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Análise: o novo balanço do Spotify e os limites do atual modelo de streaming
Publicado em 26/07/2024

Plataforma enfrenta desafios para converter usuários gratuitos em assinantes premium, mostram dados do trimestre. Especialistas comentam

Por Nathália Pandeló, do Rio

Anúncio do Spotify no topo de um edifício na Times Square de Nova York: sinal amarelo nos mercados maduros. Foto: Macro Econ/Shutterstock

A recente divulgação dos resultados trimestrais do Spotify trouxe à tona um ponto crítico para a indústria da música: a proporção de assinantes premium em relação ao total continua a cair, sugerindo que o modelo de streaming pago pode estar se aproximando de um limite — algo ainda mais evidente nos mercados maduros, como Europa e EUA. O Spotify agora possui 626 milhões de usuários ativos mensais, um aumento de 14% em relação ao segundo trimestre de 2023, e 5 milhões a menos do que a meta de 631 milhões projetada. No entanto, a proporção de assinantes premium é de 39,3%, com os usuários gratuitos representando os 60,7% restantes. 

De acordo com o relatório do Q2 de 2024, a receita total reportada foi de €3,81 bilhões, um aumento de 20% em relação ao mesmo período do ano passado. E a plataforma teve um lucro, ainda que modesto: foi de €274 milhões, contrastando com o prejuízo líquido de €302 milhões registrado no Q2 de 2023. As cifras foram impulsionadas, em parte, pela redução de custos operacionais em 16%, e para isso certamente contribui a demissão de nada menos que 23% da força de trabalho do Spotify até dezembro.

A disparidade na proporção de assinantes pagos e gratuitos, no entanto, pode ser um sinal de desgaste do modelo de streaming. Consumidores e fãs de música são recursos finitos, afinal de contas.

Bruno Martins, CEO da Milk Music e Shake Music, reflete que esta é uma consequência da economia da atenção, que disputa o tempo e o dinheiro dos assinantes — estes, também, recursos não-renováveis.

“Estamos vivendo um momento na internet em que modelos de assinatura estão dominando, e todos querem uma fatia do bolo. O que acontece é que exatamente o entretenimento é o primeiro lugar que o usuário pensa em cortar quando quer diminuir seus gastos. A verdade é que, tendo o YouTube gratuito como opção, a briga pelo premium sempre será uma realidade”, pondera.

Bruno Martins, CEO da Milk Music e Shake Music. Foto: arquivo pessoal

A dinâmica dos assinantes pagos e gratuitos

A queda na proporção de assinantes pagos no Spotify é parte de uma tendência de longo prazo. Em 2019, os assinantes premium representavam 46% da base total de usuários, caindo gradualmente para 45% em 2020, 44% em 2021, 43% em 2022 e chegando a 40% no ano passado — piso que, como vemos, acaba de ser furado no último balanço trimestral. Este declínio contínuo indica que muitos usuários estão optando por planos gratuitos, possivelmente devido à recessão econômica que leva os consumidores a cortarem custos.

Martins compara a situação com a de outra gigante do entretenimento:

“A Netflix recentemente percebeu uma queda no número total de assinantes e criou uma versão com valor reduzido e com anúncios, o que seria um meio do caminho. No longo prazo, acredito que o convencimento pelo premium deve ser mais impactante, oferecendo conteúdos exclusivos (ou janelas de exclusividade) e uma tecnologia superior, trazendo muito mais comodidade ao usuário”, antecipa.

Impacto no mercado e necessidade de inovação

A queda na proporção de assinantes pagos tem implicações mais amplas para a indústria da música, e não apenas para o Spotify. O Universal Music Group, por exemplo, viu suas ações caírem até 30% nesta quinta-feira (25), a maior queda desde sua oferta pública inicial. O motivo: em meio aos bons números de receitas e lucro, a empresa reportou esta semana uma queda nos ganhos provenientes do streaming, refletindo os desafios enfrentados pelo setor em manter a rentabilidade. A exposição desse calcanhar de Aquiles espantou os investidores.

