O bandleader André Frateschi, cantor, ator e, há dez anos, vocalista da formação especial da Legião Urbana, explica o projeto à UBC
Por Alessandro Soler, de Madri
Foto: Otavio Sousa
Os quatro integrantes da banda Undo têm décadas de experiência pregressa na música. E esta talvez seja a chave para a previsível longevidade do projeto. Com o cantor, compositor e ator André Frateschi como bandleader, as guitarras de Rafael Mimi (ex-NX Zero) e Johnny Monster, o baixo de Dudinha e a bateria de Rafael Garga, a formação surgida há menos de um ano já deu liga de uma forma que, talvez, não tivesse acontecido se todos fossem pós-adolescentes recém-egressos de uma garagem.
“Estamos naquele momento em que sentimos que não precisamos provar nada. Todo mundo já sabe dos brilhos e dos lugares não tão brilhantes uns dos outros. Estamos abertos a ouvir o outro, sem bater o pé para provar ponto nenhum. Tem uma generosidade bonita que a maturidade trouxe”, descreve André, que anuncia para o final do outubro o lançamento do primeiro álbum do grupo, com 10 faixas e as participações de Leoni, Dado Villa-Lobos e Carlos Trilha.
A ligação dele com Dado, aliás, é antiga: desde 2015, André Frateschi é o vocalista de uma formação especial da Legião Urbana, integrada ainda por Marcelo Bonfá, para celebrar o legado perene de uma das bandas mais influentes da história do rock nacional. Mesmo feliz interpretando as poderosas canções criadas por Renato Russo e os companheiros da Legião, o agora cocriador da Undo sentiu que era hora de começar algo novo:
“Ao longo dos anos, interpretei mais coisas de outros compositores do que minhas. Tenho meu projeto solo, com o disco ‘Maximalista’, de 2015, um disco importante pra mim, mas que não consegui viabilizar para tocar por aí. O que eu queria mesmo era ter banda autoral de novo, me juntar com amigos e compor numa sala numa terça-feira à tarde, coisas que a gente faz quando jovem. E me surpreendi, porque esse canal está funcionando bem. A banda, pra mim, já valeu pelos encontros que estamos tendo. Estamos nos divertindo."
O resultado dessa reunião é um som que mistura pós-punk, rock alternativo e indie. Undo, André explica, é um chamado a “desfazer” coisas, como diz seu nome em inglês, mas também “é como o mundo sem m, um mundo em pedaços, que vai se desfazendo.” Embora em pedaços, single a single, com cinco deles já lançados, seu projeto de estreia quer costurar uma narrativa única.
“Como antigamente, sabe? Somos da época do vinil (risos), por isso vamos lançar também o LP nesse formato. O disco foi pensado para contar uma história. Exatamente como aprendemos a ouvir e como achamos que a experiência de audição é mais interessante”, resume.
Por que um projeto autoral agora?
ANDRÉ FRATESCHI: É um chamado que a gente sente. Estava com (Rafael) Mimi do lado, tocando em outros projetos que tenho, e a gente começou a falar sobre a possibilidade de compor juntos. Em princípio seria um trabalho solo. Mas aí entendi que, pra ser de verdade, tinha que ser banda, com todos os problemas e delícias que tem esse processo. E os temas da Undo estão muito vivos dentro de mim. Tem um prazer de se juntar e fazer música que é uma coisa meio inexplicável. Um prazerzão muito palpável que eu não sentia há muito tempo. Essas coisas estavam muito adormecidas. E, depois de 10 anos cantando as coisas do Renato, do Dado e do Bonfá, agora essa vontade saiu.
Há seis meses, eu lhe perguntaria sobre como é lançar um projeto dedicado ao rock num contexto de queda no público do gênero ano após ano. Mas a verdade é que um estudo recente da consultoria Luminate mostrou que, globalmente, ele voltou a ganhar força e é o gênero que mais cresce em audições no Spotify este ano. O que é que o velho rock tem que o torna essa fênix capaz de atravessar épocas e se manter relevante?
Não tinha visto esse dado, mas minha antena está me dizendo isso há um tempo já. Há muito não ouvíamos lançamentos tão legais, bandas consagradas lançando discos relevantes de novo. E, pela minha experiência com Dado e Bonfá nestes dez anos, vejo a receptividade dos jovens ao rock. Sinto que esse velho dinossauro aparece quando é necessário. A gente vive no mundo uma onda muito brava de neofascismo, coisas muito horrorosas aflorando. E o rock é um grito de rebeldia em sua origem, que depois foi sendo assimilado e virando um produtão. Mas sinto que agora está voltando a esse papel. O rock é de novo um grito. E o mundo precisa dele. Vivemos um hedonismo forte nos últimos anos, e tudo bem, mas foi muito tempo com o sertanejo e o funk falando de festa, de beber. Foi como uma cana-de-açúcar passando na máquina do caldo de cana cinco vezes. Se esgotou. O rock me parece que pode abrir espaço para outras coisas.
