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Onde está o crédito da música nas plataformas de streaming?
Publicado em 05/11/2022

UBC analisa os cinco maiores apps que operam no Brasil; só três trazem informação sobre compositores

Por Alessandro Soler, de Madri

Fato nº 1: o streaming salvou a indústria musical, que parecia irremediavelmente condenada, no início deste século, por causa da pirataria. Fato nº 2: plataformas gigantes ainda se recusam a reconhecer o papel indispensável dos compositores, sem os quais sequer haveria indústria. Pior: em duas das mais importantes, a invisibilidade de quem cria as milhões de canções oferecidas é absoluta.

Como publicamos recentemente aqui no site, um abrangente estudo do especialista francês Emmanuel Legrand trouxe diversas sugestões para melhorar a visibilidade e as remunerações aos compositores na era do streaming. Entre elas, Legrand detalha a necessidade de trazer mais informações sobre quem escreve as canções que tantas receitas geram para vários players do mercado — das gravadoras às próprias plataformas, passando por editoras e distribuidoras. A lógica é simples: se forem identificados, os autores serão cada vez mais associados (pelo público, pelo próprio mercado) à cadeia produtiva musical, ganharão maior presença no ecossistema musical e, com isso, melhores condições de participar mais justamente da distribuição dos ganhos.

Para entender o tamanho desse desafio, a UBC analisou os aplicativos das cinco plataformas de streaming musical mais populares do Brasil. Um ranking elaborado há alguns meses pela operadora de telecomunicações Oi mostrou que elas são, em ordem decrescente: Spotify, Apple Music, Amazon Music, YouTube Music e Deezer. 

Das cinco, apenas duas, Spotify e Deezer, trazem informações sobre o crédito da música em todos os casos (ou quase); uma delas, a Amazon Music, mostra os créditos de canções mais recentes, deixando de fora milhões de músicas de catálogo antigas. As outras duas não têm qualquer informação sobre os compositores.

Chama a atenção, inclusive, que as duas únicas plataformas com informação um pouco melhor sobre os criadores musicais sejam da Europa (o Spotify é sueco; a Deezer, francesa), o continente onde surgiu o conceito de direito de autor. Duas das plataformas que invisibilizam os compositores (Apple Music e YouTube Music) são dos Estados Unidos, um país onde predomina o conceito de copyright, um tipo de direito que se centra na obra em si, e não no seu criador.

"Os criadores são a seiva das indústrias criativas, são as pessoas que formam a 'economia do direito autoral'", disse Björn Ulvaeus, músico sueco fundador da mítica banda Abba e presidente da Cisac, a Confederação das Sociedades de Autores e Compositores, na mais recente edição do Relatório Global de arrecadação da entidade

Ele pede uma melhoria imediata na identificação dos autores nas plataformas e nos metadados como um todo, um vital conjunto de informações usado por estas para a correta remuneração de quem cria as músicas: 

"Hoje em dia, muitos dos dados necessários para identificar e remunerar os criadores estão incompletos ou faltando quando as obras são introduzidas nos serviços de streaming. É uma prioridade absoluta. Sem metadados, não é possível ter um setor criativo saudável."

A seguir, veja a análise da presença dos dados do criador musical em cada uma das cinco plataformas: 

 

>> Spotify

A maior plataforma de streaming do mundo, com 163 milhões de assinantes no final de 2021 — ou 31% do mercado global —, segundo o MIDiA Research, é a que tem também a melhor identificação dos criadores das faixas.

Para encontrar os créditos, é preciso escolher uma faixa ou um álbum e clicar nos três pontinhos que aparecem ao lado do nome de uma música. Ao fazê-lo, abre-se um menu com diferentes opções (como adicionar à playlist, compartilhar, ir para a rádio com canções similares). A última opção do menu é "Créditos da música".

Dentro desse campo aparecem informações sobre quem interpreta a música, quem a escreveu, quem a produziu e a gravadora. Não há nada sobre os músicos que tocam na faixa nem sobre os técnicos envolvidos na gravação. Além disso, nem sempre todos os campos estão preenchidos, sendo frequente a ausência do nome do produtor musical ou mesmo dos compositores. 

Apesar das lacunas, o Spotify é, de longe, o que melhor identifica os criadores. Em alguns casos, sobretudo de grandes nomes da composição/produção internacional, esses titulares têm até página própria na plataforma, o que permite que um usuário tenha concentrados, num só lugar, os principais hits escritos por essa pessoa, mesmo quando ela não é intérprete. É o caso, por exemplo, do produtor e compositor Pablo Bispo, que tem página própria. 

"Mostramos os créditos de compositor, produtor e intérprete que estão incluídos nos metadados enviados pela gravadora ou distribuidora", explica o Spotify num comunicado disponibilizado aos artistas na sua ferramenta Spotify For Artists. "Se há algum dado errado ou faltando, o artista deve entrar em contato com a sua gravadora ou distribuidora, que deve enviar os metadados corretos para a gente. Nem toda distribuidora trabalha com créditos. Estamos trabalhando para facilitar esse envio."

