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Criadores perderão R$ 64 bi com IA generativa em 5 anos, prevê estudo
Publicado em 04/12/2024

Trabalho lançado pela Cisac mostra que big techs ficarão com R$ 51 bilhões ao não pagar pelas obras que usam para treinar seus sistemas

Por Alessandro Soler, de Madri

O mercado global de música gerada por inteligência artificial acumulará um valor de € 40 bilhões (R$ 255 bilhões) em cinco anos, chegando a gerar € 16 bilhões (R$ 102 bilhões) em 2028 apenas. Sozinhas, as empresas desenvolvedoras de IA generativa vão ficar com € 8 bilhões (R$ 51 bilhões) nesse mesmo período, cifra equivalente ao que deixarão de pagar aos autores das músicas e outras obras protegidas que atualmente utilizam livremente, e sem autorização, para treinar seus sistemas. Com isso, estima-se que 24% das receitas do conjunto dos titulares de direitos autorais musicais estejam em risco em 2028, com uma perda acumulada estimada de € 10 bilhões (R$ 64 bilhões) até lá.

Os dados impressionantes fazem parte do detalhado 'Estudo sobre o Impacto da IA Generativa na Música e no Audiovisual', patrocinado pela Cisac - Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores e lançado oficialmente nesta quarta (4), em Paris. Na coletiva de imprensa da terça-feira (3), da qual a UBC participou, representantes da consultoria internacional PMP Strategy, que liderou o trabalho, explicaram que os dados que amparam as estimativas são oriundos das distribuições de direitos autorais e de valores de negócios digitais e de streaming.

De acordo com o estudo, os autores musicais e artísticos em geral enfrentarão perdas potenciais com o avanço do modelo atual de IA generativa e uso indiscriminado de obras protegidas sem pagamento através:

  • Da perda direta de receitas por conta do já mencionado uso das suas obras sem autorização ou pagamento;
  • Da ‘canibalização’ de suas fontes de receitas tradicionais, devido à substituição de conteúdos humanos por aqueles gerados por IA, que competirão com os artistas.

Ainda segundo o trabalho, o mercado de streaming, no qual gêneros musicais de consumo rápido dominam esmagadoramente os charts, é um dos mais sujeitos ao impacto da IA generativa. Em 2028, os autores do estudo projetam que a música gerada por robôs representará um quinto (20%) das receitas das plataformas e até 60% das receitas de alguns catálogos.

PERDAS TAMBÉM NO AUDIOVISUAL

Já no caso do audiovisual, a estimativa de valor total do mercado de geração por IA (incluído cinema, TV, redes sociais e plataformas como YouTube) é de € 48 bilhões (R$ 305 bilhões) somente em 2028, com perdas para os criadores de € 12 bilhões (R$ 76 bilhões) acumuladas em cinco anos. Já as receitas para as empresas de IA que geram conteúdos de IA poderão somar € 13 bilhões (R$ 83 bilhões) nestes cinco anos acumulados até o fim de 2028.

Para os especialistas da Cisac participantes da divulgação do estudo, em vez de lutar contra o avanço da IA, como tentou fazer a indústria há pouco mais de 20 anos para parar o avanço do digital que esteve no centro da crise da pirataria, é preciso abraçar a inovação. Mas sem descuidar por nenhum momento da proteção aos direitos das pessoas.

“Não podemos nem devemos estar contra a IA. A IA pode ser e é uma ferramenta maravilhosa. Eu a uso pessoalmente, ela pode melhorar a criatividade humana. Mas o progresso nunca pode vir às custas dos direitos dos criadores, eles precisam de uma remuneração justa, e isso não é negociável. Nós, criadores, precisamos estar na mesa de negociações. Devemos nos preparar para a era da IA, e tem que ser agora”, afirmou o presidente da Cisac, o compositor sueco Björn Ulvaeus, um dos criadores do ABBA. “Os operadores de IA estão criando vasto valor econômico. Mas as receitas devem ser compartilhadas com aqueles que criam os conteúdos, que não são públicos, mas protegidos por direitos autorais. Estamos diante de uma questão existencial. A litigância não é a melhor solução, devemos chegar a acordos.”

Marcelo Castello Branco, presidente do Conselho de Administração da Cisac e diretor-executivo da UBC, também interveio na discussão e corroborou as palavras de Ulvaeus:

“Não somos contra a IA ou qualquer tecnologia emergente. Compreendemos plenamente os avanços revolucionários que ela pode e irá proporcionar. Estamos prontos para nos adaptar e temos feito isso há quase cem anos. Mas é necessário que alguém do outro lado cumpra com suas responsabilidades e preste atenção ao valor das obras criativas já presentes no mercado. É preciso haver um campo de jogo justo. Damos as boas-vindas a este estudo porque ele nos ajudará a apresentar nosso caso aos legisladores em todo o mundo.”

