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3 maneiras de salvar as pequenas casas de shows
Publicado em 22/08/2025

Como diversos países, incluindo o Brasil, estão se mexendo para não deixar que as ‘grassroots venues’ fechem as portas

Por Eduardo Lemos Martin, de Bath, Reino Unido

A pequena de shows Esquires, em Bedford, no Reino Unido. Divulgação

Em julho, a prefeitura de Manchester, no norte da Inglaterra, criou um fundo para apoiar as pequenas casas de música ao vivo da cidade. O dinheiro, 250 mil libras (cerca de R$ 2 milhões), veio do aluguel dos parques municipais para shows de nomes como Oasis, Billie Eilish, Olivia Rodrigo e Charlie XCX. Assim como em outras partes do mundo, os espaços independentes de música ao vivo do Reino Unido vêm sofrendo para se manterem de pé. Somente por lá, 125 locais com esse perfil fecharam as portas em 2023, e quase 50% dos que continuam abertos terminaram o ano de 2024 no vermelho.

A preocupação é palpável e moviliza a classe artística. Na terça (19), o Coldplay anunciou uma série de 12 shows em estádios no Reino Unido, com 10% dos lucros sendo doados ao Music Venue Trust, uma organização de pequenas casas de shows independentes.

“Está muito mais difícil para novos artistas tocarem. Quero que os jovens artistas tenham mais oportunidades e mais casas do que nós tivemos, e não menos”, disse Chris Martin, líder da megabanda.

Para Leo Feijó, diretor da Escola Música & Negócios, da PUC-RJ, e mestre em empreendedorismo com ênfase no setor musical pela Goldsmiths, Universidade de Londres, e que pesquisa o tema há anos, sem as pequenas casas de shows, nenhum dos artistas que hoje lotam os parques de Manchester ou as grandes casas de shows de Londres poderia chegar aonde chegou.

“Quando olhamos para os palcos em que o Oasis tocou em sua primeira turnê, há três décadas, somente 11 das 34 casas de shows ainda resistem", exemplifica.

Leo Feijó. Arquivo pessoal

Iniciativas em que o próprio poder municipal abraça a causa, como é o caso de Manchester, estão ficando mais frequentes - Austin, nos Estados Unidos, é uma cidade considerada modelo na valorização dos espaços de músicas locais.

“Palcos de pequeno e médio porte são uma parte essencial da indústria da música. Representam o que seria o laboratório, o departamento de Pesquisa & Desenvolvimento em outros setores econômicos. É nesses palcos em que acontece a inovação. É nesses palcos onde os artistas ganham experiência nas performances ao vivo e onde há a formação de uma base de fãs. Os efeitos do fechamento de uma casa de shows de pequeno ou médio porte são variados: perdem os artistas que ficam sem espaço, há perdas econômicas (menos empregos para músicos, técnicos, produtores e toda a equipe da casa, portanto menos impostos recolhidos), redução da vitalidade urbana naquela área, com a menor circulação de público, entre outras", diz o especialista.

Veja abaixo três estratégias adotadas em diferentes países, incluindo o Brasil, que estão ajudando a manter os espaços de formação vivos:

1 - Apoio governamental

Países como Espanha, Alemanha, Irlanda, Japão, Austrália e Nova Zelândia possuem políticas públicas de preservação e fomento dos seus espaços de música. No Reino Unido, o governo recentemente anunciou verbas de 30 milhões de libras (cerca de R$ 250 milhões) direcionada às pequenas casas de shows. O gerenciamento da verba fica a cargo do mesmo Music Venue Trust que o Coldplay está apoiando. Parte do dinheiro arrecadado na loteria também é reservada para as casas independenttes, e está em curso a discussão de uma proposta de lei para facilitar a abertura de novos palcos em espaços comerciais atualmente desativados.

Na França, os pequenos palcos são apoiados através de diferentes iniciativas públicas - por exemplo, na cobrança de uma taxa de 3,5% sobre a venda de ingressos para shows, valor que financia o Centre National de la Musique (CNM), que por sua vez apoia a atividade de música ao vivo. O CNM é uma agência pública que administra os fundos gerados pelo imposto, fornecendo subsídios e apoio a vários projetos relacionados à música, em especial o setor independente.

Na América do Sul, a Argentina tem o Instituto Nacional de la Música (INAMU), que trabalha no fomento à cena musical, circulação e apoio aos artistas. No Brasil, o governo federal retomou, em 2024, por meio do Ministério da Cultura e da Funarte (Fundação Nacional das Artes), esforços para a criação de uma Agência Nacional da Música e de um Fundo Nacional da Música. São demandas que existem há 20 anos por parte de músicos, produtores, professores, fundadores de selos, casas e demais profissionais da música.

"A Funarte lançou o seu primeiro prêmio de apoio à palcos musicais permanentes em 2010. De lá para cá, o debate em torno da importância das casas de música ganhou outra dimensão", comenta Eulícia Esteves, diretora de música do órgão.

