Relatório da entidade mostra baixo incentivo tributário, na comparação com a indústria e o agro, e pede uma Agência Nacional de Música
Por Ricardo Silva, de São Paulo
O mercado da música no Brasil vive um momento de expansão acelerada. O PIB do setor atingiu R$ 116,06 bilhões em 2024, consolidando-se como um dos motores da economia criativa. Mas, segundo a Associação Nacional da Indústria da Música (Anafima), que assina o detalhado estudo através do qual os números se deram a conhecer, o tamanho desse mercado ainda não se reflete na atenção que recebe de governos e formuladores de políticas públicas.
Os serviços responderam por quase 88% do PIB da música, e a música ao vivo liderou com ampla margem: R$ 94 bilhões de faturamento, cerca de 81% de toda a atividade econômica do setor. O público está gastando mais — o ticket médio dos eventos ficou em R$ 432 —, e os megashows seguem puxando o mercado. Eventos do Rio de Janeiro, especificamente, responderam por parcelas significativas das receitas relacionadas à música: em primeiro lugar, veio o Carnaval da cidade, com R$ 5 bilhões; depois, o Rock in Rio, com até R$ 2,9 bilhões; e, por fim, o show da cantora Madonna em Copacabana, em maio do ano passado, que teria gerado R$ 469 milhões.
“O mercado da música é tão importante quanto qualquer outro grande mercado. Muitas vezes, nosso setor é considerado hobby, entretenimento, algo menor. Com este estudo, esperamos conseguir direcionar o olhar para uma indústria fundamental, e que ainda recebe muito pouco investimento em relação ao PIB”, afirmou à UBC Daniel A. Neves, presidente da entidade, que destaca: o cálculo se baseou num complexo cruzamento de dados de fontes oficiais, deixando de fora o mercado submerso. “Sabemos que muito da atividade do setor musical é informal. Mas não nos aventuramos a fazer esses estimativa. Só com os dados formais já temos um mercado enorme.”
O relatório mostra que 2025 está ainda mais aquecido: até agosto, o número de eventos cresceu 31% em relação ao mesmo período do ano passado, saltando de 752 para 988. Mas esse dinamismo está concentrado em poucas regiões: o Sudeste concentra 67% dos eventos, e São Paulo, sozinho, responde por quase um terço das empresas do setor.
STREAMING DOMINA MÚSICA GRAVADA
A música gravada também apresenta crescimento expressivo. Em 2024, o setor movimentou R$ 3,486 bilhões, avanço de 21,7% sobre o ano anterior. O streaming representa 87,6% de toda a receita, com destaque para as assinaturas, que respondem por 68% do total (R$ 2,077 bilhões). O Spotify lidera o mercado, com 60,7% de participação.
Outro dado que reitera a força cultural brasileira é a predominância da produção nacional: 93,5% das 200 músicas mais consumidas no país em 2024 são brasileiras. A arrecadação de direitos autorais acompanhou o crescimento, somando R$ 1,8 bilhão (+12%) e distribuindo R$ 1,5 bilhão para 345 mil titulares entre todas as sociedades do Ecad, com o streaming já respondendo por 26% do total.
Daniel A. Neves, presidente da Anafima. Foto: arquivo pessoal
INVESTIMENTOS AINDA TÍMIDOS
Apesar da força econômica, a música ainda recebe menos de 1% dos incentivos tributários federais — uma proporção muito menor do que setores como o automotivo e o agronegócio.
“Quando a gente faz um comparativo entre o que recebem outros setores, como o automobilístico e o agro, vemos como estes dispõem de bastantes mais facilidades tributárias, através de isenções. Para colocar na mesma régua, uma isenção e uma lei de incentivo, como a Lei Rouanet, acabam tendo efeitos similares. Então, essas outras indústrias ficam com uma fatia muito maior da renúncia fiscal”, disse Neves. “Há um pensamento um pouco desvirtuado quando falamos de leis de incentivo. Politizou-se demais essa questão. Um dos objetivos da Anafima é trabalhar isto de forma transversal, azendo a sociedade entender o quanto é importante investir na indústria cultural e criativa.”
Além da baixa prioridade orçamentária, a base empresarial do setor é frágil: 88% das empresas são microempresas, 47% são MEI e 86% estão no Simples Nacional. A dependência externa também preocupa — 99% dos instrumentos e equipamentos de áudio são importados, o que eleva preços para o consumidor brasileiro, que paga até o dobro do valor praticado em mercados como EUA e União Europeia.
AGÊNCIA NACIONAL DE MÚSICA
Para enfrentar esses desafios, a Anafima propõe a criação de uma Agência Nacional de Música (AGEMUS), que teria como papel organizar o setor, estimular a formalização e articular políticas de fomento e exportação de cultura.
“A música sempre foi um dos nossos principais soft powers, talvez o maior de todos. E a gente vem deixando de utilizá-la como ativo para o país”, argumentou o presidente, citando o exemplo da Coreia do Sul, que usou suas indústrias culturais e criativas (k-pop, séries, filmes) como estratégia de projeção internacional. “A música transforma a imagem do país lá fora. Há países como a Coreia, que tinham pouca relevância para a nossa cultura e que, nos últimos anos, passaram a estar na ótica dos nossos jovens. O Brasil, durante décadas, foi um exportador de cultura, com a bossa nova, com o samba. A Agência poderia ajudar nessa projeção, trabalhando com ApexBrasil, Ministério da Cultura e Ministério do Turismo.”
O relatório conclui que a música é um ativo estratégico de alto retorno para o Brasil, capaz de atrair turistas, gerar empregos e moldar a imagem do país no exterior. Para a Anafima, transformar esse potencial em política de Estado é um passo fundamental não só para aumentar o protagonismo do país lá fora, mas, sobretudo, para continuar a mover a roda da economia aqui dentro.
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