Instagram Feed

ubcmusica

No

cias

Notícias

Mercado musical global supera US$ 40 bilhões pela primeira vez, diz estudo
Publicado em 06/11/2023

Economista Will Page publica compilação anual com dados da música gravada, gestão coletiva e editoras — e vê recuperação total pós-pandemia

Por Alessandro Soler, de Madri

Will Page. Foto: arquivo pessoal

O economista britânico Will Page, um reconhecido especialista na indústria musical, acaba de publicar a nova edição do seu estudo anual sobre o tamanho do mercado global, que traz um marco inédito: em 2022, pela primeira vez na história, os valores gerados por gravações, gestão coletiva e negócios de edição superaram US$ 40 bilhões. Com crescimento de 14% desde 2021, o valor exato foi de US$ 41,5 bilhões, sedimentando a recuperação total pós-pandemia.

Analisando-se cada um dos segmentos que compõem a conta de Page, os crescimentos foram generalizados, mas foi a gestão coletiva — aquela realizada por centenas de sociedades de autores em todo o mundo, como a UBC — quem apresentou o melhor desempenho.

Isto fica claro no gráfico abaixo, publicado no estudo, que mostra que o crescimento percentual mais robusto foi o das organizações de gestão coletiva (CMOs, na sigla em inglês), que, segundo dados da Cisac, geraram US$ 11,4 bilhões em 2022. Selos (com US$ 26 bilhões gerados, segundo a IFPI) e licenças diretas de editoras (US$ 4,1 bilhões) também contribuíram para o resultado espetacular.

“As arrecadações de direitos autorais estão num patamar um terço maior do que antes dos confinamentos de 2020. A execução pública historicamente vem dominando esse segmento e, ao lado do segmento de usuários gerais (restaurantes, lojas, música ao vivo) ajudou nesse salto da gestão coletiva que foi muito além das expectavas de qualquer um. Para fechar os bons ventos, as arrecadações com o digital dobraram desde 2019”, diz Page, que foi economista-chefe do Spotify e é professor visitante da London School of Economics.

Para ele, a música já consegue jogar de igual para igual com outros “gigantes” do mercado do entretenimento, depois de anos sendo claramente o patinho feio. Cálculos citados no estudo — que o próprio Page enviou à UBC e também publicou em seu site (em inglês) — sugerem que os gastos com música já são mais de duas vezes a bilheteria global de cinema em todo o mundo e um pouco menos da metade do mercado de streaming de vídeo online — mas ainda uma fração da indústria de jogos, de acordo com a IDG Consulting.

“O valor dos direitos autorais aumentou em US$ 5 bilhões só em 2022, um feito extraordinário. Ainda mais impressionante é que os frutos desse crescimento são compartilhados de forma equitativa entre gravadoras e intérpretes, de um lado, e compositores, editoras e suas organizações de gestão coletiva do outro: cerca de US$ 2,5 bilhões cada um”, afirma o economista.

Ele analisa que, mais do que um excelente ponto fora da curva, o crescimento expressivo do mercado como um todo, e da gestão coletiva especificamente, é uma tendência:

“À medida que os espaços públicos foram reabertos, também aumentou o apetite por apresentações públicas: a música ao vivo hoje é muito maior do que era antes da pandemia. Em segundo lugar, o crescimento nas cifras das CMOs se beneficia da alta inflação, de maneira que podemos esperar arrecadação ainda maiores (nos próximos anos). Em terceiro lugar, Gadi Oron, diretor-geral da Cisac, aponta para uma combinação de ‘melhorias na identificação de conteúdo, licenciamento mais eficiente e aumento das taxas’, impulsionando o crescimento digital. Enquanto isso, embora o crescimento da receita digital das gravadoras mostre sinais de desaceleração, ela está sendo compensada pelo ressurgimento da receita física ajustada, que aumentou mais de US$ 1 bilhão desde 2020, graças à crescente demanda por CDs na Ásia e ao insaciável apetite por vinis na Europa.”

Dito tudo isto, segundo Page, grandes investidores tendem a continuar a mirar o mercado musical como uma fonte potencial de altos ganhos. E a compra maciça de grandes catálogos, em renovado crescimento, é uma prova disso. Esse interesse renovado ficou claro no final da semana passada, quando o fundo de investimentos Morgan Stanley Tactical Value anunciou que derramará US$ 700 milhões, nos próximos anos, para pesquisar e adquirir catálogos rentáveis em colaboração com a megaeditora internacional Kobalt.