Eulícia Esteves. Foto: Bernardo Guerra Duarte

Neste momento, a Funarte acaba de lançar o texto-base da Política Nacional das Artes (PNA), que passa a ser uma referência conceitual e programática. Na PNA, a manutenção e a programação artística de espaços, bem como as ações de melhoria ou adaptações em espaços artísticos são processos considerados relevantes para a promoção do acesso às artes.

De forma mais concreta, a Funarte mantém, desde 2023, o Programa Funarte de Apoio a Ações Continuadas, que fomenta, por meio de chamadas públicas, grupos, eventos e espaços artísticos. Aos pequenos e médios espaços de música são concedidos apoios de R$ 100 mil a R$ 500 mil por até dois anos consecutivos.

2 - Iniciativas da indústria da música (e fora dela)

Artistas têm se movimentado pela causa. Paul McCartney volta e meia se apresenta em espaços pequenos, como o The 100, em Londres, ou o Clube do Choro, em Brasília. Outras estrelas, como Ed Sheeran, têm se manifestado sobre o tema em entrevistas.

Em Austin, nos Estados Unidos, uma fração do que os hotéis da cidade arrecadam são direcionados para um fundo, que então repassa o dinheiro às casas de shows da cidade. A ASM Global, maior gerenciadora de casas de espetáculos do mundo, tem oferecido treinamento às casas independentes em temas como segurança e marketing. No Reino Unido, a Freenow - concorrente da Uber - doa 1 libra para a Music Venue Trust para cada corrida de táxi realizada por usuários que optam por participar da ação por meio do recurso de doação do aplicativo.

No Brasil, iniciativas similares ainda engatinham.

“A indústria da música é formada por diversos segmentos que não necessariamente conversam. Estamos tentando avançar em um consenso sobre o incentivo ao setor musical no Brasil – em especial para aqueles que não têm acesso a recursos ou têm acesso limitado, como músicos e palcos independentes", diz Feijó, que cita como exemplos positivos ações realizadas por Ecad e UBC durante a pandemia e o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado pelo governo federal em 2022.

No campo da formação profissional, Feijó destaca o Programa UBC de Educação, Diversidade e Impacto Social, com 400 bolsas de estudo por ano em parceria com a Escola Música & Negócios. No mundo da música gravada, a Sony Music Brasil tem investido em projetos como o Crias da Música e o Music Camp, com foco em novos talentos - sejam eles artistas ou profissionais que atuarão nos bastidores.

“A indústria da música, em especial a indústria fonográfica e a de grandes eventos, concentra a maior parte das receitas no Brasil. É preciso trabalhar para a promoção de uma maior diversidade. E isso passa pelo apoio a palcos e festivais independentes, à educação musical nas escolas, à formação para o mercado da música, à valorização da música popular em seus territórios, ao fomento a musictechs e outras iniciativas”, observa o especialista.

3 - Iniciativas educativas e da sociedade civil

Em Porto Alegre, existe o "Selo Bar que Respeita o Músico", concedido pela prefeitura a estabelecimentos que repassam 100% do valor do couvert artístico aos músicos. A iniciativa visa a valorizar os artistas e garantir que recebam a totalidade do valor cobrado pelo couvert. O selo é parte da Lei Municipal nº 14.015/24, de autoria do vereador Roberto Robaina (PSOL), em parceria com a Associação de Músicos da Cidade de Porto Alegre (Assompoa). A lei estabelece que os estabelecimentos devem divulgar o percentual do couvert repassado aos artistas e podem solicitar o selo, que será concedido mediante a concordância dos músicos. 

No Reino Unido, o próprio público tem se mexido para evitar o fechamento de pequenos palcos. Em 2023, uma campanha liderada por Ed Sheeran anunciou que 9 espaços independentes na Inglaterra seriam comprados por pessoas comuns em um sistema de cooperativa. Grandes players da indústria, como Amazon Music, Warner e Sony têm dado apoio financeiro à iniciativa, que quer livrar os espaços da especulação imobiliária.

Público lota o mítico Rebellion Bar, de Manchester, Reino Unido. Foto: Chris James Ryan/Shutterstock

“No Brasil, há exemplos de financiamento coletivo para salvar casas ou viabilizar a programação. No Rio de Janeiro, o Bar Semente, na Lapa – palco do choro, samba e da música instrumental – conseguiu sobreviver por algum tempo antes de fechar. O Audio Rebel, em Botafogo, também já utilizou o mecanismo", comenta Feijó.

Pequenas casas de shows britânicas também têm feito campanhas educativas com o público, reforçando a importância das pessoas comprarem ingressos antecipados, consumirem bebida e comida no local e prestigiarem a lojinha do artista. A frase “comprar merchandise é a forma mais direta de você ajudar o artista” está afixada nas paredes de dezenas de palcos do país.

Para Eulícia Esteves, da Funarte, a participação da sociedade civil é peça importante e passa, também, por um trabalho de explicar às pessoas que a importância destes espaços vai muito além do entretenimento.

“Se a gente pensar de forma ainda mais estruturante, um fator fundamental é o acesso às artes nas escolas, por exemplo. O contato com as artes desde a infância cria interesses, vínculos, forma cidadãos que valorizam as artes e que depois querem frequentar espetáculos artísticos", conclui.

 

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