Você dizia que a banda nasceu de uma ideia sua e do Mimi e que, depois, os outros entraram. Como foi isso?
Mimi e eu fazemos parte da banda Hospitais, um trabalho que a Anna Butler lidera e dirige, na qual nos apresentamos de forma beneficente em hospitais, asilos, centro de acolhida de imigrantes… Nesse trampo eu conheci o Johnny Monster, já sabia do talento dele de outros trabalhos. Foi o primeiro que se juntou a nós no núcleo inicial. E faz parte desse trio que tem composto mais, que somos ele, o Mimi e eu. Senti que a gente conseguiu aquela química difícil, improvável, quase um milagre. O Johnny é uma parte muito, muito importante dessa banda. Aí temos o Dudinha, um amigo de longa de data, que toca com todo mundo, um dos melhores produtores do país. Foi premiado este ano pela produção e mixagem do disco da Silvia Machete no Prêmio da Música Brasileira. Temos um método que é assim: fazemos as músicas, as demos, e as mostramos pro Dudinha. Ele enriquece o processo com esse olhar de produtor. E quem entrou fechando foi o Rafael Garga, baterista trazido pelo Johnny Monster, que é um baterista dos sonhos. Tem um ouvido muito bom, muito musical. Estou muito feliz com esse time. A gente se juntou e está fazendo shows por aí. Têm acontecido coisas muito interessantes.
Como vai ser a transformação desses singles no álbum?
A gente acabou de lançar o quinto single, que é “Melodrama”. E o álbum completo vai ter 10. Temos participações muito legais, uma parceria com o Leoni na música “Aprender a Perder”, que já saiu. Vai ter também uma com o Dado, em “Kill Billy”, uma música que eu adoro e que vai sair junto com o disco. Também teve o Carlos Trilha, que mixou uma música pra gente… E o que tem sido interessante é que tenho mostrado a banda para essa turma que é muito inspiradora, do rock 80 Brasil, como Bruno Gouveia, do Biquini, para o Baroni, gente que tem ido nos escutar e sai muito estimulada. O Guilherme Isnard, vocalista do Zero, foi assistir a um show nosso. Saiu de lá e decidiu montar uma nova banda. Está montando, juro (risos)! A gente provavelmente vai fazer algo juntos.
Como é esse processo de vocês, do Undo, de criar juntos? É coletivo, como num songcamp de criação, digamos? Ou cada um vai somando sua parte individualmente?
Nós temos feito encontros entre nós. Posso te falar da minha sensação esquisita na primeira vez: é como estar pelado na frente um do outro, expondo a delicadeza, a criatividade, o lugar de criação para o outro. Mas passamos essa estranheza e pudemos acessar um lugar muito bonito dentro da gente. Uma disponibilidade total. Tem uma grande vantagem não ser uma banda de moleques. Estamos naquele momento em que sentimos que não precisamos provar nada. Todo mundo já sabe dos brilhos e dos lugares não tão brilhantes uns dos outros. Estamos abertos a ouvir o outro, sem bater o pé para provar ponto nenhum. Tem uma generosidade bonita que a maturidade trouxe.
Vocês, de fato, já não são moleques. Mas a energia da banda, no som de vocês, nas entrevistas que pude ver, transmite a mesma paixão, um sentimento de banda de garagem experimentando coisas. O que os leva a conservar essa capacidade de se maravilhar com a música, de manter a energia acesa?
Quando os amigos perguntam qual é a de fazer uma banda a essa altura, eu respondo que estou me sentindo vivo, muito vivo. E sinto que o que estamos fazendo é relevante pra nós mesmos. Se for pra mais alguém, que sorte! A gente está muito empolgado e se maravilha por perceber que o que estamos vivendo não é corriqueiro, não é comum. A música dá um negócio que nada mais dá. É uma arte (maior) dentro das artes. A gente já passou tempo suficiente aqui no planeta pra saber que não é todo mundo que tem isso, a sorte de viver e trabalhar com música. Li uma vez algo mais ou menos assim: a arte não muda o mundo, mas muda um minuto. E isso já é muito. Cada apresentação que faço ao vivo, para mim, é sempre a última, o último momento. Como se não houvesse mais nenhum depois. É um privilégio estar ali, é o meu jeito de me encontrar com Deus: na troca com meus parceiros, com o público, na composição. É de uma beleza insuperável. E sinto que é algo comum a todos que entramos nessa banda, somos muito conscientes da beleza de sermos artistas. Da dureza já sabemos também (risos). Mas acho que estamos falando aqui de algo capaz de mudar o mundo. E acho que estamos mudando, cada um mudando o seu. A cada minuto, pouquinho a pouquinho.
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