Diretor da UBC escreve sobre a perigosa cessão total de direitos futuros sobre uma criação musical, tema de painel no Rio2C esta semana
Por Geraldo Vianna, de Belo Horizonte*
O compositor Geraldo Vianna. Foto: arquivo pessoal
Com as grandes mudanças nas formas de distribuição e nos modelos de negócios da música — depois de um período de indecisão sobre o futuro —, autores e compositores frequentemente são tentados a vender os direitos autorais de sua criação. Normalmente, o processo se baseia na alegação de uma compensação nos valores fixos combinados, com cessão automática dos direitos vindouros da obra. Em alguns casos, ad aeternum. Essa prática é chamada, no ambiente autoral, de cláusula buy-out. E será tema, estes dias, de um painel no Rio2C, com a participação da UBC e promoção da organização Your Music, Your Future, criada especificamente para melhorar a informação sobre o tema.
LEIA MAIS: Relembre a reportagem da edição 44 da Revista UBC dedicada ao buy-out
Os mais variados argumentos são utilizados na criação de um contrato dessa natureza. Entre eles, o mais frequente é a questão do sucesso imprevisível de uma obra, podendo o autor ganhar (na hora da venda) um valor um pouco acima do negociado, sem correr riscos. Sob esse pretexto, e pelas dificuldades econômicas enfrentadas nos últimos anos, muitos criadores se entregam a essa tentação. Podemos perceber um grande risco, principalmente no audiovisual, onde se cultiva, nos dias atuais, o modelo de séries que alimentam as diversas plataformas de streaming. Desnecessário imaginarmos a grande perda que sofreriam aqueles que compuseram a música para os grandes sucessos, nesse formato, que hoje se multiplicam em todo o mundo.
Embora a legislação de vários países não faça restrição a esse tipo de negócio, mesmo tendo em mente que a negociação de qualquer conteúdo criativo pertence exclusivamente ao artista criador ou seu mandatário, não consideramos essa prática recomendável. Não podemos admitir a possibilidade de expansão desse hábito que, por sua natureza de “porta de entrada” para os jovens e emergentes criadores, em alguns casos, se beneficia com uma sutil imposição nos termos contratuais, as mencionadas cláusulas buy-out. Nos preocupa a possibilidade de uma customização e evolução de uma cultura utilizada como critério sine qua non para a concretização da contratação de um serviço artístico de criação musical.
Toda obra disponibilizada ao público tem seus desdobramentos e, consequentemente, seus rendimentos. Beneficiando ou, até mesmo, se tornando uma “aposentadoria” para o criador.
Historicamente, temos grandes e cruéis exemplos de venda dos direitos autorais em todo o mundo. Além de uma possível perda econômica dos rendimentos por utilização da obra, o que mais nos preocupa é a perda de autonomia dos autores sobre a destinação de sua criação. Além da possibilidade, em médio e longo prazos, de um desmoronamento da gestão coletiva, conquistada ao longo de anos à custa de muito trabalho, tendo à frente célebres autores e compositores de todo o mundo, e que tem logrado importantes negócios que nos beneficiam.
A música, além de seu objetivo inicial, destinada a um fim específico, poderá passar por várias etapas, como regravação por outros intérpretes, sincronização em comerciais de TV, utilização em trilhas de cinema, novos arranjos e variações, entre muitas outras possibilidades. Para cada procedimento, a decisão de liberação caberá ao autor ou autores, bem como seus rendimentos, caso mantenham seus direitos preservados.
Para isso temos leis, tratados e convenções internacionais que protegem os criadores, preservando sua autonomia e garantindo um tempo que assegure os direitos aos seus herdeiros, antes que a obra chegue ao domínio público. No Brasil, toda obra musical é preservada por 70 anos após a morte do autor ou dos autores.
Os tempos mudam a uma velocidade assustadora, e tudo isso nos leva ao estado de alerta. As formas de trabalho na área musical se transformaram e trazem novos anseios, desafios… Porém, os autores e compositores continuam sendo a pedra fundamental na criação de novos sons, ideias e conceitos artísticos, ao converterem a essência musical em forma de existência.
Seu trabalho sempre será entre quatro paredes. Sua fonte sempre será o conhecimento da estilística, da linguagem e do objetivo de sua criação. Nós autores, temos que cuidar de nosso futuro e lutar por nossos direitos, a uma só voz. O tempo nos mostrará a vantagem de seguirmos juntos e nos trará o fruto dessas ações.
*Geraldo Vianna é compositor, violonista, arranjador e produtor musical, além de integrar a diretoria da UBC
LEIA MAIS: Cisac internacionaliza campanha educacional sobre a prática de buy-out