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Streaming: desaceleração ou mudança de foco?
Publicado em 09/09/2025

Relatório da consultoria Luminate mostra crescimento de streams abaixo de anos anteriores e ainda joga luz sobre o rádio; analistas comentam

Por Alessandro Soler, de Madri

Desde que foi publicado há algumas semanas, o Midyear Music Report 2025 (ou relatório de meio de ano), elaborado pela respeitada empresa de análise de dados e consultoria para o mercado musical Luminate, vem alimentando análises variadas — e, por vezes, opostas. De um lado estão os que vêm os 10,3% de crescimento nas audições do streaming, no primeiro semestre deste ano, como um número positivo, que confirmaria a consolidação das plataformas de áudio como carro-chefe da indústria. De outro, há quem veja um cenário bem mais complexo e incerto.

Neste último grupo está Damion Young, produtor musical, analista e executivo de rádio americano, que põe sobre a mesa a sequência dos relatórios de meio de ano de 2023, 2024 e 2025 para justificar seu argumento. Se, no primeiro ano comparado, os streams haviam saltado 22,9% em relação a 2022, em 2024 a alta já havia caído para 15,1%. Os 10,3% de agora, então, não deixariam dúvidas:

“É uma óbvia desaceleração. E não só no número de streams, mas também no número de streams de canções novas. A maioria das músicas que lideram as paradas são recicladas dos dois anos anteriores, e apenas um lançamento novo entrou no top 10 dos EUA. A indústria continua lucrativa, é verdade, mas os novos lançamentos no streaming parecem estar perdendo fôlego para a nostalgia.”

OS VELHOS HITS SALVAM

De acordo com a análise dele, o protagonismo da música de catálogo — alimentado, em parte, com as descobertas de hits 'velhos' pela geração Z através de vídeos no TikTok — foi o responsável por evitar uma desaceleração que poderia ter sido ainda maior nos streams do primeiro semestre. Por trás desse amor pelo passado, aliás, poderia estar uma causa subjacente sobre a qual pouco se fala, mas que vem provocando discussões na indústria há um tempo: haveria um princípio de “cansaço” do público com os gêneros dominantes, como o hip hop, nos EUA, e o reggaeton, na América Latina, por exemplo.

Como a corroborar isso, o relatório da Luminate mostra que os gêneros que mais vêm crescendo nos últimos meses são o rock, a country music (nos EUA), a música cristã/gospel e sons latinos “raiz”, como bachata, cumbia e outros. Um fenômeno que desperta a atenção de Leo Morel, analista brasileiro, pesquisador e consultor do mercado musical. Para ele, o que parece ser o início de uma era de transição no streaming — com crescimentos menos robustos e uma maior diversificação de gêneros e públicos — traz desafios, mas também oportunidades.

“O mercado está mudando, amadurecendo e se sofisticando. As empresas e artistas vão obter resultados positivos se priorizarem o entendimento profundo de suas audiências, a autenticidade em suas propostas de valor e a inovação em suas estratégias de engajamento. Enquanto o rock lidera o crescimento geral, a música cristã/gospel está construindo uma base de fãs jovens e altamente engajados, e o R&B está sendo impulsionado por uma geração de ouvintes que vem descobrindo músicas via Twitch. Isso sugere que o futuro da música não está no crescimento uniforme, mas na capacidade de entender e nutrir nichos específicos com estratégias personalizadas”, afirma Morel.

ONDAS (AINDA) EM ALTA

Nicho e especialização de um lado; broadcast tradicional de outro. O relatório da Luminate também jogou alguma luz sobre o rádio, um meio frequentemente subestimado.

“Ele continua a ser a principal fonte de áudio diário nos EUA, representando 34% do tempo de escuta, dominando nos carros com 84% e capturando dois terços da publicidade destinada ao áudio. Isso é muita coisa”, resume Young. "As pesquisas muitas vezes subestimam seu alcance, porque a maioria delas é feita online."

