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Onda de samples sem licença: problema que exige a ação de todos
Publicado em 10/08/2023

Streaming vem sendo invadido por canções que usam trechos de outras ilegalmente; especialistas discutem soluções

Por Gilberto Porcidonio, do Rio

Sabe aquela música estourada no streaming que, por conta de um trecho ou outro, você ficou com a sensação de já ter escutado antes? Não é só uma sensação. As plataformas vêm sofrendo uma verdadeira avalanche de músicas com versões ou trechos de criações de outros artistas. Seria uma boa notícia, se uma parte significativa desses usos não fosse sem licença — em outras palavras, ilegais.

Abordar esse problema é uma tarefa complexa e que exige o envolvimento de todos: plataformas, distribuidores digitais, selos, produtores, editoras, artistas, sociedades de gestão coletiva (através da informação). Diferentes profissionais do mercado pedem que dois desses atores da indústria deem um passo à frente: plataformas e distribuidores digitais, precisamente por suas melhores condições tecnológicas para coibir ilegalidades. 

"O trabalho prévio que uma distribuidora digital séria faz é perguntar sobre os contratos, as autorizações", explica Priscila Crespo, advogada especialista em direitos autorais que trabalha com empresas produtoras de canções de funk, brega funk, eletrofunk, piseiro e forronejo, gêneros muito associados ao uso de samples e versões.

Já Mauricio Bussab, fundador do distribuidor digital Tratore, crê que quem está mais equipado para esse controle são as plataformas:

“Os softwares, hoje, são bons, e é muito fácil pegar o sujeito através de varreduras”, diz, citando o exemplo das lives que proliferaram durante a pandemia, quando músicas tocadas sem autorização faziam com que a transmissão caísse numa questão de minutos, justamente porque as plataformas estavam atentas.

As plataformas, no geral, de fato dispõem de ferramentas de varreduras. No caso do YouTube, por exemplo, se chama ContentID e verifica automaticamente milhares de canções todos os dias. Todas também se amparam em botões de denúncia disponíveis para que os titulares apontem para eventuais usos indevidos. Quem repetidamente sobe conteúdos ilegais pode ser punido: "O Spotify possui uma política para encerrar, em circunstâncias adequadas, contas relacionadas a assinantes identificados como infratores reincidentes", diz a principal plataforma de streaming do mundo num comunicado oficial.

Mas, em meio a um oceano de novas publicações (mais de 100 mil canções sobem ao streaming todos os dias), as plataformas costumam pegar mais aquelas faixas irregulares que alcançam algum nível mínimo de viralização. É o que afirma Priscila Crespo. 

Segundo ela, há quem pense que o uso de alguns poucos segundos de uma música alheia não configura uma irregularidade. 

“Pela lei de direito autoral brasileira (9.610/98), você não pode usar absolutamente nada sem a autorização do autor”, pontua.

Crespo explica o que ocorre quando a música cai na varredura das plataformas e menciona a nada incomum reação de alguns dos que criam as versões ilegais: 

“(Quando a ferramenta pega), ocorre o takedown, ou seja, a remoção da música sob suspeita. Com isso, os valores relativos aos ganhos gerados com aquela música na plataforma ficam retidos. Mas, mesmo assim, tem quem ache que vale a pena fazer isso porque, na sua lógica, quanto mais polêmica, mais as pessoas vão querer ouvir.”

EDUCAR É UM PONTO CHAVE

Entra, então, uma outra frente para combater essa irregularidade cada vez mais disseminada: educação e conscientização sobre a necessidade de respeitar os direitos autorais. 

“Cabe muito ao selo ou à gravadora (da canção irregular) se manifestar, tomar uma decisão quanto a isso. Não é interessante para ninguém ficar associado a uma polêmica assim”, diz a especialista.

Marcos Chomen, gerente geral no Brasil da Downtown Artist & Label Services, uma empresa que oferece múltiplas soluções aos artistas, como distribuição digital, marketing e estratégias de gerenciamento e financiamento, faz coro com Crespo: 

“Olhando pelo lado de quem produz, temos duas frentes: uma é o desconhecimento. Por incrível que pareça, uma série de artistas ainda não tem ideia do que é licenciamento, de como funciona, com quem tem que entrar em contato… Muitos deles são iniciantes. O outro lado é o de quem tem um certo conhecimento mas age de má-fé, pensando ‘se der deu, isso ajudar a aparecer…’ Não existe o ditado ‘falem mal, mas falem de mim’? Eu particularmente não gosto disso, não acho correto e não acho que é assim que se cresce de forma saudável.”

