Listening Party permite audição exclusiva e até chat entre artista e fãs. Na China, plataformas de áudio têm funções de rede social; entenda
Por Alessandro Soler, de Madri
Detalhe da fachada do escritório de Nova York do Spotify. Foto: Shutterstock
Prestes a completar 20 anos de criação, em abril do ano que vem (o lançamento foi só em 2008), a maior plataforma de streaming do planeta se esforça para manter o frescor — e sua enorme relevância no mercado musical. Semana passada, o Brasil foi o primeiro país da América do Sul a receber a nova funcionalidade Listening Party, depois de Estados Unidos, Indonésia e México. Trata-se de uma área online que permite realizar sessões de audição exclusivas de novos álbuns ao vivo, reunindo artistas e seletos fãs. Com direito a interação direta entre eles, via chat.
A nova área está localizada dentro do Spotify Para Artistas, ferramenta que dá a intérpretes, músicos, produtores fonográficos e compositores o controle de diferentes aspectos de sua presença na plataforma, fornecendo ainda métricas úteis para a tomada de decisões de carreira. Com versão em português brasileiro surgida há quase quatro anos, o Spotify Para Artistas foi pioneiro entre todas as plataformas de streaming e acabou sendo imitado por outros apps, inclusive o TikTok, que acaba de estrear sua própria versão da funcionalidade.
A estreia do Listening Party (com a estrela do trap Veigh, mais de 8 milhões de ouvintes mensais e associado UBC) não só é um passo concreto em direção à tão anunciada era dos superfãs — apreciadores de primeira grandeza de um artista, fiéis seguidores que poderão trazer uma nova dimensão de receitas através do consumo de experiências. Também é uma aproximação do Spotify ao modelo de streaming de áudio chinês, que há anos aposta nas interações diretas dos criadores com seus ouvintes, e também dos ouvintes entre si, num mecanismo híbrido entre plataforma de música e rede social.
COMO É O MODELO CHINÊS
Há anos, especialistas do mercado musical vaticinam a chegada desse modelo ao Ocidente. Em 2018, durante uma edição da superfeira Midem, em Cannes, que teve a China como país-estrela, o então vice-presidente da NetEase, a segunda maior plataforma chinesa (atrás apenas da QQ Music, do megaconglomerado Tencent), falou à UBC sobre esse peculiar sistema asiático. Para Mathew Daniel, a estrutura de comentários, compartilhamentos e avaliações do streaming naquele país, uma forma tão direta de feedback dos fãs, eram como “um disco de ouro” para um artista.
Agora, o Spotify ainda não fala num chat com interação permanente entre artistas e fãs (por enquanto, essa funcionalidade só é ativada durante a sessão do Listening Party). Mas também não parece descartar completamente a evolução para algo assim.
“O Spotify Para Artistas (a partir de onde se fazem as programações das Listening Parties) tem uma intenção primeira: permitir que o artista promova e trabalhe suas músicas. Mas a ideia é, sim, aumentar a conexão do artista com o fã (através da ferramenta)”, anunciou Carolina Alzuguir, diretora de música da plataforma no Brasil.
Carolina Alzuguir. Foto: arquivo pessoal
Junto com Luciana Paulino, gerente de parcerias com artistas, gravadoras e distribuidoras, Alzuguir participou de uma entrevista para a UBC há alguns dias, na qual falou sobre as múltiplas funcionalidades do Spotify Para Artistas — inclusive para temas tão diferentes como gestão financeira e denúncias de fraudes. Elas mencionaram ainda que outros dos “bônus” oferecidos na plataforma, os clipes, devem ganhar cada vez mais espaço. Mas deixaram claro: o Spotify não pretende entrar numa disputa direta com o YouTube por esse nicho; pelo menos até segunda ordem, continuará a ser uma plataforma centrada nas experiências de áudio.
A própria interação dos artistas com os fãs dentro da experiência Listening Party é bastante sui generis nesse sentido: é por voz e palavras, não envolve imagem.
“O set up do Listening Party é feito pelo Spotify Para Artistas. A gente imagina essa experiência como um prêmio, uma recompensa, para o superfã, quem mais consome a obra desse artista. Eles receberão a notificação de que o artista fará uma audição. Essa audição só envolve áudio. É como se o artista tocasse seu disco para eles em primeira mão, e de uma maneira exclusiva. Durante a audição, o fã manda perguntas e comentários por um chat que se abre para ele. Já o artista pode responder por voz ou também escrevendo”, explicou Paulino.
RELAÇÃO COM OS SUPERFÃS
Outra funcionalidade em teste é a página de contagem regressiva para lançamentos. Atualmente, já existe um pre-save, um lembrete que aparece no perfil do artista alertando para um lançamento em data próxima. Mas a nova contagem regressiva trará mais coisas: um verdadeiro clima de aquecimento, com vídeos subidos pelo artista comentando a feitura do álbum, suas influências, seu processo criativo etc.
“A gente vai ter cada vez mais experiências dirigidas para os superfãs”, resumiu Alzuguir.
Nesse momento da conversa, a assessoria de imprensa do Spotify abordou algo que vem gerando muito burburinho no mercado: afinal, haverá cobrança extra para superfãs dentro da plataforma? Fontes e analistas do mercado musical internacional dão como certa uma tarifa extra, uma espécie de plano superpremium. Mas nada disso está confirmado, ao menos não oficialmente. E, até segunda ordem, todo esse conjunto de iniciativas para os superfãs que o Spotify vem pensando continua a se dar dentro da assinatura premium normal que 268 milhões de pessoas pagavam no Spotify mundialmente no final do primeiro trimestre de 2025, segundo o mais recente balanço da plataforma.
