Cantora, compositora e violonista recebe Troféu e divide o palco em noite emotiva com Paula Lima, Fernanda Takai e Vanessa Moreno
Por Chris Fuscaldo, do Rio
Fotos de Rapha Urjais
Fernanda Takai, Paula Lima e Marcelo Castello Branco dão o Troféu Tradições 2025 a Rosa Passos
“Sou uma pessoa extremamente realizada ne Europa, Estados Unidos, Japão, América Latina, mas sempre desejei cantar no Brasil, fazer turnê no Nordeste, no Sul... E estou conseguindo, este ano. É um momento mágico da minha vida, e estou muito feliz.”
Rosa Passos é tão grande que não coube em seu próprio país durante quase 50 anos. E a quinta edição do Troféu Tradições UBC fez justiça, nesta segunda-feira (09/6), a essa que é uma das maiores artistas brasileiras. Baiana radicada em Brasília desde que se casou, em 1973, a cantora, compositora e violonista lançou seu primeiro álbum (autoral) em 1979, mas viu seu talento se espalhar pelo mundo todo antes de o Brasil lhe dar o devido valor, algo que está acontecendo com força mais ultimamente, nas descobertas que as gerações seguintes vêm fazendo de seu trabalho.
No palco da recém-reaberta Casa UBC, no Rio de Janeiro, a artista foi laureada e ovacionada por uma plateia especializada – formada por profissionais do mercado da música –, apresentou o show “Suíte Brasileira”, com participação de Paula Lima, Fernanda Takai e Vanessa Moreno, e mostrou sua gratidão por esse momento:
“Este ano estou conseguindo trabalhar no Brasil. Esse show, ‘Suíte Brasileira’, é um apanhado de toda a minha discografia: tem músicas de Tom Jobim, Dorival Caymmi, Noel Rosa, Djavan, composições minhas... (...) Eu costumo dizer que a música é uma entidade. Ela não escolhe qualquer um, mas, quando escolhe a gente, a responsabilidade é maior, porque nosso compromisso com ela é de representá-la. Este momento tem sido muito importante, porque é a prova, o resultado de que estou no caminho certo, no caminho da verdade da música.”
A emoção de Vanessa Moreno após cantar com a madrinha
DESEJO ANTIGO
O Troféu Tradições tem como missão jogar luz sobre grandes artistas que, de certa maneira, não têm o reconhecimento que deveriam ter. Já foram agraciadas Anastácia, Dona Onete, Lia de Itamaracá e Alaíde Costa. Rosa Passos era um desejo antigo do diretor-executivo da UBC, Marcelo Castello Branco, e de todo o conselho.
“Conheci Rosa Passos quando morei na Espanha, ali pelo ano de 2006. Quando se falava em música brasileira, lá, eu só ouvia o nome dela. Todos os artistas, profissionais do meio a louvavam, e eu fui atrás de conhecer melhor o trabalho dela. Descobri que ela tem uma dimensão gigantesca. A maneira como ela canta, o capricho... Tem poucos paralelos no Brasil, poucas mulheres fazendo isso com a dignidade que ela tem. Faz tempo que a UBC estava flertando para ela receber esse prêmio, e estamos muito felizes, porque ela é muito particular”, afirmou Marcelo Castello Branco.
Com Fernanda Takai
Feliz ficou Rosa Passos, que, fora do palco, comentou a alegria de estar recebendo uma homenagem em seu país pela primeira vez:
“Para mim, foi uma coisa muito surpreendente e maravilhosa. Eu sempre fui muito reconhecida no exterior. Já recebi título da Universidade de Berkeley – sou a única cantora latina –, (homenagens) nas cidades espanholas de Pamplona, San Sebastián, participei do Fórum Mundial das Culturas, em Barcelona, e cantei para o rei e a rainha (espanhóis), perto de várias autoridades do mundo, fui indicada ao Grammy... Mas é a primeira vez que o Brasil prepara um evento desse só para mim. Sempre sonhei em ter o reconhecimento no meu país. Então, estou muito feliz e agradecida. E acho que isso é um problema cultural. A música que faço, que tem uma conotação jazzística, não tem tanto espaço no nosso país.”