Já os números de vendas de música, tanto de cópias físicas como digitais, vêm caindo. Nos EUA, só para ficar no maior mercado, as cifras de álbuns vendidos caíram 6% em relação ao primeiro semestre de 2024, com retração de 17,7% nas vendas digitais e 3,2% nas físicas, incluindo vinis, CDs e fitas. Ou seja, o consumo musical parece estar se sedimentando entre um streaming todo-poderoso — mas que cresce menos do que há alguns anos — e um rádio que parece sobreviver, apesar das muitas sentenças de morte ditadas contra ele.

VOZ DISSONANTE

Sem entrar no mérito do rádio como um competidor sério do streaming, a analista Mathilde Neu, da consultoria e distribuidora digital Reprtoir, continua a ver as plataformas como um pilar sólido e essencial para a indústria nos próximos anos — isso apesar da aparente desaceleração no crescimento dos streams:

“Um crescimento de 10,3% é um crescimento, oras! Enquanto formatos e tendências continuam mudando, o streaming permanece como a espinha dorsal do negócio da música e está evoluindo de maneiras que importam para gravadoras, editoras e detentores de direitos. Mas já não estamos apenas adicionando ouvintes casuais. O que está crescendo agora é a profundidade: mais reproduções repetidas, mais descobertas de nicho e maior engajamento dos fãs em torno de catálogos.”

O engajamento de superfãs, aliás, para ela, continua a ser uma pedra-fundamental do crescimento do mercado nos próximos anos.

“São ouvintes que seguem, compram, repostam, criam playlists, participam e comentam. E eles estão gerando uma parcela desproporcional do valor. Segundo a Luminate, os superfãs têm quase o dobro de chances de pagar por assinaturas, comprar produtos e comparecer a eventos. Isso é significativo por dois motivos. Primeiro, prova que o volume de streams, sozinho, não é a métrica a ser perseguida. Segundo, destaca o quanto é importante identificar, compreender e reter esses ouvintes”, ela afirma.

HIPERSEGMENTAÇÃO

Estudar e entender o complexo e mutante comportamento dos fãs é uma premissa vital para sobreviver neste mercado em transformação acelerada. De acordo com Leo Morel, a “hipersegmentação demográfica revelada no relatório é o insight mais relevante do estudo”:

“Os dados mostram que não basta mais pensar em ‘audiência jovem’ ou ‘mercado masculino’. É necessário entender que ouvintes de R&B (54% são mulheres da geração Z que descobrem música no Twitch) têm comportamentos completamente diferentes dos fãs de hard rock (69% são homens millennials que descobrem música em videogames, e que são duas vezes mais propensos a comprar vinil). Esta distinção comportamental representa uma oportunidade bastante relevante para artistas, selos e marcas que conseguirem adaptar suas estratégias de marketing, distribuição e engajamento para cada ecossistema específico.”

Por fim, Morel menciona o elemento disruptivo que certamente mexerá muito no tabuleiro desse xadrez nos próximos meses e anos: a IA. Os dados da Luminate mostraram que fatias significativas do público — quase 50% em alguns mercados — estão dispostas a ouvir música parcialmente criada com ferramentas de IA generativa. Mas uma maioria ainda parece rechaçar a criação automatizada (a menos que ela ocorra em gêneros como o k-pop e a música eletrônica, onde o uso de elementos de IA já vai se normalizando).

Com as plataformas de streaming cada vez mais alimentadas por canções criadas com ou por IA, portanto, não é improvável que a parcela do público que rechaça essa tecnologia lhes dê as costas.

“Talvez o aspecto mais provocativo do relatório seja o relacionado à emergência de artistas completamente gerados por IA, como The Velvet Sundown e Aventhis, que estão obtendo bastante execuções nas plataformas de streaming e forçando a indústria a debater questões sobre autoria e criatividade”, atesta Morel, que, moderadamente otimista, também vê oportunidade para a indústria nesse cenário de transformações tão rápidas e incertas. “O futuro provavelmente não será sobre IA versus humanos, mas sobre como a colaboração entre ambos pode criar novas formas de arte que sejam tanto tecnologicamente avançadas quanto economicamente sustentáveis para os criadores.”

 

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