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Reino Unido taxará megashows para financiar pequenos palcos do país
Publicado em 14/01/2025

Medida busca frear o fechamento acelerado de casas de shows independentes, fundamentais para a renovação da música

Por Eduardo Lemos Martin, de Bath, Inglaterra

O brasileiro Leo Middea durante apresentação recente no The Folklore Rooms, em Brighton, Inglaterra. Foto: Camila Pastorelli/Pássaros Films

No final de novembro de 2024, o governo do Reino Unido anunciou que uma porcentagem de cada ingresso vendido em shows em arenas e estádios será repassado às casas independentes, artistas, festivais e promotores do país. A nova política, que deve ser colocada em prática nos próximos meses, é uma resposta do governo local ao número crescente de pequenas casas de shows fechando as portas no país. Só em 2023, ao menos 125 casas independentes dedicadas à música encerraram suas atividades, segundo relatório da ONG britânica Music Venue Trust. O mesmo estudo descobriu que 37% dos que ainda mantêm as portas abertas fecharam o ano com prejuízo financeiro. 

“A decisão do governo britânico foi histórica e reconhece, finalmente, a relevância das casas de shows de médio e pequeno porte para o ecossistema da música. Algo que a própria indústria de concertos ao vivo, a indústria fonográfica e as plataformas de streaming não fizeram - ainda que sigam lucrando com novos talentos que só existem por conta do circuito de casas. Ainda falta definir os detalhes para regulamentar essa contribuição a ser repassada por megaventos em estádios e arenas, mas a perspectiva é positiva", diz Leo Feijó, diretor da Escola Música & Negócios, da PUC-RJ, e mestre em empreendedorismo com ênfase no setor musical pela Goldsmiths, Universidade de Londres. 

A Music Venue Trust classificou a medida como “um sucesso retumbante".

“É a mudança mais significativa em mais de cinquenta anos de música britânica na mecânica básica de como a indústria ao vivo apoia financeiramente novos e emergentes talentos, os espaços que os recebem e as pessoas que assumem riscos para apresentá-los", disse a organização em nota.

DONOS DE CASAS CELEBRAM

Uma dessas pessoas é Jacko Hooper, 32, dono da casa de shows The Folklore Rooms, em Brighton, no litoral inglês. O aconchegante espaço no centro da cidade tem capacidade para 60 pessoas e recebeu mais de 300 apresentações só em 2024, incluindo as de dois artistas brasileiros - Luiz Gabriel Lopes e Leo Middea, ambos com ingressos esgotados. Para Hooper, “a nova política, se implementada corretamente, pode mudar o jogo para locais como o The Folklore Rooms.” 

“No final das contas, acredito que o principal objetivo dos locais de música é não ter que vender bebidas para existir. Ter mais segurança como local e obter apoio financeiro que nos ajude a não operar mês a mês seria ótimo. Também nos permitiria melhorar os cachês para os artistas com quem trabalhamos. Seria um sonho que se tornou realidade", diz o empresário à UBC.

Ele critica a demora do governo em reagir ao problema.

“O dinheiro na indústria ao vivo no Reino Unido está lá, não deveríamos ter em média um local de música popular fechando por semana devido à falta de fundos. Não há falta de dinheiro. Ele apenas não está atingindo as áreas que deveria.”

Jacko Hooper, dono do The Folklore Rooms. Divulgação

O fechamento em série de pequenas casas de música no Reino Unido e a intervenção do governo anunciada em novembro têm jogado luz sobre o papel essencial dos espaços independentes em revelar novos talentos. No entanto, na opinião de Hooper, esses locais têm um impacto cultural e social ainda mais relevante do que apenas servir de palco para bandas iniciantes.

“O lado local das coisas tem sido negligenciado, subfinanciado e extremamente subestimado pela indústria e pelo governo até aqui. Acho que há uma conversa que precisa ser feita dentro da indústria sobre nossos locais de menor capacidade também. Não existimos apenas para ser um caminho para os artistas seguirem para salas maiores. Temos um ecossistema inteiro de músicos em turnê, engenheiros de som, promotores e programadores de locais que conseguem pagar suas contas devido ao nosso espaço de tamanho modesto. Há também um enorme impacto cultural que os locais pequenos fornecem, que não para de existir quando as bandas vão para locais ou arenas maiores. Não somos apenas um trampolim, mas algo financeiramente e culturalmente benéfico para todo o ecossistema.”

E COMO ANDA A DISCUSSÃO NO BRASIL?

Shows em estádios lotados, pequenas casas de shows fechando. Esse desequilíbrio na indústria da música ao vivo não é uma realidade apenas no Reino Unido. Embora não haja números oficiais, é visível que no Brasil o número de espaços independentes é cada vez menor, enquanto os megashows e megafestivais não param de crescer.

“No Brasil essa discussão ainda está muito embrionária", reconhece Feijó.

Ele, porém, diz ter apresentado “informalmente” a adoção de medida semelhante à do governo britânico à direção da Funarte, durante a última edição da feira de música Womex, que aconteceu em outubro na Inglaterra. 

“A discussão se faz num contexto de criação da Agência Nacional da Música, proposta na Conferência Nacional de Cultura", explica o empreendedor, que criou uma das mais famosas casas de shows de pequeno e médio porte do Rio de Janeiro, a Casa da Matriz, além de diversos outros palcos na cidade, e também atuou como coordenador de música e subsecretário de Cultura do governo estadual do Rio entre 2016 e 2018. 

Leo Feijó. Divulgação

Para ele, é preciso ação política para mudar o cenário atual.

“Quando o mercado não consegue encontrar um equilíbrio, o governo deve reunir lideranças e elaborar políticas públicas. Caso contrário, em breve teremos apenas megaeventos patrocinados. Com isso, perde a música popular, e perdem as cidades, pois essas casas e espaços de música têm múltiplos impactos positivos para o país.” 

Talvez outra ação que possa ser copiada dos britânicos é buscar o apoio para a causa dos grandes nomes da indústria nacional. No Reino Unido, astros pop como Sam Fender e Katy Perry prometeram doar 1 libra (R$ 7,38) para cada entrada vendida em seus shows pelo país.

“Tenho orgulho de doar para o Music Venue Trust, para que locais como Water Rats e Scala possam continuar a inaugurar a próxima geração de talentos musicais", disse Perry, citando dois espaços de shows independentes de Londres.

Já o Coldplay anunciou que 10% do que for arrecadado com a bilheteria de seus shows no verão britânico serão repassados à mesma ONG. 

 

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