De fato, como diz Castello Branco, pela primeira vez foi possível quantificar, em escala global, o tamanho da perda a que estão submetidos os criadores pelo uso de suas obras. Trabalhos anteriores, na Alemanha e na Austrália, ambos divulgados aqui no site da UBC, já haviam trazido estimativas locais ou regionais. O estudo da Cisac, porém, traz cifras maiores e mais acuradas, inclusive sobre a capacidade de geração de renda e receitas da IA generativa, o que dá uma boa dimensão da urgência de regulá-la.

Falando pela classe criativa do audiovisual, a conhecida e premiada roteirista e diretora de cinema espanhola Ángeles González-Sinde Reig, ex-ministra da Cultura em seu país, disse que a expansão da IA generativa na produção de filmes, séries, publicidade e criações para redes sociais pode levar a uma redução dos orçamentos das produções e a salários mais baixos para os criadores humanos.

“Há riscos potenciais para a remuneração e o valor simbólico do trabalho criativo. Por isso é tão importante que atuemos em conjunto, como Cisac. A resposta deve ser coletiva. Cada vez mais nos obrigam a assinar contratos de buy-out (venda total de direitos autorais futuros), o que nos deixa numa posição frágil para negociar. É importante que organizações de gestão coletiva e organismos internacionais tragam respostas globais a problemas globais”, ela afirmou.

De posse de dados concretos sobre a escala do problema, a Cisac pretende continuar a fazer lobby junto a governos e tomadores de decisões globalmente, para convencê-los da necessidade de incluir uma clara proteção aos direitos dos autores nas futuras leis sobre IA.

De acordo com Gadi Oron, diretor-geral da Cisac, é certo que já existem leis de copyright e direito autoral mundo afora, mas não contemplam um cenário complexo em que muitas das big techs desenvolvedoras de IA alegam que a mineração que fazem de obras protegidas para treinar seus sistemas tem propósitos “educacionais” e, portanto, não deve ser remunerada:

“Aproveitando movimentações que já estão mais avançadas na Europa, queremos estimular legisladores ao redor do mundo a aprovar leis que protejam os autores. E esses números e estimativas são grandes argumentos para isso. Legisladores e fazedores de políticas públicas precisam entender o impacto da IA para o setor cultural e criativo. Eles precisam entender a necessidade urgente de proteger os criadores humanos."

 

LEIA MAIS: A fala de Marcelo Castello Branco na íntegra:

Permitam-me começar dizendo novamente que todo material de treinamento de IA tem um proprietário e um endereço, não é material bruto sem proteção. Aplaudimos qualquer movimento político que reconheça a urgência do tema e incentivamos os legisladores a agirem mais cedo, em vez de mais tarde.

Que não haja engano: não somos contra a IA ou qualquer tecnologia emergente. Compreendemos plenamente os avanços revolucionários que ela pode e irá proporcionar. Estamos prontos para nos adaptar e temos feito isso há quase cem anos. Mas é necessário que alguém do outro lado cumpra com suas responsabilidades e preste atenção ao valor das obras criativas já presentes no mercado.

É preciso haver um campo de jogo justo. Por um lado, damos as boas-vindas a este estudo porque ele nos ajudará a apresentar nosso caso aos legisladores em todo o mundo. Por outro, devemos pedir a todos que respeitem os direitos dos criadores.

A rede global da Cisac apela aos operadores de IA para que respeitem os criadores pagando royalties por suas obras. Empresas de tecnologia estão usando materiais protegidos por direitos autorais sem permissão ou compensação, o que coloca em risco os criadores originais e toda a indústria criativa em escala global.

A Cisac representa mais de 5 milhões de criadores e apoia os benefícios potenciais da IA para o setor criativo, que gerou US$ 14 bilhões em royalties no ano passado. Embora recebamos a IA de braços abertos, práticas justas são essenciais para uma colaboração eficaz.

Estamos aqui defendendo fortemente políticas que protejam os direitos dos criadores no cenário tecnológico em evolução. Os operadores de IA devem oferecer transparência e cumprir as leis de direitos autorais, permitindo que os criadores monitorem o uso de suas obras.

Para todos nós, a IA é o maior desafio enfrentado pela indústria criativa e pelos criadores que representamos com orgulho. Esta também é a primeira vez que a disrupção afeta principalmente o processo de criação, e não apenas a distribuição.

Desta vez, gostaríamos de ver o bom senso prevalecer sobre os litígios. Enfrentamos enormes oportunidades se soubermos lidar com nossos desafios juntos.

LEIA MAIS: O estudo na íntegra (em inglês)

LEIA MAIS: Criadores lançam abaixo-assinado para pressionar senadores brasileiros a manterem proteção ao direito autoral no PL da IA 

LEIA MAIS: Artigo: Regras para o meio digital, por Sydney Sanches


 

 



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