Símbolo da cultura paraense, ele tinha câncer e partiu em pleno Dia Municipal do Carimbó, celebrado em Belém nesta terça
De São Paulo
Nascido em 1954, na Comunidade Quilombola do Salvá, em Salvaterra, Damasceno Gregório dos Santos teve uma infância e uma adolescência empapadas da rica cultura do arquipélago do Marajó. Mesmo depois de perder a visão num acidente de trabalho, com só 19 anos, aquelas imagens e cores nunca saíram da sua mente, misturando-se a sons, cheiros e outros estímulos que definiram sua personalidade. Através da poesia, o artista Mestre Damasceno reinventou a própria história e abraçou o carimbó, as toadas, a oralidade popular — que ele eternizou num rico repertório de mais de 400 composições, com 6 álbuns gravados ao longo de cinco décadas de carreira.
Um dos principais nomes do carimbó, o músico, compositor e cantor partiu justamente nesta terça-feira, 26 de agosto, em que Belém comemora o Dia Municipal do gênero. O Estado do Pará prontamente decretou luto oficial de três dias. O Ministério da Cultura manifestou pesar, descrevendo-o como “uma liderança inquestionável da cultura marajoara”. E as homenagens não tardaram a se espalhar pelas redes sociais.
Pudera, a trajetória de Mestre Damasceno o torna uma das figuras mais queridas do carimbó, referência para diferentes gerações impactadas por seus muitos projetos culturais, como o Búfalo-Bumbá de Salvaterra, manifestação junina que une teatro popular, cultura quilombola e elementos da Amazônia; o Conjunto de Carimbó Nativos Marajoara; e a idealização do Cortejo Carimbúfalo, que leva às ruas de Salvaterra uma mistura singular de carimbó com Búfalo-Bumbá.
Reconhecido como mestre de carimbó pelo Iphan em 2017, Damasceno acumulou diversos títulos ao longo da vida. Já em 1973 havia conquistado seu primeiro prêmio, ao ser campeão como colocador de Boi-Bumbá em Soure. Entre outros reconhecimentos, recebeu o Prêmio Mestre da Cultura Popular do Estado do Pará – SEIVA (2015) e duas premiações da Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural do antigo Ministério da Cultura.
SAMBA E MEDALHA
O alcance de sua obra ultrapassou o Marajó e o Pará. Sua composição “A Mina é Cocoriô!” foi escolhida pela escola de samba Grande Rio para o carnaval de 2025, em homenagem ao Pará. E em maio de 2024, no Rio de Janeiro, o artista foi agraciado com a Ordem do Mérito Cultural, a mais alta distinção concedida pelo Ministério da Cultura. A medalha foi entregue pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra Margareth Menezes. Na ocasião, emocionou-se ao recordar sua ancestralidade quilombola:
“São mais de 50 anos dedicados às tradições culturais marajoaras, e hoje colho os frutos de uma vida inteira de trabalho.”
Com Margareth e Lula, na entrega da Ordem do Mérito Cultural. Fotos: arquivo pessoal
Em 2022, participou, junto com outros bambas da música paraense, de uma histórica noite de carimbó no Theatro da Paz, em Belém, durante a entrega do Troféu Tradições UBC a Dona Onete. Em entrevista à Revista UBC, foi só elogios à homenageada:
“Ela canta o pitiú (o cheiro forte do peixe, em 'No Meio do Pitiú', seu maior hit) e fica bonito. Esse vozeirão dela está levando o Pará para longe.”
Os sons de Mestre Damasceno, empapados de imagens, cores e poesia, também levaram e continuarão a levar o Pará para longe. Mas a vida do artista foi interrompida na madrugada desta terça, depois de meses de luta contra um câncer diagnosticado já com metástase no pulmão, no fígado e nos rins.
“Hoje o dia ficou mais triste com a notícia do encantamento do Mestre Damasceno, a cultura popular do Marajó ficou óprfã. O Mestre ensinou o respeito à tradição marajoara com seu Búfalo-Bumbá. Viva o Mestre Damasceno!”, exalta Márcia Xavier, gerente da filial da UBC no Recife, responsável pela filiação dele.
O velório está marcado para as 16h, no Museu do Estado do Pará. Na quarta-feira (27), segundo informou à UBC sua equipe de produção, o cortejo fúnebre partirá para sua terra natal, Salvaterra, onde haverá outra cerimônia e será feito o enterro. Em nota, a família manifestou tristeza pela partida e agradeceu pelas muitas homenagens que ele vem recebendo.
“Figura essencial da cultura paraense e amazônica, Mestre Damasceno deixa um legado de saberes, histórias e ensinamentos que marcaram a vida de todos que tiveram a honra de conviver com ele. A família agradece as orações e manifestações de carinho recebidas nos últimos dias.”
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