Entidade fez detalhado levantamento que provaria semelhanças entre resultados do robô e músicas protegidas por direitos autorais
De Madri
Depois das grandes gravadoras, agora é a vez da Gema — a sociedade de gestão coletiva de direitos autorais da Alemanha — processar a Suno, um dos maiores geradores de música por inteligência artificial do planeta. A big tech, avaliada em US$ 500 milhões, vem sendo sistematicamente acusada de usar música sem licença para treinar seus sistemas, e inclusive já admitiu a prática nos tribunais.
A Gema é a primeira sociedade de gestão coletiva a se unir à ofensiva contra a Suno, que também está sendo processada por uma competidora, a Udio. Esta última alega não fazer uso de materiais protegidos — algo em que o mercado simplesmente não acredita, já que as majors processam a Udio pela mesma razão.
A Gema representa os direitos autorais de 95 mil associados na Alemanha, entre compositores, letristas e editoras musicais, e de mais de 2 milhões de titulares de todo o planeta que têm suas músicas executadas na maior economia da União Europeia. Num comunicado, a Gema explica que a Suno “processa gravações protegidas de músicas famosas em todo o mundo sem autorização ou remuneração (…), gerando conteúdos enganosamente semelhantes às músicas originais.”
A Gema foi além e elaborou um listado de algumas das canções que, segundo ela, são obviamente plagiadas nos resultados automatizados gerados pela big tech. Entre elas:
O trabalho de apuração da Gema, levado nesta terça-feira (21) ao Tribunal Regional de Munique, apresentou ainda resultados de áudio gerados pela Suno que mostram semelhanças “consistentes” com as canções anteriormente descritas. Inclusive, foi adicionado ao processo um vídeo em que a musicóloga alemã Julia Blum explica os pontos de proximidade entre as músicas originais e as criadas pelos robôs.
“Em termos de melodia, harmonia e ritmo, esse conteúdo corresponde em grande parte a obras mundialmente famosas cujos autores a Gema representa. Os resultados mostram claramente que a Suno Inc. usou sistematicamente o repertório da Gema para o treinamento de sua ferramenta de música e, agora, está explorando isso comercialmente sem conceder aos autores das obras uma participação financeira”, afirma a nota da Gema à qual a UBC teve acesso.
Além da Suno, a importante sociedade de gestão coletiva alemã processa também a OpenAI, criadora do ChatGPT, avaliada em US$ 157 bilhões. Segundo a Gema, o ChatGPT “reproduz letras de músicas protegidas de autores alemães sem adquirir licenças ou pagar aos autores em questão.”
“A criatividade humana é a base de toda IA generativa. Mas esse mercado tem carecido, até agora, de princípios básicos como transparência, justiça e respeito. Provedores de IA como a Suno Inc. usam as obras de nossos membros sem o consentimento deles e lucram financeiramente com elas. Ao mesmo tempo, o conteúdo gerado dessa forma compete com as obras criadas por humanos e priva esses artistas de sua base econômica”, afirmou Tobias Holzmüller, diretor-executivo da Gema, em nota. “A Gema está se esforçando para encontrar soluções em parceria com empresas de IA. Mas isso não será possível sem o cumprimento das regras básicas necessárias de cooperação justa e, acima de tudo, sem a aquisição de licenças.”
Presidente do Conselho de Supervisão da Gema, Ralf Weigand foi na mesma linha:
“Ferramentas de IA generativa como a da Suno Inc. fazem uso desinibido de composições e textos que não lhes pertencem. Se não quisermos abrir mão da música criada por humanos no futuro, precisamos urgentemente de um marco legal que garanta aos autores uma parte justa do valor criado pelos provedores de IA. Caso contrário, chegaremos rapidamente ao ponto em que ninguém será capaz de viver de seu trabalho criativo – um ‘admirável mundo novo’ após o fim de toda criatividade humana na música!”
EDITORES AMERICANOS CONTRA A SUNO
Em agosto passado, ao se defenderem das ações movidas pelas majors por uso não autorizado de obras protegidas por direitos autorais, tanto a Suno como a Udio levaram aos tribunais argumentos amplamente questionados pela indústria. Na ocasião, a Suno disse que seu modelo de treinamento “analisou e aprendeu com os blocos fundamentais da música: como soam os diversos gêneros e estilos”, supostamente sem imitar nenhuma canção específica.
“Esses gêneros e estilos – os sons reconhecíveis da ópera, do jazz ou do rap – não são propriedade de ninguém... Direitos de propriedade intelectual podem se aplicar a uma interpretação gravada específica de uma música em um desses gêneros ou estilos. Mas não ao gênero ou estilo em si.”
Contrariando a argumentação, que chamaram de falaciosa, os editores musicais americanos, através da sua associação, a RIAA, disseram que tanto a Suno como a Udio mentem, destacando que ambas foram obrigadas a reconhecer em juízo que usam músicas específicas no treinamento dos seus sistemas, sem autorização nem pagamento aos seus autores.
“Após meses de evasivas e enganos, os réus finalmente admitiram as cópias maciças e não licenciadas de gravações de artistas. Se trata de um enorme reconhecimento de fatos que eles passaram meses tentando esconder, e que agora admitem porque foram obrigados pelo processo judicial”, disse um porta-voz da RIAA em nota. “A violação em escala industrial dessas empresas não se qualifica como ‘uso justo’. Não há nada de justo em roubar o trabalho de toda a vida de um artista, extrair seu valor essencial e reembalá-lo para competir diretamente com os originais.”
Na ação das majors, que corre nos Estados Unidos, é pedida uma compensação de US$ 150 milhões pelo uso das obras protegidas pela Suno e pela Udio. Caso prospere, esse valor poderia vir a ser distribuído aos titulares de direitos autorais representados pelas gravadoras. Tais pagamentos, inclusive, estão na base de uma série de projetos (tanto proposições de leis como discussões entre importantes atores da indústria) que buscam soluções para o tema do uso de obras musicais e artísticas em geral para treinar sistemas de IA. A alternativa de distribuir valores aos titulares de direitos autorais é frequentemente aventada como fundamental para tornar mais justo o processo de mineração de obras protegidas que, posteriormente, darão origem a novas obras que competirão com os autores humanos.
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