Recém-premiado com o Grammy Latino, Tremendão deixa mais de 750 composições e legião de amigos e fãs
Do Rio
Morreu nesta terça-feira (22), aos 81 anos, o cantor e compositor Erasmo Carlos. Autor de mais de 750 canções registradas na UBC, à qual esteve filiado por quase 25 anos e da qual era diretor, foi um dos mais prolíferos roqueiros do nosso país. Ativo até o fim, ele recebeu na semana passada o prêmio de melhor álbum de rock em língua portuguesa no Grammy Latino de 2022 por “O Futuro Pertence à… Jovem Guarda”, uma radical atualização sonora de grandes sucessos do movimento artístico que ajudou a fundar e sobre o qual falou, há uns meses, em entrevista ao nosso site.
Erasmo vinha enfrentando problemas de saúde nos últimos meses e chegou a ser internado em decorrência da Covid-19 no ano passado. Hospitalizado em outubro com um quadro de síndrome edemigênica, quando os fluidos corporais provocam edemas em alguns órgãos, teve alta no início deste mês. Nesta terça, sentiu-se mal em casa e foi novamente levado ao hospital Barra D’Or, no Rio. Desta vez, não resistiu. Sempre discreto, não gostava de falar sobre as doenças que o acometeram - entre elas um câncer de fígado há alguns anos - e preferia centrar toda a atenção na música, sua grande paixão.
Erasmo recebendo o Prêmio do Compositor Brasileiro, em 2019 (Foto: Miguel Sá)
Foram essa paixão e a visceralidade com que criava letras e músicas marcantes que lhe deram, em 2018, o Prêmio UBC pelo conjunto da sua obra. Um reconhecimento recebido com uma emotiva festa para o Tremendão - também conhecido como Gigante Gentil, num autoexplicativo apelido que juntava seu 1,93m de altura com uma amabilidade a toda prova. Tal era sua gentileza que a noite de entrega, claro, esteve repleta de amigos e admiradores.
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Parceiro de Roberto Carlos em algumas das mais marcantes obras do cancioneiro brasileiro do século XX, Erasmo tinha uma enorme capilaridade de interesses e estilos e também na sua rede de amigos. Ao longo dos anos, publicou livros e compôs com nomes como Marisa Monte, Carlinhos Brown, Adriana Calcanhotto, Rita Lee, Jorge Ben Jor, Milton Nascimento, Skank, Los Hermanos, Simone, Lulu Santos, Nando Reis, Nelson Motta, Chico Amaral ou Liminha.
“Vem Quente Que Eu Estou Fervendo”, “Gatinha Manhosa”, “Minha Fama de Mau”, “Mesmo Que Seja Eu”, “De Noite Na Cama”, “É Preciso Saber Viver”, “Minha Superstar”, “Mulher (Sexo Frágil)”, “Festa de Arromba”, “Coqueiro Verde”, “Sou Uma Criança, Não Entendo Nada”, “Imoral, Ilegal ou Engorda”... Impossível elencar sequer os principais hits do Tremendão, que sempre se sentiu orgulhoso de sua versatilidade, mas não da “fama de mau”, que ele cantava e dizia achar injusta.
“Isso vem da Tijuca (bairro do Rio onde nasceu), as músicas, vem da inocência de você dizer 'não' à namorada, por exemplo. E é uma música muito machista, mas um machismo inocente. E isso virou um carma na minha vida, de acharem que eu sou mau. Eu tenho uma cara de mau. Eu sou um muro que parece impenetrável, mas que, no fundo, é de isopor, ou seja, que quebra facilmente", ele definiu, em 2018, em entrevista a Pedro Bial na TV Globo.
Ativo desde o início dos anos 60, lançou mais de 30 discos em sete décadas diferentes - o primeiro, “A Pescaria”, em 1965; o último, o já mencionado “O Futuro…”, no início deste ano. À UBC, comentou a dificuldade que teve para escolher o repertório das regravações do mais recente álbum.
