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Fim do Suricato: líder da banda explica decisão em entrevista à UBC
Publicado em 20/04/2023

Ele critica a indústria atual e pondera: "não temos que demonizar os meios (marketing, plataformas), mas sim fortalecer os artistas"

Por Eduardo Lemos, de Londres

Na última sexta-feira (14), o músico, cantor e compositor Rodrigo Suricato anunciou o fim da banda Suricato em uma publicação no seu Instagram. Criada por ele em 2009, a banda o catapultou ao sucesso no rock brasileiro e levou-o a ganhar prêmios, gravar com estrelas como Lulu Santos e ser convidado para integrar a nova formação do Barão Vermelho.

Na publicação - que já soma mais de 1.100 comentários -, o artista conta que vinha desenvolvendo uma "relação tóxica" com a música.

"Confesso que 80% do meu tempo é [usado] trabalhando numa onipresença digital publicitária e questões que nada têm a ver com a atividade que eu escolhi", escreve.

Nesta quinta, 20, o músico lançou o minidocumentário "O Processo é a Própria Arte - O Fim da Banda Suricato", disponível no canal dele no YouTube.

VEJA MAIS: O documentário de Suricato

Nos últimos dias, a cantora Ludmilla, em uma participação no megaevento sobre inovação, tecnologia e criação Rio2C, também criticou a pressão que os artistas sofrem para viralizar. "Com essa loucura do streaming, você tem que estar no top não sei o quê. Você acaba se cobrando demais". Artistas internacionais, como Justin Bieber e Arlo Parks, chegaram a cancelar turnês no ano passado para cuidarem da saúde mental, em meio à roda-viva midiática sem fim em que levam anos inseridos.

No post, Suricato também classifica o mercado cultural como "saturado" e diz que a forma como a indústria musical funciona atualmente não é saudável:

"Estou muito pra jogo. Mas não pra esse que está deixando todo mundo doente e fingindo que nada está acontecendo."

A UBC conversou com o artista sobre os principais temas que ele aborda em sua publicação. Confira o que ele disse:

 

O processo de decisão

A decisão veio de um processo de amadurecimento muito doloroso sobre arte e o mercado da arte. Refleti sobre meu papel no meio disso, empreendendo toda minha existência preciosa num só lugar. Arte e mercado são matérias muito distintas, e 90% dos artistas confundem isso.

Na verdade, estou desistindo de olhar em mono e limitar minha percepção a uma única ponte engarrafada. Foi também importante estudar e aprender que sou um ser criativo; portanto, a música é apenas uma ferramenta de viabilização dessa criatividade, assim como a câmera é um instrumento para o fotógrafo.

As fogueiras que originam nossas expressões só se diferem nas ferramentas utilizadas. Portanto, o ser criativo cria. E, quando livre, é ilimitado. A Suricato estava vulnerabilizando meu espírito e meu propósito. Dei tudo para esse projeto acontecer. Não é uma decisão confortável. Foi como tomar e fazer um gol no mesmo chute.

Os dias depois do anúncio

Chorei de alívio. Naturalmente ando mais sensível, mas muito convicto e com a percepção aguçada. Não tomei a decisão ressentido, tive tempo e ajuda para elaborar. Vi que meu grito ecoou no peito de muita gente, e um novo propósito se acendeu em mim. Quero catalisar meus pares e contribuir com luz, maturidade e reflexões positivas sobre o que temos passado. Estamos à deriva em assuntos muito básicos. Definitivamente, não temos que demonizar os meios (marketing, plataformas). (Mas) precisamos fortalecer os artistas.

Relação tóxica com o mercado musical

A relação de quase ninguém está saudável. Inclusive entre os profissionais da indústria. Toda cadeia produtiva me escreveu. Eu só tive a coragem de dizer (o que outros pensam). Outra lição que aprendi: encontrar profissionais da música que deem liga às carências de um negócio é tão vital e raro quanto encontrar um novo amor.

Pra você ter ideia, o artista acredita que o “empresário” é um termo genérico para um profissional que faz e sabe de tudo. Isso não é verdade. Nosso conhecimento sobre a profissão é muito precário. Então, isso tirou grande parte da minha energia, pois precisava possuir habilidades que não dependiam somente da minha boa-vontade de aprender.