Para samplear corretamente, é preciso que os produtores da canção que usará trechos ou bases de outras anteriores entrem em contato com os produtores fonográficos (selos) titulares do fonograma original para obter a autorização. Os autores (ou a editora que os representa) também devem ser procurados. A informação sobre a editora e sobre os produtores é pública e está ao alcance de uma pesquisa no Google. Algumas editoras, inclusive, têm processos bastante fluidos, e até automatizados, para fazer as liberações. Lembrando que a demora na autorização não é desculpa para usar o sample ilegalmente e sem licença. 

Chomen diz que, no exterior, existem empresas que mediam a relação entre editoras e produtores que querem usar samples, e que já oferecem até licenciamento online. Você escolhe a música, paga na hora com base num cálculo sobre o uso que se dará, e pronto:

“Precisamos facilitar isso para quem quer ser legal. Algumas empresas já têm uma série de investimentos em tecnologia para analisar o fonograma na hora que essa música está sendo distribuída, como softwares para saber se aquela é uma música que já existe. São tecnologias que não são perfeitas, mas que cada vez melhoram mais. Agora, com a inteligência artificial, com certeza, esses sistemas vão ficar ainda melhores. O volume de dados é massivo, mas há vários distribuidores (fazendo o trabalho de varredura). Investimento em tecnologia é chave.”

Bussab propõe que as próprias plataformas de streaming criem métodos para ajudar no processo de licenciamento:

“No caso do YouTube, poderia ter um botão do tipo ‘para pagar e padronizar, clique aqui’”, cogita.

Priscila Crespo diz que, qualquer que seja a solução tecnológica, ela sente que a consciência sobre o respeito aos direitos autorais vem crescendo mesmo em meios onde a prática do sampling e das versões sem licença ainda é mais comum. Ela elenca entre eles o funk e até mesmo o sertanejo. 

“Esses são mercados que estão cada vez mais conscientes disso e querendo respeitar direitos. São mercados (que surgiram de modo) informal e periférico, mas que têm grandes sucessos”, afirma a advogada, para quem a legalização só traria benefícios ao funk, ao sertanejo e a outros gêneros derivados deles: “Sou uma grande defensora desse tipo de música porque ultrapassa fronteiras. É uma música que é a voz do Brasil.”

Quem tem opinião semelhante é Tatiane Souza, consultora especializada no mercado do funk: 

"O uso não autorizado já foi pior. Atualmente, as grandes produtoras vêm se profissionalizando neste sentido."

Percepção compartilhada por Angela Johansen, gerente da filial São Paulo da UBC, que trabalha com o funk desde 2015:

"O funk não acha tranquilo fazer o upload de uma música com sample sem a devida liberação. Eu acho que fica essa impressão por conta do alto volume de lançamentos do gênero. As maiores produtoras e selos, como GR6, Kondzilla e Portuga Records, têm um departamento interno dedicado às liberações, e as menores contratam profissionais especializados."

NOVA CONSCIÊNCIA

MC Adiel. Divulgação

Uma esperançosa geração que produz com a consciência do respeito aos direitos autorais corrobora o que dizem Crespo, Souza e Johansen. Cria de Mairinque, cidade a 70 quilômetros de São Paulo, MC Adiel tem 21 anos e começou a se apresentar profissionalmente em 2018 em bailes funk. Hoje, ele percebe que o gênero em que milita se amparou grandemente na desinformação:

“Se você for analisar bem, como a gente é de favela, a gente procurava expor o nosso sentimento em cima de uma música já pronta, sem ter nenhuma informação musical. Hoje, todo esse meio virou música mesmo. Isso divide opiniões porque vários artistas famosos já usaram samples, mas é possível homenagear uma outra música legalmente e dividir os lucros com o autor dela.”

O MC reforça a necessidade de entrar em contato direto com o autor e a editora da música que se quer utilizar:

“Ninguém quer que sua música seja derrubada (no streaming). Já quem faz na maldade, isso não é nem um pouco saudável. Se você quer continuar na música, saiba que isso marcará sua história. E o legal mesmo é ver a sua música entrar para a história.”

 

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