Projeto passa pelo plenário da Casa com seu capítulo sobre direitos autorais intacto; agora, classe criadora se prepara para luta na Câmara
Do Rio
Fotos de Daniel Bueno
Paula Lavigne fala entre o ator Paulo Betti e os associados UBC Paula Fernandes, Paula Lima, Otto, Kell Smith, Marina Sena e Michael Sullivan
O Plenário do Senado votou e aprovou nesta terça-feira (10) o projeto de lei 2.338/2023, conhecido como PL da Inteligência Artificial, num movimento amplamente celebrado pela classe criadora. E a razão disso é que, entre as muitas disposições sobre os usos e limites comerciais dessa tecnologia no país, há um extenso capítulo sobre os direitos autorais. O texto aprovado há alguns dias na comissão especial sobre o tema, um substitutivo do senador Eduardo Gomes (PL-TO) para o texto original do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), determina que:
Todos esses pontos foram amplamente discutidos em sessões da comissão, nos últimos meses, algumas com a participação de artistas como Marisa Monte e Frejat, como noticiamos fartamente no site e na Revista UBC. E Marisa foi uma das primeiras a reagir à aprovação do texto no Senado.
“O Senado Brasileiro, ao aprovar o marco regulatório da Inteligência Artificial (PL 2338/2023), colocou o Brasil na vanguarda do debate mundial. Um grande passo para a proteção do direito autoral e da produção intelectual brasileira. Ainda teremos muito trabalho pela frente na Câmara dos Deputados, mas o Senado deu o exemplo e cumpriu seu papel ao defender os direitos fundamentais dos brasileiros”, ela afirmou à UBC.
Não foi, nem de longe, a única criadora diretamente envolvida nesses debates. Associações como Procure Saber, com a produtora Paula Lavigne à frente, e uma comitiva de associados da UBC liderada pela presidente da sociedade, Paula Lima, e por seu diretor-executivo, Marcelo Castello Branco, estiveram na terça-feira no Senado. Eles tiveram reuniões e conversas com diferentes parlamentares, como Pacheco e Gomes, além do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), deixando clara a posição de quem cria cultura no país: não há justificativa para que uma nova tecnologia disruptiva use materiais protegidos sem autorização prévia ou qualquer forma de compensação financeira aos seus autores originais.
Além da própria Paula Lima, os associados Michael Sullivan, Otto, Marina Sena, Paula Fernandes, Kell Smith, Renno Poeta e Diego Barão, além de Renan Augusto, empresário do cantor e compositor Jão, integraram a comitiva da UBC, participando dos encontros e acompanhando de perto da votação no Plenário.
“Ninguém está aqui lutando contra a inteligência artificial, porque a inteligência artificial a gente entende como uma tecnologia que veio também para trazer progresso. Mas a gente entende que, se há empresas ganhando bilhões com isso, essas empresas precisam arcar com as consequências e precisam arcar com essa mineração de dados que fazem com a nossa obra, com a nossa vida. E não só a nossa vida, mas a vida de toda a população brasileira”, afirmou Marina Sena numa coletiva de imprensa em que a classe criadora esteve presente em bloco, mostrando unidade.
A comitiva de criadores e outras partes interessadas conversam com os senadores Rodrigues, Pacheco e Gomes (de terno cinza, no fundo, à direita)
Para Sydney Sanches, especialista em direito autoral, presidente do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros) e consultor jurídico da UBC, o PL “assegura a inovação e preserva o direito à circulação das ideias e da liberdade de expressão.”
“O texto manteve preservados os direitos dos criadores e artistas num formato pioneiro em todo o mundo, onde constam garantidos o exercício dos direitos autorais pelos titulares, transparência, proteção da imagem e voz e direito de remuneração. É um marco regulatório que servirá de exemplo no cenário internacional, como também irá contribuir para blindar a democracia e a dignidade da pessoa humana”, afirmou Sanches, que parabenizou o envolvimento pessoal de Pacheco, autor do PL, a manutenção do robusto capítulo sobre direitos autorais pelo relator Gomes, e a participação de Rodrigues e do secretário de Direito Autoral do Ministério da Cultura, Marcos Alves de Souza, além de membros da Procure Saber, como Lavigne e Marisa Monte.
Também em tom de celebração, mas de alerta sobre a futura tramitação do texto na Câmara, onde interesses diversos poderiam modificar a proteção ao direito autoral, Castello Branco chamou a votação de ontem de primeiro passo.
“Esta vitória no Senado, ainda parcial, é o primeiro passo para termos uma regulação responsável, contemporânea, que prime pela transparência, remuneração de direitos e respeito à individualidade, quando os criadores não autorizarem previamente o uso de suas obras protegidas no terreno baldio da IA. Agora, resta agradecer a todos que participaram desta cruzada: artistas, autores, especialistas em direito, produtores e políticos que produziram um texto que, sob muitos aspectos, pode colocar o Brasil na vanguarda do tema, e não em modo de espera permanente”, descreveu o executivo, que também é presidente do Conselho de Administração da Cisac - Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores, uma das entidades mais envolvidas globalmente nos debates sobre os limites do uso de obras protegidas para treinar sistemas de IA generativa.
Sydney Sanches, Marcelo Castello Branco e Randolfe Rodrigues durante o encontro
A despeito do caráter vanguardista do texto, continuam em aberto alguns temas, como, por exemplo, o método que será usado para calcular o tamanho do prejuízo a um determinado criador trazido pela concorrência com a IA generativa. Ou como funcionará o futuro órgão que permitirá as negociações entre as big techs desenvolvedoras da tecnologia e os criadores humanos. Mas o fato é que o texto aprovado pelo Senado vai mais longe que a própria lei europeia sobre o tema aprovada em março passado e ainda não implementada nos estados membros. Caso as empresas desrespeitem a futura normativa brasileira, estarão sujeitas a multas elevadas, que podem rondar os R$ 50 milhões, ou 2% do seu faturamento, dependendo da gravidade da infração.
Em Brasília, ainda não há um calendário claro para a tramitação do projeto na Câmara, que deve começar apenas no ano que vem. Se aprovada por lá, a futura lei irá à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto prevê que a maioria dos dispositivos do substitutivo deverá entrará em vigor 730 dias (ou seja, dois anos) depois da publicação da lei. No entanto, as regras sobre sistemas generativos e de uso geral, sobre as aplicações proibidas de sistemas de IA e sobre os direitos autorais deverão entrar em vigor 180 dias após a publicação da lei.
Lavigne fala em outro momento da reunião, tendo à sua direita o secretário de Direito Autoral do Ministério da Cultura, Marcos Alves de Souza
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