“É que simplesmente já não tem música minha com ele que eu não tenha cantado nem gravado. Às vezes me perguntam: ‘mas não tem mesmo nada perdido no fundo do baú?' Não tem, bicho. O baú é grande, mas já chegou ao fundo faz tempo. Esgotou”, riu, dizendo que a fase das parcerias com Roberto apenas tinha dado um tempo, mas não acabado. “Já tem dez anos que não compomos juntos, mas não descartamos, não. O que a gente combinou é que já não vai mais escrever música romântica juntos. Cada um vai fazer a sua. Se forem outros temas, aí a gente faz.”
A morte de Erasmo já repercute no meio artístico nacional, com mensagens de pêsames de várias personalidades. Um dos primeiros foi o diretor de TV Boninho:
“Meu adeus ao querido Tremendão. Erasmo leva seu sorriso e o rock para o céu. Saudades.”
O cantor e compositor Manno Góes, integrante da diretoria da UBC como Erasmo, deixou um emocionado post no Instagram:
"No dia dos músicos, a música se despede do gigante mais gentil que eu conheci. Erasmo tinha abraços de urso e sorriso de menino. Tive o privilégio de conviver com ele na diretoria da UBC. Erasmo sempre trazia um otimismo leve, uma delicadeza no tratar, um olhar sensível sobre tudo. Era superdefensor dos autores e sentia muito orgulho de estar na UBC. Que Santa Cecília, padroeira dos músicos, o receba com muito amor e alegria."
Lúcio Mauro Filho e Erasmo Carlos, no Prêmio UBC 2019 (Foto: Miguel Sá)
Também pelas redes sociais, Lúcio Mauro Filho, ator, músico e apresentador do Prêmio UBC 2018, mencionou a noite inesquecível na Casa UBC:
"Me senti muito honrado de ter apresentado a homenagem feita a sua carreira pela UBC, retratada aqui na foto. Minha gratidão eterna aos meu irmãos Zé Ricardo e Marcelo Castello Branco, por terem me convocado para essa missão tão especial. Uma noite linda, de muita emoção."
No Twitter, a cantora e compositora Fernanda Takai se despediu do amigo:
“Adeus, querido Erasmo Carlos! Foi uma honra e alegria todos os momentos em que estivemos juntos... muito obrigada.”
Aloysio Reis, diretor da Sony Music Publshing, editora de Erasmo, se emocionou:
“Cabeça de homem, coração de menino, alma cheia de inspiração. Até qualquer hora, amigo.”
Presidente da UBC, o compositor Paulo Sérgio Valle resumiu:
“A música jamais esquecerá o seu grande artista Erasmo Carlos, autor de tantas maravilhosas obras.”
Diretora na UBC, a cantora e compositora Paula Lima agradeceu pela contribuição artística do Tremendão:
“Erasmo sempre foi um guerreiro brasileiro dos mais amados. Um super-herói da música com a sua beleza única, apaixonante. Muito obrigada pela poesia, pela arte, por ser referência. Um ícone. Obrigada pelo legado, por fazer história. Profunda tristeza. Saudade.”
O compositor Geraldo Vianna, outro membro da diretoria da UBC, destacou sua relação pessoal com o artista:
“Poderia falar do astro Erasmo Carlos, que tanto conheci por sua música e trajetória artística. Mas, como o conheci, pessoalmente, muito tarde, prefiro falar da pessoa doce, tímida e observadora. Uma gentileza no convívio. Após alguns anos com encontros esporádicos, me sinto vazio com sua partida. Quando constatamos a delicadeza em um ser que admiramos, nos vem a certeza de que o amor vencerá e eternizará aqueles que cumprem sua missão nesse vasto mundo. Siga em paz, Erasmo! "Gigante gentil"!!”
O diretor-executivo da UBC, Marcelo Castello Branco, exaltou a identidade própria de Erasmo:
“Erasmo foi um cronista de nosso tempo, que falava coisas do cotidiano e do amor de maneira que todos entendiam e se identificavam. Era um ser humano amoroso, atento, generoso, amigo de todas as horas, camarada. Era o Lennon de McCartney, o eterno parceiro do Rei Roberto. No seu trabalho solo, desenhou uma identidade única, mas sempre aglutinadora, principalmente magnética e acolhedora para as novas gerações. Erasmo era uma brasa e uma brisa gentil, um gigante que crescia no coração de todos nós e que nos vai deixar um vazio proporcional.”
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