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Projeto de lei proíbe música sem autorização em ‘paródia política’
Publicado em 10/04/2023

Texto da deputada Lídice da Mata inclui expressamente o uso político no conceito de direito moral e tenta trazer segurança a compositores

Por Fabricio Azevedo, de Brasília

Tiririca imita Roberto Carlos numa das paródias que fez da canção "O Portão". PL de Lídice da Mata quer pôr fim a abusos. Foto: reprodução campanha Tiririca

Um projeto de lei pronto para ser apreciado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara espera trazer segurança jurídica a compositores que, hoje em dia, podem ter suas músicas usadas num contexto político sem sua autorização. A ideia da autora da proposta, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA), é dar aos autores o poder se opor às chamadas “paródias políticas”, liberadas em polêmica decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ano passado.

No cenário atual, qualquer político pode alterar as letras de canções famosas, sob o pretexto de fazer humor ou crítica social, sem precisar da concordância prévia dos criadores da obra — pior, associando estes últimos, sem sua vontade manifesta, a ideias políticas com as quais eles podem estar em total desacordo.

Como noticiamos na época aqui no site da UBC, a sentença do colegiado da 2ª Seção do STJ concluiu, depois de oito anos, um longo julgamento envolvendo o palhaço e deputado federal Tiririca (PL-SP) e a editora musical EMI (hoje Sony Music Publishing), que se opunha à "paródia" da música de Erasmo e Roberto Carlos “O Portão” na campanha dele para as eleições de 2014. Um recurso no STJ sobre o tema ainda não foi julgado — e há inclusive a possibilidade de a matéria ser submetida ao STF — mas, no momento, a decisão do ano passado vem sendo utilizada como precedente para permitir o uso das paródias.

Com isso, abriu-se uma caixa de Pandora. Canções de Tim Maia, Belchior e até de Shunsuke Kikuchi, autor da trilha da seríe de animação "Dragon Ball Z", ganharam versões políticas na campanha de 2022.

Já outros usos que sequer se preocuparam com o emprego do verniz de "paródia" terminaram em condenação. Foi o caso da execução da música "Mila" num ato de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro promovido pela candidata à reeleição à Câmara Carla Zambelli (PL-SP). Seu autor, Manno Góes, a processou e ganhou na Justiça uma indenização de R$ 20 mil por danos morais pela vinculação entre sua obra e um projeto político contrário aos seus ideais.

O artigo 24 do projeto 1.468/2022, de Lídice, lista os casos já pertencentes ao direito moral dos autores — como impedir usos e alterações que possam atingir sua honra ou reputação, por exemplo — e acrescenta expressamente o direito de se opor aos usos políticos da obra. Segundo a deputada, é vital dar ao autor o poder de vetar usos políticos com os quais não concorde, especialmente num cenário de intensa polarização como o atual.

“Mas, em qualquer cenário, o direito do autor deve ser protegido. Este projeto tem por fim exatamente isso”, ela afirma, citando inclusive eventuais prejuízos financeiros que um compositor pode ter pela associação indevida entre sua obra e um político ou ideologia específicos.

Na época atual, ela explica, o conhecimento e a criatividade são matéria-prima do desenvolvimento, e os criadores devem ter garantias legais.

“Defendo a bandeira da proteção dos direitos autorais há muitos anos. E isso vai além da música. Também em áreas como pesquisa e desenvolvimento deve haver um respaldo para quem cria”, pontua.

O seu projeto de lei já foi aprovado na Comissão de Cultura. Como ele tem caráter conclusivo, pode se tornar lei se também tiver a aprovação da CCJ, a menos que haja divergência quanto a isso na comissão, ou que pelo menos 52 deputados assinem recurso pedindo a votação em Plenário.

Atendendo aos criadores

Para Sydney Sanches, advogado especialista em direitos autorais, consultor jurídico da UBC, presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Comissão de Direitos Autorais da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Rio de Janeiro (OAB/RJ), a proposta de Lídice da Mata atende aos interesses dos criadores.

“Com a mudança na lei, acabariam as dúvidas sobre o uso de paródias. Aliás, na minha visão, sequer havia controvérsia sobre o tema antes”, destaca.

Ele acrescenta que a decisão do STJ inovou ao criar critérios elásticos ao conceito das paródias, divergentes com os princípios legais, permitindo uma interpretação subjetiva que poderá acarretar em insegurança jurídica, como no caso da chamada “paródia política” sem autorização, uma clara distorção da definição legal de paródia. Sanches cita ainda o uso de paródias em publicidade:

“Nesses casos, o STJ, no seu último pronunciamento, ressalvou que os requisitos fixados para uso das paródias excepcionou os usos publicitários, o que diminuiu o tamanho do prejuízo e resguardou os direitos dos titulares nos usos comerciais, posto que nesse ambiente é evidente a exploração econômica. O equívoco do STJ foi não ter tido sensibilidade para entender que uma paródia política serve para alavancar um candidato, com a finalidade de atender aos interesses políticos e eleitorais da oferta de sua candidatura, de forma análoga ao uso de uma canção para promoção da venda de um produto ou serviço. Diante dessa similaridade conceitual, se a paródia serve para alavancar um candidato, por que não deveria haver também uma autorização do criador da música original?”, questiona.

Direito autoral não é censura

Rênio Quintas, maestro, músico, compositor e arranjador, é um dos mais antigos associados da UBC em Brasília. Para ele, o projeto da deputada Lídice é excelente.

“É um contrassenso usar músicas sem autorização”, ressalta.

Para Quintas, não interessa se o político é de esquerda, centro ou direita: a autorização é indispensável.

“Acho que a paródia deve ser caracterizada como uma obra derivativa. Quando é por humor, há uma certa empatia entre os músicos. Mas a apropriação política é um desrespeito”, afirma.

Na opinião dele, o PL 1.468 protege todos os criadores musicais, mas sobretudo os menos conhecidos.

“Se um político não respeita artistas famosos como Chico Buarque, Roberto Carlos e Manno Goés, o que acontece com um compositor pouco conhecido? Essa mudança será uma proteção para toda a classe”, pontua. 

O educador musical Gabriel Mendes da Cruz, também conhecido como Gabre Leon, pondera ser importante evitar incorrer em censura.

“Ficaria extremamente desconfortável com o uso de uma obra reconhecida minha para disseminar ideias com as quais eu não concordo. Por outro lado, eu fico preocupado com o risco de vozes serem silenciadas”, argumentou.

Gabre destacou que não é contra as paródias em si, que podem ser composições com valor artístico próprio.

“Há uma dimensão política em todas as obras, mas é problemático quando há um uso não autorizado para propaganda política”, observou.

A deputada Lídice da Mata reforça que não haverá nenhum tipo de censura, já que a legislação continua autorizando a criação de paródias para fins artísticos e humorísticos. Além disso, ela diz, não haverá limitação à criação de obras originais para uso por partidos e candidatos.

“Não há censura, não estamos impedindo que surja uma obra criativa. Apenas protegeremos o que já foi criado”, conclui.

O gabinete da deputada tem a expectativa de que o PL 1.468/2022 seja debatido na CCJ ainda neste semestre. Há, entretanto, diversas pautas prioritárias que podem obstruir a agenda da comissão. Seria necessária, portanto, uma mobilização pela aprovação do projeto, inclusive pelo grande desnível entre o poder de influência de partidos e apoiadores privados, como empresas, e os compositores de músicas.

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