Em entrevista manuscrita à UBC, ela resume sua ligação com o instrumento e relembra surgimento do duo que teve com o marido
De São Paulo
Fotos de Mariza Lima
Aos 100 anos recém-completados, a pianista Maria Josephina Mignone mantém viva a obra e a memória do marido, o compositor e regente Francisco Mignone (1897-1986), com quem foi casada por décadas e integrou o Duo Mignone. Com dezenas de obras conjuntas gravadas, partituras e um vasto material criativo guardados, ela esteve presente em momentos-chave da obra de Mignone, como as quatro “Fantasias Brasileiras”, para piano e orquestra, além de outros concertos.
Maria Josephina nasceu em Belém, em 1923, e descobriu o piano muito cedo.
“Foi aos 4 anos, durante uma viagem à fazenda Carnapijó, uma ilha que então pertencia ao meu pai. Havia um piano ali, que tinha sido da minha avó, Josephina Maria”, ela contou em entrevista manuscrita à UBC. “Chegando a Belém, meu pai contratou uma professora para me dar aulas. Seu nome era Odete Nobre e pertencia a uma família de músicos, os Irmãos Nobre, conhecidos em Belém. Assim comecei a estudar.”
A prática diária a levou a surpreender a professora muitas vezes, ao memorizar peças inteiras e avançar na técnica com grande velocidade. Durante uma passagem por Belém da pianista Magdalena Tagliaferro, uma celebridade no seu tempo, Maria Josphina foi vê-la. Ambas se conectaram de imediato:
“Me encantei com seu piano. Ela também me ouviu tocar e sugeriu que eu fosse ao Rio de Janeiro tomar aulas com ela, tendo depois me convidado a continuar em Paris minha formação. Daí começaria minha carreira (profissional) como pianista.”
Com formação pelo Instituto Gentil Bittencourt e o Conservatório Carlos Gomes, conheceu Mignone enquanto estudava na Academia de Música Lorenzo Fernandez, na Lapa, no Rio de Janeiro. O envolvimento amoroso não foi acompanhado imediatamente de uma parceria artística. Esta nasceria depois, de um golpe de sorte.
“Um dia, já casados, eu estava estudando a 'Eponina', de Ernesto Nazareth, ao piano. Mignone foi ao segundo piano e começou a improvisar. Pedi a ele que colocasse aquilo em partitura para não perdermos, e começou nosso projeto juntos.”
O ápice da dupla, que teve sucesso em todo o Brasil e também no exterior, foi com a série de concertos para piano e orquestra conhecidos como “Fantasias Brasileiras”. “Foi um sucesso incrível”, resume Maria Josephina, que, entre inúmeras interpretações muito pessoais de criações do marido e de outros compositores, gravou discos de êxito como “Mignone”, lançado em 1981 com o regente ainda vivo, e “Descobrindo Tesouros: A Magia de Maria Josephina No Piano Infantil de Mignone”, este para crianças.
Ao longo dos anos, além de tocar profissionalmente, Maria Josephina desenvolveu uma carreira como professora. Depois de décadas no Rio, ela está há alguns anos radicada em São Paulo, onde vive com a única filha, a advogada especialista em direitos autorais Anete Rubin.
Além de manter vivo o legado do marido, a artista continua a praticar o piano todos os dias. Com a mesma paixão e a mesma devoção pelo instrumento que remontam àquela primeira impressão da menininha de 4 anos que, maravilhada, percebeu como o toque de umas curiosas teclas brancas e negras era capaz de produzir sons tão belos:
“Quando descobri o piano, não saí mais de perto dele.”
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