consecutivos, haverá um novo Conselho de Administração à frente da entidade. Com isso, Marcelo Castello Branco, diretor-executivo da UBC e primeiro latino-americano à frente do Conselho, passará o bastão a outra pessoa. A nova estrutura será definida na próxima Assembleia Geral da Cisac.
“Tenho muito orgulho de ter servido como presidente do Conselho da Cisac por quase seis anos. À medida que meu mandato chega ao fim, quero reconhecer o excelente trabalho de nossa secretaria, liderada por Gadi Oron. Sua liderança proativa conduziu de forma eficaz o imenso fluxo de informações e atendeu às diversas necessidades de nossas organizações ao redor do mundo”, escreveu Castello Branco. “Também expresso minha sincera gratidão aos colegas do Conselho e a toda a comunidade com a qual tive o privilégio de interagir ao longo desses anos. Essa jornada foi ao mesmo tempo gratificante e reveladora.”
LEIA MAIS: O relatório na íntegra (em inglês)
LEIA MAIS: A carta completa de Marcelo Castello Branco em português
Encaramos o futuro com uma forte rede global da Cisac
Por Marcelo Castello Branco, do Rio
Todos os anos, ao publicarmos nosso relatório global descrevendo as principais ações que estamos realizando, sou lembrado do quanto já conquistamos. Ainda assim, há muito trabalho a ser feito, e precisamos continuar investindo nosso tempo e esforços.
Como uma rede mundial de organizações de gestão coletiva, enfrentamos desafios monumentais e imprevisíveis. Nesta nova economia dinâmica, marcada por hiperatividade e disrupção, nosso papel será constantemente reformulado e examinado por nossos membros, parceiros e licenciados.
Isso reforça minha profunda convicção na força da nossa rede global. Ao compartilharmos boas práticas, informações, ferramentas e infraestrutura, conseguimos aprimorar nosso serviço aos criadores. Esse espírito de colaboração é a essência do nosso futuro como confederação e um pilar fundamental daquilo que a Cisac representa.
Em todos os repertórios geridos pelos membros da Cisac, há uma saturação de conteúdo criativo, impulsionada pelo streaming e pela tecnologia. Precisamos acompanhar essa mudança e considerar redefinir nossos objetivos para nos adaptarmos ao cenário em rápida transformação ao nosso redor. Isso exige decisão e ação. Precisamos evitar a paralisia provocada pela burocracia, desafiando e aprimorando constantemente nossas políticas.
Tenho muito orgulho de ter servido como presidente do Conselho da Cisac por quase seis anos. À medida que meu mandato chega ao fim, quero reconhecer o excelente trabalho de nossa secretaria, liderada por Gadi Oron. Sua liderança proativa conduziu de forma eficaz o imenso fluxo de informações e atendeu às diversas necessidades de nossas organizações ao redor do mundo. Também expresso minha sincera gratidão aos colegas do Conselho e a toda a comunidade com a qual tive o privilégio de interagir ao longo desses anos. Essa jornada foi ao mesmo tempo gratificante e reveladora.
Sou genuinamente grato pelas relações e colaborações que construímos juntos, e estarei sempre pronto para contribuir com essa incrível rede que criamos.
À medida que avançamos, tenho confiança na nossa capacidade de continuar aprendendo e nos adaptando aos desafios que virão. Jamais devemos esquecer que os criadores são nossa prioridade máxima. Eles são a razão fundamental de nossa existência e da nossa capacidade de prosperar no futuro. Suas vozes precisam ser ouvidas e valorizadas enquanto defendemos e trilhamos nosso caminho pela revolução da IA e além.
Estou otimista quanto ao futuro da gestão coletiva. É imperativo que continuemos buscando eficiência, permanecendo leais aos nossos membros em sua representação e comprometidos com uma distribuição mais direta.
A gestão coletiva não é uma solução protocolar; é, na verdade, uma demanda e uma iniciativa impulsionada pelos próprios criadores. À medida que a Cisac se aproxima de cem anos de existência, mais do que nunca, devemos honrar esse chamado e essa missão.