Também perdi tempo e dinheiro com gente muito aquém das habilidades ofertadas. Sei que há uma vontade genuína de profissionalização da indústria, mas, na prática, há um congestionamento de trabalhadores muito ruins. Monalisas chegam diariamente às mãos de estagiários com mãos sujas de pizza.

Por fim, a tóxica relação com as redes. Além de toda a complexidade do assunto, os mentores do marketing digital precisam entender que quase nenhum artista se vê motivado a criar arte após assistir a um vídeo viral de um artista indie do Azerbaijão que se apresenta com um tucano na cabeça mascando chicletes. Não é isso que nos move.

Falta de espaço e saturação da cultura

[É como se houvesse mais oferta de música, filmes, séries etc. do que as pessoas conseguem consumir?] Sim. Existe um limite para a quantidade de informações que conseguimos reter. Sugiro um estudo sobre capitalismo límbico e a leitura do livro “Nação Dopamina”, da Dra. Anna Lembke. A curadoria terá um papel importante nesse presente futuro. O único problema é que essa curadoria será um algoritmo, em vez dos mecenas do passado.

Por razões que desconheço, minha música não conseguiu penetração suficiente para se tornar sustentável. Faz parte do jogo. Sei que sou um excelente cantor, compositor e multi-instrumentista. E que também não faço canções piores que nada que ouço por aí, pelo contrário. Sei que sou um dos grandes, e isso ainda é pouco. (Mas) não há assentos disponíveis para todos, e eu entendo isso perfeitamente.

O silêncio dos artistas e dos profissionais

É inacreditável acontecer tamanha negligência numa indústria de bilhões. O ser criativo é a matéria-prima de qualquer uma dessas feiras criativas. Mas nenhuma debateu sobre o assunto e os equivocados conceitos sobre “sucesso”. A indústria insiste em enaltecer os meios (plataformas digitais, marketing) e ignorar os mensageiros. Terão que se adaptar, assim como aconteceu com outros meios de produção, como a moda e a TV, por exemplo. Empresas antenadas com o futuro devem largar na frente, inserindo condutas e medidas de boas práticas, pois infelizmente estamos engatinhando nesses assuntos. É como se a indústria criativa fosse a única que continua a vender cigarros numa propaganda de esportes, como na década de 1980.

Penso que mais pessoas precisam falar abertamente sobre isso, mas com uma linguagem esperta, sem parecer um cientista maluco anunciando um meteoro num filme de ficção científica. Se não temos respostas, então que façamos debates à exaustão. Temos uma oportunidade de ouro nas mãos, na tentativa de conciliar avanços tecnológicos e produção de bens culturais.

Contradições do sistema atual

Artistas periféricos souberam tirar legítimo proveito (do streaming, do marketing, do atual sistema) para a música que produzem, e muita gente boa apareceu, o que foi maravilhoso. Mas não soluciona as contradições do sistema como um todo. Estamos reduzindo nosso tamanho e chamando isso de liberdade. A visão de terra das oportunidades (no mundo digital) também é bastante limitada e só interessa aos vendedores de cursos sobre o assunto.

Alguns amigos propõem a necessidade de um ecossistema de produção artística que não dependa exatamente do “mercado” para existir e distribuir seus selos de qualidade baseados em likes e viralizações. A cultura é um bem popular muito precioso, a pavimentação de tudo que orienta e define uma nação. O buraco é mais fundo, e a política também precisa andar junto.

O modelo atual pode encerrar carreiras precocetemente?

Não quero que ninguém pense em desistir, pelo contrário. Proponho aqui uma visão mais ampla sobre viver de arte. É saudável artistas buscarem outros meios dignos de subsidiarem suas expressões. Por que professores dirigem carros de aplicativos enquanto artistas padecem, vaidosos, tentando ser um novo Freddy Mercury?

Qual é o caminho para virar este jogo a favor dos artistas?

Debate e muita articulação. Possivelmente uma união entre os meios de produção e os criativos. Precisamos incentivar e fortalecer indivíduos criativos, para que se sintam parte de uma comunidade mais humana, inspirada, desmistificada e pulsante. A ideia de que existe uma classe artística é uma enorme ilusão, somos desarticulados. Quem sabe eu possa ajudar? Mas tudo tem seu tempo.

Planos futuros

Como disse antes: “O ser criativo cria. E, quando livre, é ilimitado. “ Sou artista até fritando ovo. De resto, são só os meios de sobrevivência.

 

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