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O ‘álbum sem música’ de mil artistas britânicos contra futura lei de IA do país
Publicado em 27/02/2025

Semana decisiva para projeto tem nova rodada de protestos contra texto que permite às big techs usar conteúdos protegidos sem pagamento

De Madri

Na semana em que se encerraram as consultas públicas para uma nova lei de IA no Reino Unido, a classe artística deixou bem clara sua oposição ao projeto tal como foi concebido pelo gabinete do primeiro-ministro Keir Starmer (Partido Trabalhista, centro-esquerda). Mais de mil compositores publicaram um “álbum” nesta quarta-feira (26) sem música, apenas com alguns ruídos e sons ambiente aparentemente captados em estúdio ou em suas casas. Intitulado “Is This What We Want?” (É isto o que queremos?), o “lançamento” assinado por “1.000 artistas do Reino Unido” teve a adesão de nomes como Kate Bush, Damon Albarn, Annie Lennox, The Clash e Hans Zimmer. E deixa uma mensagem simples e potente: sem os criadores humanos, não existe música.

Alegando que o Reino Unido não pode “ficar para trás” no desenvolvimento tecnológico, o governo elaborou uma das leis menos protetoras da criação humana, entre todas as que tramitam atualmente em parlamentos mundo afora, inclusive no Brasil. Essencialmente, permite que Alphabet (Google), Meta (Facebook), OpenAI (Chat GPT), Microsoft, Apple e quaisquer outras companhias tech desenvolvedoras de inteligência artificial generativa usem trabalhos protegidos por direitos autorais para treinar seus sistemas sem permissão ou pagamento aos criadores originais.

Não só isso: a lei impõe aos criadores individualmente o ônus de fazer o opt-out (no jargão jurídico internacional, o direito de exclusão) de seus conteúdos do treinamento dos sistemas. A óbvia impossibilidade de um só indivíduo procurar cada uma das empresas tech — grandes, médias, pequenas e embrionárias — que desenvolvem IA generativa para pedir que não usem suas criações torna claramente kafkiano um processo que o governo britânico descreve como “justo”.

Nos últimos meses, nomes como Paul McCartney, Elton John, Björn Ulvaeus (lendário fundador do ABBA e presidente da Cisac - Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores) e muitos outros têm se manifestado publicamente, e em repetidas ocasiões, contra o texto da futura lei.

Nesta quarta-feira, Ulvaeus voltou a fazê-lo de modo muito didático durante entrevista à BBC.

“Jogar a carga sobre o criador individual é injusto. Será absolutamente impossível checar se você está tendo suas obras usadas ou não, inclusive por conta da falta de transparência (das empresas que desenvolvem IA generativa). De fato, deveria ser ao contrário: que as companhias tech peçam permissão, licenciem os materiais protegidos por direitos autorais que usam para treinar seus sistemas. E elas deveriam compartilhar os ganhos, porque serão muitos. Deveriam compartilhá-lo com as indústrias criativas”, ele afirmou.

Enquanto isso, milhares de veículos de comunicação, gravadoras, associações de artistas visuais e variadas entidades globais de defesa da criação se engajaram na campanha Make it Fair (torne-o justo), em que tentam pressionar o governo britânico a mudar a parte do texto sobre o uso livre de materiais protegidos para treinamento dos sistemas de IA. Esta semana, dezenas de jornais do Reino Unido, de todas as cores ideológicas e orientações, puseram o logo da campanha em suas capas, chamando a atenção para a lei, que ameaça qualquer tipo de material criativo — e que poderia influenciar e impactar outras leis atualmente em discussão no mundo.

Algumas das dezenas de capas de jornais com a campanha estampada no Reino Unido. Foto: Shutterstock

PREOCUPAÇÃO COM NOVOS CRIADORES

Há algumas semanas, como mostramos aqui no site, Paul McCartney e Elton John já haviam se manifestado sobre o uso de criações musicais sem autorização ou pagamento. Ambos se mostraram particularmente preocupados pelas novas gerações de compositores.

“Você tem rapazes, moças, surgindo, e eles escrevem uma música linda, e eles não têm direitos sobre ela. Qualquer um que queira pode simplesmente roubá-la. A verdade é que o dinheiro está indo para algum lugar... Alguém está sendo pago, então por que não deveria ser o cara que se sentou e escreveu ‘Yesterday’?", disse McCartney numa entrevista no Reino Unido.

John não demorou em fazer coro:

“(A lei) vai permitir que as grandes empresas globais de tecnologia tenham acesso fácil e gratuito ao trabalho dos artistas para treinar sua inteligência artificial e criar músicas concorrentes. Diluirá e ameaçará ainda mais os ganhos dos jovens artistas. A comunidade de músicos rejeita isso de todo o coração.”

Agora, com o álbum sem música, os artistas querem deixar claro que o impacto sobre seu trabalho, caso o projeto seja aprovado, será total:

"A proposta do governo entregaria o trabalho de toda uma vida dos músicos do país para empresas de IA, de graça, permitindo que essas empresas explorem o trabalho dos músicos para superá-los", afirmou Ed Newton-Rex, compositor britânico e ex-executivo de IA por trás da iniciativa. "É um plano que não só seria desastroso para os músicos, como também é totalmente desnecessário: o Reino Unido pode ser líder em IA sem sacrificar nossas indústrias criativas, que são referência mundial."

O álbum foi publicado no Spotify e já acumula milhares de reproduções. Os ganhos com direitos autorais dessas faixas que contêm apenas ruídos serão doados para a instituição de caridade Help Musicians.

INDÚSTRIA X BIG TECHS

A disputa sobre o uso de obras protegidas por direitos autorais por empresas de IA decorre da forma como a tecnologia que sustenta esses produtos é criada.

Os modelos de IA que alimentam sistemas como o chatbot ChatGPT, o gerador de imagens Stable Diffusion e a ferramenta musical Suno são treinados com enormes quantidades de dados retirados da internet, aprendendo a identificar padrões nessas informações. Isso lhes permite prever a próxima palavra de uma frase, criar imagens realistas ou produzir áudio com padrões bastante similares aos originais, tudo obedecendo aos prompts, ou comandos, inseridos pelo usuário.

No entanto, o uso de livros, músicas, artigos de jornal, fotografias, obras de arte e outros materiais protegidos por direitos autorais sem permissão gerou uma onda de processos movidos por escritores, editoras, gravadoras e artistas. Sony, Warner e Universal já processam a Suno e outro dos aplicativos de criação musical por IA generativa, Udio, desde meados do ano passado. Recentemente, a sociedade de gestão coletiva alemã Gema também anunciou uma ação multimilionária contra a Suno por uso de materiais protegidos sem autorização.

 

OUÇA MAIS: O álbum 'Is This What We Want?' no Spotify

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