UBC faz versão em português do trabalho da Cisac que prevê perda de mais de R$ 60 bilhões para titulares de direitos até 2028; veja detalhes
De Madri
Que a inteligência artificial (IA) generativa já está amplamente disseminada na criação artística — seja como ferramenta para potencializar a criatividade, seja como meio para gerar resultados totalmente do zero — não é segredo. O que faz o detalhadíssimo “Estudo sobre o impacto econômico da IA Generativa nas indústrias da Música e do Audiovisual” é traduzir esse panorama em dados úteis para guiar políticas públicas e a ação dos diferentes players das indústrias culturais e criativas.
Alguns desses dados para a Música:
Já para o Audiovisual, as cifras são da mesma ordem:
Elaborado pela consultoria PMP Strategy por encomenda da Cisac - Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores, o estudo tem 112 páginas recheadas de dados técnicos, conceituais e históricos sobre a evolução da IA generativa e seu rapidíssimo avanço em anos recentes. Publicado originalmente em dezembro, em inglês, o trabalho acaba de ser traduzido para o português pela UBC.
LEIA MAIS: O estudo completo em português
Estudos de caso como o da plataforma Suno, que permite a geração de música criada por IA — e que está sendo processada pelas grandes gravadoras, por gravadoras independentes e por sociedades de gestão de direitos autorais precisamente por usar conteúdos protegidos sem autorização nem pagamento —, aparecem nas páginas do documento.
Os autores do estudo também mostram como músicas geradas 100% por IA já estão amplamente presentes em plataformas como Spotify e fazem previsões sobre como tais "obras" poderão dominar as playlists automatizadas classificadas como playlists de “estados de humor”. São as músicas que embalam momentos do usuário como malhar, caminhar, cozinhar e relaxar — e que exigem uma produção contínua e “pouco artística”.
Outras estimativas também são calculadas para o uso de IA generativa na música usada em redes sociais, cinema, publicidade, TV etc.
Todos os dados foram levantados no próprio mercado, ao longo de vários meses, e tiveram ainda como base mais de 50 entrevistas com profissionais variados dos setores da música, artes visuais e audiovisual, entre julho e setembro de 2024. No Brasil, Marcelo Castello Branco, diretor-executivo da UBC, e a equipe da associação estiveram entre os entrevistados.
Também foram realizadas oficinas com profissionais da indústria, além de membros da Cisac.
“Não podemos nem devemos estar contra a IA. A IA pode ser e é uma ferramenta maravilhosa. Eu a uso pessoalmente, ela pode melhorar a criatividade humana. Mas o progresso nunca pode vir às custas dos direitos dos criadores, eles precisam de uma remuneração justa, e isso não é negociável. Nós, criadores, precisamos estar na mesa de negociações. Devemos nos preparar para a era da IA, e tem que ser agora”, afirmou o presidente da Cisac, o compositor sueco Björn Ulvaeus, ao justificar o apoio da entidade ao estudo.
Para ele, é importante colocar cifras sobre a mesa para que parlamentos do mundo todo e partes interessadas (executivos da indústria, representantes dos criadores) saibam a que o mundo criativo enfrenta com a expansão da IA generativa:
“Os operadores de IA estão criando vasto valor econômico. Mas as receitas devem ser compartilhadas com aqueles que criam os conteúdos, que não são públicos, mas protegidos por direitos autorais. Estamos diante de uma questão existencial. A litigância não é a melhor solução, devemos chegar a acordos.”
Castello Branco, que, além de diretor-executivo da UBC, também é presidente do Conselho de Administração da Cisac, corroborou as palavras de Ulvaeus:
“Não somos contra a IA ou qualquer tecnologia emergente. Compreendemos plenamente os avanços revolucionários que ela pode e irá proporcionar. Estamos prontos para nos adaptar e temos feito isso há quase cem anos. Mas é necessário que alguém do outro lado cumpra com suas responsabilidades e preste atenção ao valor das obras criativas já presentes no mercado. É preciso haver um campo de jogo justo. Damos as boas-vindas a este estudo porque ele nos ajudará a apresentar nosso caso aos legisladores em todo o mundo.”
De fato, como diz Castello Branco, pela primeira vez foi possível quantificar, em escala global, o tamanho da perda a que os criadores estão submetidos pelo uso de suas obras. Trabalhos anteriores, na Alemanha e na Austrália, ambos divulgados aqui no site da UBC, já haviam trazido estimativas locais ou regionais. O estudo da Cisac, porém, traz cifras maiores e mais acuradas, inclusive sobre a capacidade de geração de renda e receitas da IA generativa, o que dá uma boa dimensão da urgência de regulá-la.
Inclusive, o estudo traz um rápido panorama sobre o que legislações de diferentes nações estão trazendo de novo. Da pioneira Lei Europeia sobre o tema (de 2024), que menciona a necessidade de autorização prévia, pagamento e transparência sobre o uso de obras protegidas para treinar os sistemas (mas sem aprofundar demais em como isso será garantido); a projetos de lei ou regulações nos EUA, Singapura e Israel, por exemplo, fica claro que nem todos os países estão abordando da mesma forma a proteção aos criadores.
No Brasil, como mostramos no fim do ano passado aqui no site, o Senado aprovou um dos projetos mais ambiciosos e pró-autores humanos em nível internacional — e que teve amplo apoio da UBC e de diversas outras entidades. Segundo a reportagem da UBC apurou na semana passada, o projeto nem sequer começou sua tramitação na Câmara, onde deverá enfrentar a dura oposição de lobbies interessados em flexibilizar a proteção aos compositores e outros titulares que têm suas obras usadas nos treinamentos dos sistemas.
Fique atento aos canais informativos da UBC para conhecer mais notícias sobre a tramitação do projeto, conforme elas surgirem.
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