>> Apple Music

É a segunda maior plataforma de streaming musical do mundo, segundo o ranking da MIDiA Research, com 80 milhões de assinantes  (a maioria nos EUA, onde figura como nº1) e uma fatia global de 15% do mercado. Mas, simplesmente, não mostra o crédito das músicas. Não há maneira de encontrar quem escreveu a canção nem quais são os intérpretes ou produtores. 

De maneira similar ao Spotify, também tem os três pontinhos acompanhando as canções. Mas, ao tocar ali, o menu que se abre tem como opções unicamente compartilhar ou adicionar a uma biblioteca ou uma playlist. Nada sobre os créditos.

Em fóruns de "applemaníacos" na internet, alguns usuários recomendam a instalação de um aplicativo chamado MusicSmart (que custa R$ 16,90), e que pode rodar junto com a Apple Music, trazendo informação detalhada. Isto ocorre porque o MusicSmart varre os metadados das canções tal como foram registradas em distribuidoras digitais, selos e sociedades de gestão coletiva. Assim, é possível saber quem detém o copyright, quem escreveu, em que ano foi publicada pela primeira vez e, em alguns casos, até mesmo os músicos que tocam nas faixas. Mas, outra vez: é um aplicativo à parte e pago. 

Procurada, a Apple não respondeu ao pedido de informações sobre o tema feito pela UBC.  

>> Amazon Music 

Foi no final de 2020 que a terceira maior plataforma de streaming musical do mundo, com 13% do mercado, começou a oferecer no Brasil a funcionalidade X-Ray, um nome, aliás, bem pouco intuitivo. Essa função aparece logo abaixo da página inicial do single ou da faixa e, ao ser clicada, abre uma tela com informações sobre intérprete, produtor e compositor. Como ocorre com o Spotify, não há dados sobre os músicos acompanhantes nem sobre os técnicos que participam da gravação.

Diferentemente de Deezer e Spotify, os créditos estão restritos às faixas mais novas. No comunicado que acompanhou a estreia da funcionalidade no Brasil — depois de um período de testes no Reino Unido e nos EUA —, a Amazon afirmava que "dezenas de milhões de canções" já traziam os créditos. Mas a UBC testou várias músicas de catálogo de artistas como Caetano Veloso, Gal Costa, Chico Buarque e Gilberto Gil e constatou que a grande maioria das mais antigas não trazia a opção X-Ray.

Contudo, na parte inferior da tela, tanto de um álbum como de um single, aparece o titular do copyright e o ano de publicação. O titular mostrado, neste caso, geralmente é o selo ou gravadora responsáveis pelo lançamento. 

>> YouTube Music 

Quarto maior serviço de streaming que opera no Brasil (e quinto no mundo, com 8% do mercado, depois da chinesa Tencent), o serviço de streaming musical do gigante Google não traz qualquer informação sobre o crédito da música em seu aplicativo brasileiro. Os três pontinhos ao lado das faixas abrem um detalhadíssimo menu com opções como "Iniciar rádio" (com canções similares), adicionar à fila, adicionar à biblioteca, fazer o download, adicionar a uma playlist, ir para o álbum, ir para a página do artista, compartilhar e até denunciar algum conteúdo impróprio. Nada sobre o criador da obra.

Pelo menos, e de maneira similar ao que ocorre no Spotify, as letras estão disponíveis, graças a uma parceria do YouTube com a Musixmatch, maior plataforma de letras do mundo.

Procurado, o YouTube Music não respondeu ao pedido de informações sobre o tema feito pela UBC.

>> Deezer

Quinta maior plataforma de streaming musical em operação no Brasil (sétima globalmente, com 2% do mercado), a francesa Deezer traz créditos das músicas. Mas o faz de modo muito sucinto. Não há nada sobre intérpretes, músicos ou produtores — sobre técnicos envolvidos na gravação, nem pensar. Além disso, o campo para os compositores é enigmaticamente dividido entre compositor e autor —com, geralmente, a mesma informação repetida em ambos. 

Outro problema: é difícil achar os créditos, dependendo do caminho que se faça até uma determinada música. A configuração da página inicial de um álbum ou single é a mesma, e não há a informação sobre os créditos ali. No caso de um álbum, isto obviamente tem sentido, já que não haveria uma maneira de trazer os créditos de todas as canções simultaneamente num único campo. Mas, no caso de um single, a plataforma poderia oferecer a opção de visualização dos créditos já na página inicial. 

Para vê-los, é preciso tocar a música e, então, voltar a clicar sobre os três pontinhos. Ali, sim, está a opção "Consultar créditos musicais", que permite saber quem escreveu aquela faixa.

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