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Gonzaguinha, uma voz contra a opressão
Publicado em 22/09/2022

Cantor e compositor, que faria 77 anos nesta quinta, continua vivo em suas canções intensas, sem meias palavras

Por Rodrigo Faour, do Rio

Fotos de arquivo/reproduções

“Quando eu soltar a minha voz/ Por favor, entenda/ Que, palavra por palavra, eis aqui uma pessoa/ Se entregando”. Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. de fato se entregava, dava a cara a tapa e não tinha medo de nada, apesar da aparência frágil. Corpo muito magro, era quase a descrição feita pelo colega Chico Buarque em “Partido Alto” — “pele e osso, simplesmente, quase sem recheio” —, fruto de duas tuberculoses. Com suas letras fortes e recitativas, falando de política, de amor ou de esperança, Gonzaguinha marcou definitivamente a MPB e continua tão presente por meio de suas músicas que não parece que nos deixou há mais de três décadas.

Nascido em 22 de setembro de 1945, completaria 77 anos nesta quinta-feira, se um acidente de carro na BR-280, a 390 Km de Curitiba, não o tivesse matado em abril de 1991. Na ocasião, o cantor e compositor se encaminhava para Foz do Iguaçu, e ali tomaria um avião para Florianópolis, onde realizaria uma série de seis shows. Só mesmo uma fatalidade para tirar a voz de um sujeito que não costumava se calar diante de nada – como pai, filho, amigo, trabalhador, amante e artista.

Nos últimos anos, Elza Soares e Ney Matogrosso regravaram “Comportamento Geral”, e artistas tão distintos quanto Maria Rita (“O Homem Falou”, “E Vamos à Luta”), Filipe Catto (“Galope”), Daniel (“Maravida”), Ana Carolina (“Sangrando”), Diogo Nogueira (“É”, “Guerreiro Menino”, “O Que é, O Que é”) e Jojo Todynho (“Lindo Lago do Amor”) também revisitaram seu cancioneiro. Outros, como Maria Bethânia, Simone, Zizi Possi, MPB-4 e Alcione, nunca deixaram de fazê-lo.

Ouvindo os discos de Gonzaguinha ou os diversos sucessos que distribuiu para cantores dos mais diversos quilates e estilos, de Elis Regina a Agnaldo Timóteo, de Cauby Peixoto e Marlene a Fafá de Belém e As Frenéticas, tem-se verdadeiramente uma aula de história sentimental e sociopolítica do Brasil. Destemido e passional, foi um dos artistas mais engajados da MPB, cunhando inúmeras canções de protesto, que muitas vezes se confundiam com temas existenciais, além de abrir espaço para uma análise das relações conjugais — mas sem caretice — e do papel da mulher na sociedade, dando a elas um protagonismo numa época em que não havia tantas letristas importantes em ação. Deste último bloco, são inesquecíveis “Mulher, e Daí? (Apenas Mulher)”, “Eu Apenas Queria que Você Soubesse” e “Ser, Fazer Acontecer”.

O teor de sua obra sempre foi altamente confessional, totalmente ligado à sua trajetória pessoal – da rejeição que sofreu inicialmente do Rei do Baião Luiz Gonzaga, seu pai adotivo, à infância de moleque no morro de São Carlos (RJ), filho de Odaleia, dançarina do inferninho carioca Dancing Brasil, passando pela militância universitária (cursava Economia), quando participou dos primeiros festivais de música. Inclusive venceu um deles, em 1969, com a música “O Trem”, antes de se envolver com os saraus do MAU (Movimento Artístico Universitário), na virada dos anos 1960 para os 70, ao lado de Ivan Lins, Aldir Blanc e outros valores da MPB que começavam a se destacar.

Para Gonzaguinha, “Uma canção de amor também é aquela que canta o suor do trabalho / O calo das mãos de quem canta a esperança (...) com garra e fé”, conforme dizia na letra de “Uma Canção de Amor”, lançada por Joanna em 1981. Fato é que lutou por um Brasil mais justo em todos os níveis e também por seus companheiros da música: foi um dos fundadores da Sombrás, responsável por uma mudança radical na questão do direito autoral, que culminou com a criação do Ecad. Também fundou seu próprio selo fonográfico, Moleque, para editar suas músicas.

