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Spotify procura lobista no Brasil de olho em 'guerras' regulatórias
Publicado em 16/10/2023

Maior plataforma de streaming quer poder influir em projetos de leis sobre algoritmos e IA e deve bater de frente com Apple e Google

Por Ricardo Silva, de São Paulo

Detalhe da fachada do escritório do Spotify em Nova York. DCStockPhotography/Shutterstock

O Spotify começou a anunciar em seu site, e também no LinkedIn, vagas para diretores de “assuntos governamentais” em três capitais globais: Nova York, Londres e São Paulo. O/a profissional a ser contratado/a no Brasil atuará fazendo lobby junto a governos e parlamentos de toda a América Latina. No caso da capital britânica, a área de abrangência é europeia. Já em Nova York, quem levar a posição dirigirá o tema mundialmente. Por trás dessas novas vagas está o desejo da maior plataforma de streaming do mundo de influir ativamente na tramitação de projetos de lei, beneficiando seus interesses. 

Um dos temas na ordem do dia é a tramitação, na Câmara dos Deputados do Brasil, do projeto de lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News. Um ponto que vem incomodando as big techs — e também plataformas de streaming como o Spotify — diz respeito à ideia de “regulação” dos algoritmos de recomendação. Muitos deputados e também atores de outros poderes, entre eles o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, pedem que as plataformas sejam responsabilizadas judicialmente em caso de “maus usos” dos seus algoritmos. 

O foco principal é a difusão de fake news entre certas “bolhas” ideológicas, influenciando em eleições e desestabilizando democracias. Mas os algoritmos de recomendação de canções nas plataformas de streaming — cujo exato mecanismo de atuação não é de todo conhecido, levantando suspeitas em amplos setores do mercado e potencialmente gerando prejuízos a alguns titulares de direitos — poderiam ser incluídos na "regulação".

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Outra seara em que o Spotify estaria interessado em militar são as regulações de conteúdos gerados por inteligência artificial. O Congresso brasileiro, como já mostramos na Revista UBC, debate estes tempos o chamado Marco Civil da Inteligência Artificial, um projeto que estabelece normas de uso da tecnologia, proteção de direitos autorais e responsabilização civil pela difusão de materiais criados por IA. 

Como outros grandes players, o Spotify quer poder influir na parte que fala sobre as responsabilidades de grandes plataformas na publicação e na distribuição desses conteúdos. Afinal, a quem cabe pagar direitos autorais por conteúdos varridos livremente na internet e, depois, reorganizados por robôs? Quem se responsabiliza por fraudes e violações de copyright? A quem cabe coibir abusos e filtrar usos indevidos? Todas essas questões estão em aberto. 

“Como maior plataforma, é natural que o Spotify queira destacar um profissional dedicado a conversar com parlamentares, com os governos de toda a região. Me estranha que ainda não o tivessem. São muitos os avanços tecnológicos paralelos que pedem reformas legislativas nos diferentes países. Além da IA e do Marco Civil no Brasil, há outras possíveis discussões que ainda poderão ocorrer, e que potencialmente envolvem governos e sociedade, como as partições nos lucros das plataformas e a inclusão de pagamentos de direitos conexos para intérpretes e músicos, por exemplo. O Spotify certamente vai querer que sua voz seja escutada em todos esses temas”, afirmou Elaine Brandão, analista especializada no mercado musical.

Internacionalmente, a plataforma sueca prepara uma ofensiva contra Apple e Google, detentoras dos dois sistemas operacionais mais utilizados em telefones celulares no mundo. Como disse à UBC o jornalista e analista canadense Daniel Tencer, pode estar vindo por aí uma “guerra” entre o Spotify e duas das maiores big techs por conta das taxas atualmente pagas pelos aplicativos baixados através das lojas dos aparelhos que usam iOS e Android. 

“O (Daniel) Ek (diretor-executivo do Spotify) tem viajado pelo mundo na tentativa de convencer governos a enfraquecer o poder detido pelas lojas da Apple e do Google Play. A Apple é conhecida por cobrar taxas de até 30% de desenvolvedores de aplicativos de terceiros, como o Spotify, sobre vendas realizadas por meio da sua App Store. Muitos reguladores já acusaram a Apple, por isso, de adotar práticas irregulares, impedindo que o Spotify e outros aplicativos informem aos seus usuários que podem adquirir produtos e serviços fora da App Store”, afirmou. 

Para Tencer, a presença de diretores de políticas governamentais em mercados-chave seria a prova de que os primeiros movimentos da guerra já começaram:

“Ek já viajou ao Reino Unido e aos Estados Unidos, onde se encontrou com líderes do Congresso em Washington para tentar convencê-los a aprovar o Ato Federal de Mercados Abertos de Aplicativos dos EUA, uma lei que pode proibir empresas como a Apple e o Google de adotar 'práticas anticoncorrência' em sua loja de aplicativos.”

O lobista sediado em Nova York teria a função de levar adiante esses debates com os legisladores americanos, além de estabelecer as normas mundiais para a atuação de outros líderes de assuntos governamentais. Segundo os dados das vagas abertas pelo Spotify, caberia a este profissional “fornecer orientação estratégica e defesa externa em questões relacionadas com a política musical que tenham impacto no Spotify nos principais mercados em todo o mundo”.

A posição exige 12 anos ou mais de experiência "lidando com questões de política musical, bem como procedimentos regulatórios relacionados e processos de elaboração de leis" e "conhecimento sólido dos regimes globais de licenciamento de música digital".

O nível de expertise, dizem os analistas, tem relação direta com a importância que Ek vem dando à luta contra o que chama de abusos da Apple e do Google, e que ele expressou recentemente numa entrevista ao “Financial Times”: 

“Acho insano que duas empresas basicamente controlem como mais de 4 bilhões de consumidores acessam a internet em todo o mundo. Elas não estão apenas ditando as regras, mas também competindo diretamente com os provedores das suas lojas de aplicativos”, queixou-se, referindo-se ao fato de que ambas, Apple e Google, também são donas de plataformas de streaming musical próprias (Apple Music e YouTube Music, respectivamente). 

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