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Ações do Spotify despencam após acusação de promover conteúdo racista
Publicado em 27/09/2022

Nova dor de cabeça da maior plataforma de streaming lança incertezas sobre sua solvência a longo prazo

Por Alessandro Soler, de Madri

E o annus horribilis do Spotify segue de vento em popa. Começou logo em janeiro, quando o podcaster-estrela Joe Rogan difundiu na plataforma informações falsas sobre a Covid-19 (além de insultos racistas), levando Neil Young e outros artistas a anunciarem a retirada dos seus catálogos de lá. Continuou primeiro semestre adentro, quando dois relatórios seguidos de resultados financeiros mostraram um estancamento na base de assinantes. E chega a setembro com uma nova crise de pano de fundo racista, que já derrubou as ações do gigante sueco em mais de 10% só nos últimos cinco dias. 

Um demolidor relatório da Liga Antidifamação (ADL, em inglês), ONG americana dedicada a mapear e combater discursos racistas, xenófobos e antiminorias em geral, acaba de revelar que há pelo menos 40 bandas e intérpretes supremacistas brancos difundindo canções com letras abertamente ofensivas a negros, muçulmanos e judeus, além de exaltação ao nazismo. E o pior: esses conteúdos, segundo a ONG, não só não estão sendo retirados após denúncias; eles chegam a aparecer em playlists editoriais do próprio Spotify

A denúncia caiu como uma bomba no mercado, que castigou novamente as ações da plataforma com uma debandada de investidores iniciada no último dia 22. Desde o pico histórico de US$ 365 em fevereiro de 2021, os papéis da empresa foram experimentando quedas acentuadas com breves momentos de altas. Nesta terça-feira (27), são negociados a US$ 89,04, ou 76% menos do que no auge. Há temores de que uma insolvência no Spotify impacte negativamente a distribuição de direitos autorais e os pagamentos às gravadoras, fundamentais para este novo período de ouro da indústria fonográfica.

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Como a UBC vem mostrando há meses, a crise do streaming é generalizada, devido à retomada da vida "normal" após a pandemia, um período em que, estando em casa, consumimos mais conteúdos online do que nunca. Com a alta inflacionária global e o aumento do desemprego em vários países, menos pessoas parecem dispostas a bancar tantas assinaturas de serviços de vídeo e áudio, levando plataformas como Netflix (com quedas sucessivas na sua base pagadora) e Spotify (com crescimentos abaixo do esperado) a perderem receita e investidores. 

Agora, os suecos têm sido acusados de não agir — ou agir insuficientemente — para combater os discursos de ódio. Entre 40 bandas e intérpretes individuais com discurso racista, o relatório da ADL encontrou casos como o da Pugilato NSHC (National Socialist Hardcore), uma banda de metal aqui da Espanha com letras que exaltam o Partido Nacional-Socialista (ou nazista) alemão, o destacamento de extrema direita Azov, que atualmente combate contra os russos na Ucrânia, e o sanguinário membro das SS hitlerianas Otto Skornezy, que fugiu para Madri no pós-guerra e viveu sob a guarida do ditador Francisco Franco até morrer, em 1975. 

Procurada pela UBC, a banda Pugilato não quis dar declarações. Pelo Twitter, seu líder, Alberto Pugilato, que se define como "nacional-socialista, não vacinado e anti-NOM (Nova Ordem Mundial)", se disse vítima de censura. Num post no dia 22, ele disse que suas músicas foram retiradas de todas as plataformas e afirmou, em tom conspiratório, aos seus seguidores: "Vocês vão pirar quando souberem quem está por trás disso." Não voltou a escrever sobre o tema nem deu maiores detalhes.

