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Lei que garante conexos no streaming leva Spotify a deixar Uruguai
Publicado em 27/11/2023

Plataforma sueca alega que normativa a fará “pagar duas vezes”, o que legisladores e partes interessadas negam; entenda

De São Paulo

Depois de semanas de especulações, o Spotify confirmou que sairá do Uruguai no início de 2024. A razão foi a aprovação recente de duas mudanças legislativas que instituem o pagamento de direitos conexos (aqueles devidos a músicos e intérpretes) e preveem que os valores sejam “equitativos”. Quando as mudanças entrarem em vigor (ainda não foram sancionadas pelo presidente Luis Lacalle Pou), tornarão o Uruguai o primeiro país do mundo a ter o pagamento de conexos no streaming sistematizado em sua lei de direitos autorais.

As mudanças no Uruguai integram o pacote da Rendição de Contas, um trâmite legal anual do Legislativo daquele país que inclui o orçamento e outros temas fundamentais para o bom funcionamento do Estado. O texto deste ano altera os artigos 284 e 285 da Lei de Direitos Autorais (9.739), prevendo não só o direito aos conexos no streaming como garantindo textualmente que o pagamento seja “equitativo”, ou seja, que intérpretes e músicos recebam porcentuais que não discrepem fundamentalmente daqueles obtidos por gravadoras, editoras e autores.

LEIA MAIS: Spotify fará várias mudanças em suas políticas de pagamentos de direitos autorais em 2024. Veja quais

Uma movimentação da Sociedade Uruguaia de Artistas e Intérpretes (Sudei), entidade de gestão coletiva dos direitos conexos que representa mais de 4,5 mil artistas, esteve por trás da inclusão dessas mudanças legislativas no texto da Rendição. Em nota obtida pela UBC, a Sudei sustenta que a intenção não é comprar briga com nenhuma plataforma, mas buscar a “estrita justiça”.

“Esses artigos modificados representam o reconhecimento legal de um direito dos artistas, intérpretes e músicos executantes que foi postergado desde o início da nova modalidade de indústria digital (o streaming). E respondem à necessidade de corrigir a situação de vulnerabilidade em que hoje se encontram muitos artistas em todo o país”, disse Gabriela Pintos, diretora-geral da Sudei.

O tema, claro, ganhou debates apaixonados nas redes e em segmentos da sociedade uruguaia. Alguns comentaristas e políticos chegaram a atacar a lei por “ferir a livre iniciativa”. Pintos argumenta precisamente o contrário:

“O reconhecimento de um direito de remuneração a favor dos artistas intérpretes e executantes é o único meio de garantir os direitos autorais e conexos, assim como o direito ao trabalho dos artistas uruguaio, respeitando a liberdade de associação, o livre comércio e a liberdade empresarial.”

Já o Spotify, em nota, afirmou que, “diante da falta de clareza sobre as mudanças na lei de direitos autorais e a confirmação de que qualquer custo adicional é responsabilidade dos titulares de direitos”, eliminará “gradualmente” seu serviço no Uruguai a partir de 1º de janeiro, quando presumivelmente já não serão aceitas novas assinaturas. No mesmo comunicado, o gigante sueco disse que “cessará completamente” seu serviço no país sul-americano em fevereiro.

“O Spotify já paga cerca de 70% de cada dólar que gera de música para as gravadoras e editoras, que são as donas dos direitos da música e pagam aos artistas e compositores. Qualquer pagamento adicional torna nosso negócio insustentável. Temos orgulho de sermos os maiores geradores de receitas da música, tendo contribuído com mais de 40 bilhões de pesos uruguaios. Graças ao streaming, a indústria da música no Uruguai cresceu 20% só em 2022”, afirmou a empresa, que acusou as mudanças na legislação de obrigá-la a “pagar duas vezes pela mesma música”, o que “lamentavelmente não nos deixa outra opção além de deixar de estar disponíveis no Uruguai.”

O senador Jorge Gandini, relator do projeto e membro do Partido Nacional, de centro-direita, afirmou que há um problema interpretativo que precisa ser esclarecido, mas que não há nas mudanças legais nenhuma previsão de “duplo pagamento”, como alega o Spotify. Segundo ele, o fato de a lei prever os direitos conexos não significa que o valor terá que sair dos 30% do Spotify, mas sim que é necessário um novo concerto entre os diferentes atores, como gravadoras e editoras, para que uma parte dos ganhos seja destinado aos músicos e intérpretes. Não está claro ainda, porém, como será feita essa combinação.

No ano passado, foi um acordo mais ou menos assim que garantiu que a França se tornasse o primeiro país a ter algum sistema de pagamento de direitos conexos no streaming. Naquele caso, tratou-se de um documento assinado entre representantes dos produtores fonográficos e dos sindicatos de músicos e intérpretes, e não uma mudança legal como a que está ocorrendo no Uruguai. 

LEIA MAIS: Relembre o caso da França

A Sudei faz coro com o senador Gandini e também sustenta que não haverá duplo pagamento.

“Trata-se de uma redistribuição, e não de um pagamento duplo, ou seja, as plataformas não pagarão mais do que atualmente”, disse a entidade. “Nada disso está destinado a afetar o negócio das plataformas digitais. Pelo contrário. O que se quer é um tratamento mais justo entre autores, intérpretes, produtores fonográficos e plataformas digitais.”

O presidente Lacalle ainda não fez nenhum comentário sobre a sanção ou o possível veto aos artigos. O anúncio da partida do Spotify poderia significar que o lobby da empresa pela reprovação das mudanças não foi eficaz — ou, talvez, uma última cartada de pressão sobre o país para que sua vontade seja cumprida.

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