Para ser um cantor mais acessível a um número maior de brasileiros, dispensou a figura do empresário, que dizia “só encarecer o preço do artista”. Posturas radicais numa época em que todos tinham medo de tudo, e poucos, a coragem de se expor como ele.

Com o pai, Gonzagão: relação complicada

Gonzaguinha era tão combativo que, no início de sua carreira, era chamado de “cantor-rancor”. Mesmo com motivos de sobra para sentir e escrever músicas com títulos como “Desesperadamente”, “Suor e Serragem”, “Gás Neon” e “Catatonia Integral”, seus primeiros discos são bem pesados e sofreram muito com a tesoura da censura. Tinha que fazer dois discos para conseguir lançar um – chegou a ter 15 canções censuradas num único LP. Nas próprias canções, ele respondia aos que achavam que podiam sabotá-lo. É o caso de “Recado” (1978): “Se me der um beijo eu gosto / Se me der um tapa eu brigo / Se me der um grito não calo / se mandar calar mais eu falo (...) Verbo eu pra mim já morreu / Quem mandava em mim nem nasceu”.

Em 1973, a corrosiva “Comportamento Geral”, após ter seu compacto quebrado no programa de Flávio Cavalcanti, foi censurada. Mas, por outro lado, chamou a atenção para ele, que logo teve o primeiro LP recolhido pela polícia. Triste é constatar que, cinco décadas depois, sendo regravada por Elza Soares e Ney Matogrosso, ainda mostra uma atualidade arrasadora em tempos de relações trabalhistas pouco ortodoxas, estilo Uber e Rappi: “Você tem que lutar pela xepa da feira / E dizer que está recompensado”.

Em 1976, viriam seus primeiros sucessos românticos, a toada “Espere Por Mim, Morena” e o bolero “Começaria tudo outra vez”, que o fez ganhar um novo público. Dois anos depois, Bethânia estourava “Explode Coração”, vendendo 1 milhão de cópias de seu LP “Álibi”, puxado por mais um bolero de sua autoria. Em 1980, ele gravaria “De Volta ao Começo”, seu LP de maior sucesso, trazendo canções de diversos matizes.

A existencial e passional “Sangrando”, citada no início desse artigo; o samba “E Vamos à Luta”, exaltando uma juventude consciente que lutava por seus direitos, mas sabia curtir a vida (“Eu acredito é na rapaziada / Que segue em frente e segura o rojão”) e os dramas conjugais nas aboleradas “Grito de Alerta” (composta para Agnaldo Timóteo, mas hit na voz de Bethânia) e “Ponto de Interrogação”, sem esquecer uma crônica sobre a abertura política e a anistia em “A Marcha do Povo Doido”.

Dois anos depois, viria o maior sucesso de sua carreira, o sambão otimista “O Que É, O Que É” (“Viver e não ter a vergonha de ser feliz...”), que alguns anos antes ninguém imaginaria que ele fosse capaz de compor. Gonzaguinha finalmente fazia as pazes com a vida, época em que sua obra ficou mais leve, dos hits “Feliz”, “Mamão Com Mel”, “Lindo Lago do Amor”, “Caminhos do Coração” e “Belo Balão”.

Mesmo assim, o compositor jamais abandonaria sua verve político-social, já que em todos os seus discos sempre havia músicas que falavam dos rumos do país e da situação do povo brasileiro. Logo em 83, Fagner estourava a cortante “Guerreiro Menino”, e dois de seus últimos sucessos, “Geral” (1986) e “É” (1988) davam conta de criticar a chamada Nova República, exigindo um país mais justo. “A gente quer é ser um cidadão / A gente quer viver uma nação”, dizia o segundo, um samba pungente que foi incluído na trilha da novela “Vale Tudo”, de Gilberto Braga, que marcou época.

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