Não para a massa, mas todo artista que se preze conhece e reconhece Rosa Passos. Não à toa, as três convidadas a cantar com ela emocionaram-se no palco e fora dele. Entre canções de Dorival Caymmi (“Você Já Foi à Bahia?” e “Vestido de Bolero”), Tom Jobim (“Você Vai Ver”) e Djavan (“Álibi”, “Serrado”, “A Ilha”, “Maçã”), Rosa cantou composições suas e fez questão de escolher as músicas que Paula Lima, Fernanda Takai e Vanessa Moreno iriam interpretar no palco da Casa UBC. As três já eram grandes admiradoras da obra e da personalidade artística da artista.
Depois de cantar “Juras”, composição de Rosa com Fernando de Oliveira para o álbum “Momento MPB” (1995), Paula Lima destacou a potência da artista.
Rosa Passos e Paula Lima durante o show
“Rosa é uma mulher negra, baiana, fazendo jazz. É surreal! Ela não se desvirtuou nem buscou o mais fácil. É tanto talento que ela foi capturada pelo mundo e, hoje, a gente pôde ter o prazer de presenciar algo assim. Essa noite foi um bálsamo sonoro, um bálsamo de amor pela música, uma aula de escolha, de caminhos, de repertório, de personalidade, de assinatura e de coletivo. Eu fiquei muito impressionada porque ela falou coisas que eu sinto, mas ouço de pouquíssimas pessoas: ela falou sem pudor do respeito e do amor pela banda, pela equipe”, declarou a cantora e presidente da UBC.
De altíssimo nível, aliás, a banda é formada por amigos de Rosa Passos de anos: Lula Galvão (violão), Jorge Helder (baixo), Celso Almeida (bateria), Marco Brito (piano) e Lucas Andrade (clarineta). Afilhada musical de Rosa Passos, Vanessa Moreno também destaca, além do talento, a generosidade da madrinha. Ela foi a terceira convidada da noite e cantou “Verão”, música do disco “Pano pra Manga” (1996), outra parceria de Rosa e Fernando de Oliveira:
“Quando comecei a estudar canto, sem ter ouvido essa frase que ela falou hoje – ‘nós no palco somos um’ –, era o que eu sentia. Ela coloca o holofote, e todo mundo fica do tamanho que é, inclusive ela. Isso começou a fazer sentido para mim quando eu estava no palco. As pessoas acham que a voz é o mais importante, mas tudo o que está acontecendo ali ajuda fazer a voz a chegar. Quando a conheci pessoalmente, ela falou que ia ser minha madrinha musical, e, a partir daí, nossa relação se estreitou. Rosa tem um papel fundamental nessa minha construção enquanto ser cantante. Ela tem um lugar de potência, de leveza e de inteireza. Acho que a palavra que melhor traduz a Rosa é ‘inteireza’.”
Um momento de apresentação solo de Rosa
Também partiu de Rosa uma aproximação maior com Fernanda Takai, hoje membro do conselho da UBC. Foi quando a vocalista do Pato Fu saiu em carreira solo pela primeira vez – na época do lançamento do álbum “Onde Brilhem os Olhos Seus”, que celebrou a obra de Nara Leão – que a baiana chegou para mostrar à mineira que a graça está nas relações.
“A Rosa tem DNA brasileiro: é sofisticada, mas pega fácil pelo ouvido. Eu conheci a música dela ouvindo a Rádio Inconfidência (MG), no carro. Fiquei louca, querendo conhecer mais. Era o começo do Pato Fu, e eu saí comprando os discos. Quando fiz o show com minha banda, a Rosa foi me assistir em Brasília, e nós ficamos ansiosos para saber se ela viria falar com a gente. E lá veio ela, dizendo que adorou. Ficamos muito felizes. Ela é uma pioneira nesse papel que as novas gerações agora vêm destacando, de que as mulheres têm que cantar seus próprios textos, suas próprias músicas. Ela já está fazendo isso há muito tempo”, afirmou Fernanda, que cantou “Dunas” (Rosa Passos / Fernando de Oliveira) com ela.
Passeando pela bossa nova – sua primeira e maior referência –, pelo samba, pelo bolero e por suas mensagens, através de suas composições, Rosa Passos apresentou 15 canções e encerrou sua “Suíte Brasileira” com “Samurai” (Djavan), deixando a plateia encantada e com a mesma sensação de que demorou, mas finalmente chegou a hora de dar o merecido valor a ela dentro do Brasil.
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