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Análise: o que significam as mudanças do Spotify no pagamento de direitos autorais
Publicado em 30/10/2023

Medidas para combater fraudes são bem-recebidas, mas exigir nº de plays mínimo para pagar royalties prejudicará os pequenos, diz analista

Por Eduardo Lemos, de Londres

O Spotify prepara mudanças já para o começo de 2024 que deverão ter impacto significativo na vida de artistas e selos. As novas regras incluem um novo limite de plays anuais mínimos que uma faixa deve atingir antes de começar a gerar pagamentos, a implantação de punição financeira para distribuidores e gravadoras quando for detectada atividade fraudulenta em faixas dentro do Spotify e, por fim, a definição de uma duração mínima de reproduções que faixas "ambiente", como sons de natureza ou ruído branco, devem atingir para gerar royalties.

As informações foram publicadas pela versão americana revista Billboard e pelo site Music Business Worldwide. De acordo com as reportagens, as mudanças estariam sendo discutidas com Universal Music Group, Sony Music Entertainment e Warner Music Group, as três principais gravadoras do mundo. Selos e outros agentes da indústria também estariam participando das conversas.

Não é à toa que duas das três novidades sejam medidas de combate a crimes. Trata-se de uma resposta concreta da maior empresa de streaming do mundo às críticas de que tem uma postura leniente em casos de fraudes - de "fazenda de cliques" a promoção de artistas que não existem, é longa a lista de esquemas que buscam burlar as regras do Spotify para ganhar dinheiro. A UBC tratou deste tema em matéria de 2022.

O caso mais recente de crimes veio à tona em setembro deste ano. De acordo com investigação do jornal sueco Svenska Dagbladet, o Spotify "tornou-se um verdadeiro caixa eletrônico para criminosos”. Em resumo, gangues usariam o dinheiro que ganham com seus outros empreendimentos ilegais para pagar por falsos plays de faixas no Spotify das quais as gangues são donas. Lavagem de dinheiro, portanto. Em uma nota ao jornal, a companhia chamou a história de "peça de ficção", mas reconheceu que "streams manipulados e artificiais são um desafio de todo o setor que o Spotify tem trabalhado arduamente para resolver".

Como serão na prática as sanções financeiras planejada pelo Spotifyy ainda não está claro. Para o analista de mercado e pesquisador Leo Morel, trata-se de um desafio complexo.

"Penalidades financeiras de agentes de mercado não devem sobrepor o sistema legal dos países. Caso o Spotify considere-se prejudicado por fraudes, ele deve buscar nas leis vigentes os meios de se proteger e responsabilizar os infratores", observa.

Faixas "ambiente" são extremamente populares dentro do Spotify. São os arquivos com sons de chuva, pássaros ou ruído branco, que atingem milhões de plays sem nenhum esforço. O problema é que boa parte desse conteúdo não tem um autor oficial - há relatos de pessoas simplesmente pegando faixas em bancos de dados e subindo na plataforma como se fossem suas.

"Esse segmento de faixa é consumido por uma significativa parcela de assinantes que utilizam sons assim para dormir ou se concentrar no trabalho. Não acredito que irá desaparecer, talvez tenham de se adaptar ao novo modelo proposto para poder gerar receitas", diz Morel.

Embora novamente não haja detalhes sobre como o Spotify pretende combater o problema, Morel acredita que o modelo sugerido pelo Spotify será "menos agressivo do que o centrado no artista proposto pela Deezer, que pretende desmonetizar esse tipo de conteúdo". O especialista se refere ao anúncio que a plataforma francesa fez em setembro deste ano, comprometendo-se a não monetizar faixas de ruídos a partir de 2024.

Entretanto, de todas as mudanças projetadas pelo Spotify para o ano que vem, a que mais promete gerar debates é a que prevê uma exigência mínima de plays por música para pagamento. Esse limite, que ainda não foi anunciado, iria desmonetizar músicas que receberam 0,5% do conjunto total de royalties pagos pela plataforma. Como o Spotify ainda adota o modelo 'pro-rata', é fato que esse dinheiro seria repassado às faixas mais populares.

As reações foram fortes. Nas redes sociais, o sindicato United Musicians and Allied Workers escreveram que “os artistas têm soluções para consertar o streaming, mas o Spotify não está ouvindo”. O texto alerta que as mudanças deixaram o mercado ainda mais fragilizado. “[São] mudanças que enriquecerão ainda mais o topo da pirâmide e tornarão ainda mais impossível para os músicos que trabalham se beneficiarem do streaming.”

Já a Future of Music Coalition, com sede nos Estados Unidos, acusou o Spotify de trair a sua promessa de "tratar todas as faixas da mesma forma".

Leo Morel vê uma "possível pressão de agentes de mercado" nesta decisão. Segundo ele, ao criar uma barreira mínima de plays, o Spotify "visa a beneficiar artistas com maior fluxo de receita e se desfazer dos micropagamentos a artistas com baixo nível de execução".

O analista lembra, porém, que a iniciativa também pode estar ligada ao corte de despesas: 

"O Spotify lida com os custos de armazenamento do seu catálogo musical disponível na nuvem. Com essa medida, a plataforma deixará de pagar aqueles fonogramas que são armazenados e são pouco consumidos."

Obviamente, quem deverá sofrer mais com as alterações em curso serão os artistas independentes.

"Gera um efeito Robin Hood reverso, retirando rendimentos de artistas emergentes em dificuldades e partilhando-os entre aqueles que já obtiveram sucesso. Ela irá impactar principalmente os artistas que distribuem suas músicas sem a intermediação de gravadoras ou selos, os chamados artists direct. Entre 2019 e 2022, a receita desse segmento cresceu 130%, enquanto que as das grandes empresas do setor cresceram 58%. Em 2022 os artistas diretos representaram 8% das receitas globais, enquanto que, por exemplo, o da Warner Music Group foi de 16%", explica.

Em comunicado, o Spotify não confirmou as informações, mas disse estar "sempre avaliando como podemos servir melhor os artistas e discutimos regularmente com os parceiros maneiras de promover a integridade da plataforma. Não temos nenhuma notícia para compartilhar neste momento.”

 

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