Pelos termos do acordo, a Kobalt, uma empresa fundada em 2020 em Nova York, vai entrar com sua ampla expertise no licenciamento e negociação de repertórios musicais. Enquanto isso, o Morgan Stanley entra com o dinheiro. A associação tem recebido elogios de analistas da indústria, porque, diferentemente do que ocorreu com algumas mega-aquisições de catálogos de nomes míticos da indústria nos últimos anos, então feitas por pessoas sem conhecimento de música, agora há um óbvio interesse dos investidores por se associar a gente da indústria para fazer o repertório adquirido realmente render — algo que, claro, beneficia todo mundo.

Mas e o compositor, quanto ganha com tudo isso?

Falar de números gigantescos nos leva logo a pensar: e onde entra o compositor? Uma melhor divisão do bolo, sobretudo com os ganhos espetaculares do streaming em anos recentes, é uma das principais conversas da indústria. Mas o estudo de Page mostra um dado positivo: pela primeira vez “em anos”, como ele diz, editoras e compositores viram seu percentual de ganhos crescer (ainda que um pouquinho) em relação ao das gravadoras.

No relatório do economista publicado no ano passado, editores e compositores dividiram 36% dos US$ 36,4 gerados pela indústria musical (os outros 64% ficaram com as gravadoras e seus intérpretes, através de acordos privados celebrados entre eles). Já no deste ano, editores e compositores subiram um ponto percentual, para 37%, sendo que o bolo repartido foi bem maior: US$ 41,5 bilhões.

“É o primeiro ano em muito tempo em que informo que as balanças se inclinaram de volta”, resume Page, que, entre as razões para isso, menciona os maiores percentuais determinados este ano pelo Copyright Royalty Board dos Estados Unidos para as editoras e os compositores, algo que deve se consolidar e melhorar ainda mais nos resultados de 2023.

Por fim, Page também entra em outro debate que ocupa um lugar importante na indústria: como o congelamento dos preços das assinaturas premium do streaming prejudica os titulares de direitos autorais. Depois de mais de uma década mantendo o mesmo preço de US$ 9,99 nos EUA, € 9,99 na Europa e £ 9,99 no Reino Unido, o Spotify finalmente subiu um pouco a assinatura no terceiro trimestre deste ano, como noticiamos aqui no site. Portanto, os novos valores ainda não se refletem no estudo do economista, que usa as cifras de 2022. Mas ele faz ponderações conceituais sobre como, talvez, o mercado poderia estar ainda melhor se esse congelamento não tivesse durado tanto tempo.

“Alguns sugerem que foi justamente graças a esse valor tão sedutor que as receitas do streaming subiram de US$ 1 bilhão para US$ 20 bilhões em 10 anos. Mas o Netflix mais do que dobrou seu preço de assinatura no mesmo período”, analisa o economista.

Ele calculou a inflação que incidiu sobre todo este período de preços congelados para concluir: o valor reais dos tais US$ 9,99 atualmente é de US$ 6,48. Pior: o tamanho do catálogo do Spotify quando esse preço foi estabelecido, no início dos anos 2000, era de 15 mil canções — hoje são mais de 100 milhões. A perda para os titulares desse imenso volume de criações é evidente.

Toda essa festa dos números, brilhantemente reunidos no estudo de Page, não tem só propósito informativo. É, sobretudo, como ele diz, um ato político.

“Um lugar-comum no mundo do lobby diz que políticos só prestam atenção em números grandes. Esse trabalho nos fornece o número. Independentemente de onde você trabalhe neste complexo negócio da música, se estiver tentando chamar a atenção dos formuladores de políticas em Genebra, Washington DC, Bruxelas ou Londres, este número é para você. Use-o”, diz Will Page. “Este trabalho está aqui para ajudar, e com a inteligência artificial questionando o futuro da criatividade humana ao 'treinar sem compensação', precisaremos de tanta ajuda de políticas quanto pudermos obter.”

LEIA MAIS: Streaming está empoderando mercado local em vários países, diz outro estudo de Will Page

LEIA MAIS: O estudo completo (em inglês)


 

 



Voltar