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Já são 100 mil novas músicas por dia no Spotify. É hora de chamar o A&R
Publicado em 24/10/2022

Papel curador desse profissional tem importância renovada; seis A&Rs e produtores brasileiros comentam

Por Alessandro Soler, de Madri

Daniel Mansur, gerente de A&R da Warner Music Brasil: do 'nicho' à Anitta. Arquivo pessoal

No início deste mês, a indústria musical superou a marca das 100 mil novas canções subidas diariamente ao Spotify e às outras grandes plataformas de streaming. Uma pessoa tardaria quase dois terços de um ano inteiro para escutá-las, se o fizesse ininterruptamente, 24/7. Acontece que, já no segundo dia da missão, 100 mil novas canções se acumulariam. E outras tantas mais no terceiro dia. E no quarto. E no quinto. 

Nestes tempos de hiperprodução e difusão, é impossível filtrar milhares de conteúdos sozinhos. Enquanto as principais plataformas se amparam nos limitadores e enviesados algoritmos para recomendar audições aos usuários, ganha força a necessidade de uma curadoria humana que nos ajude a organizar tanto barulho, destacando a pluralidade da criação contemporânea.

O papel do A&R (diretor ou gerente de relações com artistas e repertório) — esse personagem fundamental da indústria treinado para garimpar o que é bom, contribuir para lapidá-lo e assegurar sua continuidade —, portanto, parece se renovar.

"Antes da internet, o A&R era o 'gatekeeper' (o guardião do acesso) do mercado. Você precisava passar pelo crivo de um A&R de gravadora para poder se lançar no mercado e atingir grandes massas. Hoje já não é assim, o artista nem precisa estar numa gravadora para lançar suas músicas e obter sucesso. Julgar apenas pelos nossos próprios gostos e visões de mundo não funciona mais. Agora o A&R ajuda a dar foco e distinguir o que funciona ou não (nesse mar de novas músicas), relacionando-se com os nichos", diz Daniel Mansur, gerente de A&R na Warner Music Brasil, onde o trabalho exige uma relação estreita com artistas do naipe de Anitta, IZA, Kevinho, Ludmilla, Giulia Be, Céu e Pedro Sampaio.

Ele pertence a uma novíssima geração de A&Rs nativos digitais, que entendem como ninguém o papel das redes sociais e de plataformas como SoundCloud, YouTube ou TikTok no processo de seleção de talentos e na relação desses talentos com o público. Para craques com décadas de carreira como o músico e produtor Liminha, o A&R, hoje em dia, está tão imerso num mundo de análise de dados digitais que é capaz de cravar com nível inédito de exatidão o que vai bombar.

Liminha: para ele, A&R virou analista de metadados e, por isso, erra cada vez menos. Divulgação

"Os A&Rs têm trabalhado muito mais com números/dados do que propriamente com música. As gravadoras não investem mais no escuro. Visualizações no YouTube, ouvintes no Spotify e seguidores no Instagram podem determinar se a gravadora chama o artista para conversar ou não. Para as gravadoras ficou mais lucrativo porque praticamente não erram com artistas novos", afirma Liminha.

Claro que as ferramentas digitais agregam muito, porém não eliminam outras fontes variadíssimas que, somadas, tornam o A&R um observador e curador privilegiado do panorama musical.

"Não dá mais para esperar que o cassete chegue à gravadora. Utilizamos todas as ferramentas ao nosso alcance. Redes sociais, business intelligence, plataformas de streaming, empresários que trazem novos artistas ou que indicam, artistas que conhecem outros artistas, amigos que viram alguém interessante...", enumera Paulo Junqueiro, A&R por anos antes de saltar à presidência da Sony Music Brasil — uma função na qual continua, aliás, a exercer seu papel de curador, mantendo um estreitíssimo e personalizado contato com os principais talentos da casa — o que se traduz num casting que vai de Roberto Carlos, Marisa Monte, Djavan, Emicida e Os Barões da Pisadinha a Dennis DJ, Rennan da Penha, Natiruts e Luan Santana.