DJ com perfil nazista

Entre as várias outras bandas e indivíduos que subiram canções com conteúdos semelhantes, todos mapeados pelo relatório da ADL, destaca-se o caso do DJ americano Dark Matter. Especializado numa versão particularmente pesada do techno conhecida como hardstyle, ele usa samples de discursos de Hitler em seus sets. Em outras faixas, destaca discursos de políticos de extrema direita atacando judeus e promovendo teorias eugenistas de "pureza racial". Em seu perfil no Spotify, Dark Matter tem um link para uma rede social na qual aparece sem camisa exibindo o sol negro, um conhecido símbolo supremacista branco, e fazendo a saudação nazista, como se pode ver nas fotografias abaixo. 

Uma rápida pesquisa feita pela UBC mostrou que a Apple Music, a Deezer e a Amazon Music, só para citar três das principais rivais do Spotify globalmente, contam com perfis de várias das bandas citadas no relatório da ADL. Em todos os casos, inclusive na plataforma de streaming sueca, os perfis estão vazios, com as músicas tendo sido retiradas ou "não disponíveis". O efeito devastador de imagem, contudo, castigou unicamente o Spotify. A razão seria a presença das músicas racistas em playlists editoriais como a Fashwave, o que não ocorreria nas outras plataformas.

"A música vem sendo usada há muito tempo como uma maneira efetiva de radicalizar extremistas, permitindo aos artistas divertir e doutrinar os ouvintes. Num momento em que os discursos de ódio aumentam os casos de violência, o Spotify não só permite a música racista e de incitação ao supremacismo branco, mas ativamente a promove em suas playlists", acusa a ONG em nota. "Encontramos vários artistas com perfis 'verificados' na plataforma. Com esse status, artistas podem facilmente expandir sua base de fãs usando as ferramentas do Spotify, além de ter acesso a métricas e poder entrar nas listas curadas pelo Spotify."

Segundo o relatório da ADL, o Spotify melhorou "timidamente" suas políticas de publicação de conteúdos desde fevereiro, quando a ONG já havia alertado sobre as ambíguas regras contra mensagens racistas na plataforma. Porém, para fazer as denúncias, os usuários precisavam utilizar a versão desktop do player do Spotify, já que a versão mobile do aplicativo, a preferida de mais de 90% dos usuários globalmente, não dispunha de um botão para isso. Isto até esta semana. O Spotify acaba de incluir o botão, que pode ser acessado ao tocar nos três pontinhos, no alto à direita (dentro de uma música específica), selecionando-se a opção Denunciar Irregularidade.

Numa declaração obtida pela UBC, um porta-voz do Spotify na Europa afirma que a empresa "leva muito a sério as preocupações com os conteúdos que abriga, o que nos impele a promover uma série de medidas algorítmicas e humanas para garantir que tudo o que nossa plataforma hospeda esteja em linha com nossas políticas de publicação." Desde janeiro, segundo o porta-voz, foram removidos 12 mil episódios de podcasts, 19 mil listas criadas por usuários e 160 canções de cerca de 20 álbuns que violavam a política do Spotify contra os discursos de ódio, incluindo "muito do conteúdo" mencionado pela ADL no seu relatório. 

Uma busca feita pela UBC nesta terça-feira (27), porém, encontrou ainda ativa a playlist Fashwave, que, segundo a ONG americana, contém inúmeras canções racistas, antissemitas e homofóbicas. Qualquer usuário pode escutar livremente essas canções. 

"Sabemos que, mesmo com os contínuos investimentos que temos feito em moderação, sempre haverá mais e mais a fazer. Por essa razão, estabelecemos o Conselho Consultivo de Segurança do Spotify (Spotify Safety Advisory Council, em inglês) para ajudar a garantir que nossas políticas, mecanismos de aplicação e parcerias atendam às necessidades de nossa comunidade global de usuários, criadores e artistas. Também permanecemos abertos ao diálogo com organizações, incluindo a ADL, para que possamos nos beneficiar de sua experiência e continuar a melhorar a segurança de nossa plataforma", concluiu o porta-voz em sua longa nota de imprensa. 


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