MUNDO DE CIFRAS
Cifras, números. Este é o “ouro” que pode ser minerado dentro do Spotify Para Artistas. É farto o material sobre a audiência (idade, gênero, lugares de onde acessa), sobre as faixas mais escutadas, os gêneros mais populares. Num mercado musical em que as métricas são a linha mestra das tomadas de decisão, o conjunto de informações disponível na ferramenta pode fazer a diferença para várias coisas: de marcar uma turnê certeira a entender quanto investir para impulsionar um novo single entre pessoas de uma determinada faixa etária ou gênero.
“O MC Livinho acabou de viralizar na Turquia e nos contou que viu esse sinal primeiro no Spotify Para Artistas. Baseou ali toda a estratégia de levar o funk para lá, que está dando certo”, afirmou Luciana Paulino.
Luciana Paulino. Foto: arquivo pessoal
Carol Alzuguir completou:
“É um conjunto de dados supervalioso. Estou nesta indústria há 21 anos, fazendo gravadora, plano de marketing de artistas, fazendo lançamento. Quem me dera ter tido acesso a essas métricas lá atrás. Na lógica de antes, você lançava um LP no mercado e não tinha como saber mais nada: quem tinha comprado, o perfil dessa pessoa.”
Claro que sempre houve as paradas de sucesso (baseadas no desempenho no rádio, na venda de álbuns e singles e até em pesquisas de consumo). Mas o artista não tinha, de fato, uma via tão direta para acessar essa informação. Com as ferramentas digitais, ele não só pode conhecer isso como tentar promover diretamente sua canção nas “paradas de sucesso” do nosso tempo: as principais playlists editoriais das plataformas.
“Dá para usar o Spotify Para Artistas para fazer o pitching, ou seja, a ‘venda’ do lançamento para os curadores das playlists editoriais, que são pessoas. Se o artista quiser fazer isso num nível global, para tentar entrar em playlists internacionais, tem como escolher fazer em inglês. Se não, faz em português. Está lá o formulário, ele preenche as informações básicas da música, adiciona a capa, marca o gênero, o mood (clima) da música…”, enumerou Alzuguir.
Além de tentar promover sua obra nas playlists, o artista pode usar o Spotify Para Artistas para criar os chamados canvas, um conjunto de materiais multimídia que emula a experiência de antigamente com os LPs: com seu encarte, suas fotos, agora com imagens em movimento através de pequenos vídeos em loop.
“Quando o artista atualiza o canvas, ele tem 48% a mais de chance de ter sua música compartilhada”, disse Paulino, citando estatísticas da plataforma.
CRÉDITOS E INFORMAÇÃO FINANCEIRA
Já outro aspecto fundamental do ponto de vista do criador que quer dar maior visibilidade ao seu trabalho não passa pelo Spotify Para Artistas: os créditos das faixas. O processo ainda é muito dependente dos metadados enviados por selos e distribuidoras digitais, com frequentes erros ou omissões nas informações. Problemas que, claro, geram muita frustração em quem espera, com toda a razão, ver seu nome reconhecido e vinculado àquela obra na plataforma.
Carol Alzuguir reafirmou a importância do tema para o Spotify — plataforma pioneira em trazer os créditos das músicas — e revelou: está em desenvolvimento um projeto grande atualmente para melhorar os créditos.
“É um desafio do ponto de vista tecnológico ter todas as informações ali e conseguir navegar para chegar nelas. Tem gente que nem sabe que o crédito está lá. A ideia é que isso se aprimore e que haja mais informações sobre os músicos e a ficha técnica.”
Outra coisa que não está no Spotify Para Artistas são as informações financeiras do artista.
“O que a gente mostra é quantos plays teve, mas não quanto o artista vai receber, porque isso depende do acordo que ele tem com o selo, com a editora, com a distribuidora digital. São informações confidenciais, não temos como saber”, explicou a diretora de música da plataforma.
O que há é um espaço para denúncias de fraudes, um tema que vem tirando o sossego — e muito dinheiro — dos titulares de direitos, enquanto constatam a proliferação de bots e músicas criadas por IA nas plataformas de streaming.
“Está expressamente claro nos termos de uso que essas fraudes são proibidas. Tem gente que usa a desculpa de que não leu. O Spotify Para Artistas tem um link para a denúncia, que pode ser feita também diretamente à plataforma por qualquer um. A gente deixa imediatamente inativo o conteúdo suspeito enquanto investiga. Temos uma equipe que trabalha nisso, com muita tecnologia. Sempre foi prioridade para a empresa, mas agora falamos mais ativamente sobre o problema. A gente tem masterclasses lá na ferramenta sobre as melhores práticas para o mercado, tem regras claras, tem formas de denunciar abusos, tem tudo. Quem quiser informação para ajudar na carreira e entender melhor o mercado vai conseguir”, finaliza Carolina Alzuguir.
LEIA MAIS: Spotify reivindica papel de pilar da indústria e comenta fraudes e pagamentos
LEIA MAIS: Spotify começa a punir adeptos de streams artificiais
LEIA MAIS: O que fazem as plataformas para combater os fake streams?