Paulo Junqueiro: de A&R para presidente da Sony Music Brasil. Divulgação

O movimento de Junqueiro do A&R para a presidência foi orgânico: ele levou consigo a longa expertise na relação com os artistas e sua capacidade para detectar novidades e as colocou a serviço da gestão global da companhia. Para Mariozinho Rocha — lendário A&R de gravadoras como Odeon, CBS e Polygram e, por 30 anos, produtor musical com foco em repertório para as novelas da TV Globo —, o problema é quando ocorre o contrário.

"Por um tempo, diretor e presidente de gravadora resolveram brincar de A&R, como se não fosse necessário ter um conhecimento específico e uma série de contatos e práticas para exercer essa função tão importante. Acho que, agora, as gravadoras estão voltando a entender que A&R é coisa séria. O streaming e a publicação de dezenas de milhares de novas músicas por dia pareciam que varreriam da Terra a função do A&R, automatizando tudo. Mas está ocorrendo o contrário", ele analisa.

Mariozinho lembra que a crise das gravadoras com a pirataria, no início deste século, e a sua reinvenção combinada à lógica da produção independente trouxeram humildade e uma nova relação entre A&Rs e artistas. 

"Antes era comum ver o A&R todo-poderoso que queria tutelar. Agora, a relação é de estreita parceria. Para que a relação funcione, a troca deve ser constante, e deve prevalecer a decisão estética do artista. É ele quem sabe para onde quer levar sua carreira. Mas claro: o A&R é quem tem a visão global, quem sabe para onde está indo o mercado. O ideal é que haja confiança mútua."

Mariozinho Rocha: décadas de experiência e testemunha da transformação. Acervo Globo

De fato, o delicadíssimo equilíbrio entre a verdade estética que um artista persegue e o que é vendável marca toda a diferença na hora de garimpar um universo de novas publicações vastíssimo e em expansão. Como resume Paulo Junqueiro, "100 mil novas músicas não são, em hipótese alguma, 100 mil novos hits." 

Tornar sucessos uma mínima fração sequer desse contingente é o que o bom A&R deve ter em mente, explica Moogie Canazio, um dos mais internacionais produtores musicais brasileiros em atividade, com sete Grammys e Grammys Latinos na estante e 35 indicações aos dois prêmios e também ao Emmy.

Com trabalhos para nomes como Tom Jobim, João Gilberto, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Ray Charles, Sarah Vaughan, Eric Clapton, Dianna Ross e Dionne Warwick, ele está radicado há anos em Los Angeles (EUA) e vem testemunhando a rápida evolução na função do A&R:

"Para o futuro do artista é importante ele dar dinheiro, senão a presença dele não é tão relevante mercadologicamente. O A&R, mais do que alguém que vai simplesmente ajudar a dar ordem à enorme quantidade de coisas que surgem em decorrência do barateamento dos processos de produção e distribuição, é um grande mastermind. É o coordenador de um enorme time de curadoria. Hoje são centenas de artistas novos por dia. Mais do que nunca, o A&R precisa ter foco no que funciona e no que não funciona do ponto de vista do mercado e do marketing."

Moogie Canazio: longa carreira como produtor em Los Angeles e relação estreita com A&Rs. Reprodução YouTube

A outra perna da função, a relação com os artistas para além do momento do estúdio, também ficou mais complicada. Não só há muito mais gente a "administrar"; a agilidade da sociedade em rede exige uma resposta rápida ao artista. Numa indústria altamente competitiva musical, praticamente não há descanso. O A&R sabe que, para ele, menos ainda.

"É preciso estar PERMANENTEMENTE em contato com o artista", diz Paulo Junqueiro, e o destaque ao permanentemente é dele. "Esteja antenado a novos movimentos, trabalhe bem as plataformas digitais para poder sugerir colaborações, dar ideias", agrega Liminha. "Com a intensa competição atual em que diversas empresas e formatos de parceria estão disponíveis para se lançar uma música, é preciso desenvolver um ótimo relacionamento e entregar as melhores ferramentas para o desenvolvimento de suas carreiras. Eu diria que relacionamento e atenção são 50% do caminho", completa Daniel Mansur, que ainda destaca: 

"Nossos 'produtos' são seres humanos, cada um com suas particularidades, desejos e inseguranças. É preciso ter muito respeito e carinho quando se lida com os sonhos de outras pessoas."

Ou seja, além de assinar com o artista, acompanhar (e opinar em) todo o processo de escolha de repertório, de estética, dar assistência durante a gravação e depois do lançamento e manter o artista atualizado com novidades e possibilidades para o crescimento da sua carreira, o A&R, às vezes, também precisa ser psicólogo e conselheiro. 

"Tem que saber segurar o tranco do artista", brinca Moogie. "Muitas vezes, o artista tem ideias próprias que podem parecer completamente inadequadas. O A&R tem que ter o feeling para saber se pode haver algo ali. Tem uma cena do filme 'Respect', sobre a Aretha Franklin, que é emblemática. A gravadora não queria de jeito nenhum que ela gravasse um disco de gospel. Ela bancou, contra tudo e todos. Virou o maior sucesso da carreira dela", descreve o produtor, referindo-se a "Amazing Grace", de 1972, que não só é o álbum gospel americano mais vendido em todos os tempos, mas também abriu as portas do mainstream a um gênero que, hoje, é uma potência tanto nos EUA como no Brasil. 

Para evitar situações assim e trilhar um bom caminho no A&R, os cinco recomendam coisas simples:

  • "Apresente os dados de mercado, saiba ver para onde o vento sopra, mas lembre-se sempre: A&R pode até ter uma mente artistística, mas, no final das contas, o artista é o artista", avalia Mariozinho Rocha.
  • "Para que os contratos e planos sejam cumpridos, o segredo está na boa relação entre A&R e artista. Cuide dessa relação e seja sempre sincero e direto", prega Paulo Junqueiro.
  • "Tenha diplomacia, habilidade com pessoas e uma escuta muito ativa. Entenda que você não é o protagonista, por mais que participe ativamente da criação. Você sempre estará a serviço do artista e também da gravadora. Saiba ser a balança entre eles", ensina Daniel Mansur.
  • "Saiba ler dados e aprenda o que já foi feito antes. Principalmente, seja antenado e goste de música", resume Liminha.
  • "Não diga coisas como 'isto não vai funcionar e pronto', não atue como um imperador. Você lida com emoção e com gente. Quantos artistas enormes não fizeram discos ruins? Persiga o melhor estado de espírito, a melhor emoção, seja um elemento colaborador, atento e aberto. Sempre", finaliza Moogie Canazio.

NA UBC, UM A&R BEM DIFERENTE - E SUPER-HUMANIZADO

A função de A&R numa sociedade de gestão coletiva, apesar de compartilhar o nome com o profissional das gravadoras, é diferente. "Nossa tarefa é fazer com que os artistas recebam corretamente pela execução pública de suas obras e fonogramas. Garantir que não haja duplicidade (no cadastro), evitar créditos retidos, assegurar que tudo esteja correto. E, claro, estar sempre em contato com o artista e atender às necessidades dele dentro do sistema de gestão coletiva", diz Carol Crispim, A&R na UBC com experiência em gêneros como funk, MPB, rock e vários outros. "Evidentemente, precisamos estar antenados ao que acontece no mercado, às características dos gêneros musicais... Por exemplo, saber que, no mundo do funk, há a figura do beatmaker, que não existe, pelo menos não frequentemente, na MPB. Saber o que fez o beatmaker e que crédito lhe corresponde vai garantir o correto pagamento dos seus direitos."

Carol Crispim, A&R da UBC: garantir que artistas e outros titulares recebam corretamente seus rendimentos. Foto: Zéca Vieira (@ozecavieira)

"Outra missão é orientar: passar o conhecimento sobre como funciona o sistema de gestão coletiva ao artista. Como nossos associados estão em diferentes níveis na carreira e têm diferentes níveis de pré-conhecimento sobre o mundo dos direitos autorais musicais, isso nos pede, claro, uma sensibilidade muito aguçada para saber o que necessita cada um. Também trabalhamos com canais de TV, gravadoras, produtor fonográfico, produtor de cinema, que também pode ser fonográfico... Cada um tem suas demandas. O A&R da sociedade de gestão coletiva tem um leque maior, o que exige uma visão bem ampla sobre as características de cada um dos nossos clientes. A preocupação, porém, não varia: que todos recebam seus rendimentos."

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