Igor Bonatto, fundador e CEO da noodle, uma fintech voltada para a música, nota que os limites do modelo de streaming aparecem no entretenimento de modo geral.

“Esse fenômeno pode ser observado em diversas plataformas, não só da música. Os mercados maduros estão saturando, enquanto os mercados emergentes enfrentam outros tipos de desafios, como acesso à internet, soluções locais e custo. Considerando que, geralmente, a adesão de plataformas tende a começar do topo para a base da pirâmide, é possível que ainda exista uma ampla base que seguirá acessando a versão gratuita. Por último, muitas plataformas estão sendo vendidas em pacotes, em parceria com outros provedores, e isso faz com que muitas assinaturas não necessariamente sejam utilizadas”, aponta.

A linha do streaming em queda não é, necessariamente, um problema para essas empresas. O Spotify reportou uma margem bruta de quase 30% e crescimento de 20% na receita. O Universal Music Group também revelou um crescimento total de 8,7% de um ano para cá, com números que saltam aos olhos, como o aumento de 44,6% nas vendas de merchandising. As duas empresas são líderes em seus segmentos e estão com as finanças prontas para encarar o balanço do barco, já tão presente no mercado da música.

Bonatto destaca a necessidade de adaptação e inovação para superar esses desafios.

“As majors estão superbem, com reservas de caixa gigantescas. O mercado fonográfico pode oscilar, mas segue saudável e com muitas oportunidades. As maiores empresas estão retomando estratégias de M&A [mergers and acquisitions, ou seja, fusões e aquisições] para se consolidarem cada vez mais. Inevitavelmente, para continuarem a ver um crescimento robusto, estas empresas precisarão encontrar outras fontes de receita. Resta saber como elas irão performar”, questiona.

Igor Bonatto, fundador e CEO da noodle. Foto: arquivo pessoal

Estratégias para o futuro

Diante desse cenário, a estratégia de focar no superfã se torna cada vez mais relevante. Este é o grupo responsável por movimentar o ponteiro cada vez mais atraente do merchandising, por exemplo. Além disso, o superfã faz uma parte do trabalho de marketing das plataformas e gravadoras, promovendo gratuitamente seus artistas favoritos.

Martins explica que o mercado da música não depende exclusivamente de uma plataforma ou modelo para funcionar, e que a resposta pode estar diante do nariz de todos os CEOs e artistas.

“Uma nova diretriz vinda dos EUA este ano foi já implementada no marketing de todas as majors, inclusive aqui no Brasil: foco no superfã. As métricas principais não são em streams ou no Top200, e sim em engajamento, conversão e comunidade. É imprescindível entender outras formas de monetizar música no digital e retirar esse peso de plataformas como Spotify e Deezer para resolver todos os nossos problemas”, salienta.

A integração de aspectos sociais nas plataformas de streaming também é vista como uma oportunidade de crescimento. É o caso da recente adição de comentários nos episódios de podcasts disponíveis no Spotify.

“Desde 2013, quando estava no iMusica trabalhando no Claromúsica, eu insisti muito em um desenvolvimento maior da parte de social dentro da plataforma. Por algum motivo, os streamings parecem focar muito menos nisso do que deveriam. Modelos de assinatura individual de canais, como vemos no YouTube, Twitch e, hoje, nos canais do Instagram, podem ser um excelente caminho”, Bruno Martins complementa.

Bonatto concorda que a diversificação pode fazer a diferença no longo prazo, mas lembra que o fã precisa ser apenas um dos pilares do negócio.

“Se o mercado está saturado, e a perspectiva de crescimento de base é limitada, o caminho vai ser diversificar receita e produtos. É um risco grande, pois é necessário muito investimento para criar algo totalmente novo. Estamos vendo a Netflix ofertando games, Spotify com audiolivros, ingressos e merchandising, e por aí vai. Muito se fala em explorar os chamados superfãs. Eu acho que está muito além disso, pois estas plataformas precisam de alcance. Se você fizer uma analogia com as Big Techs, que começaram de uma forma e acabaram ampliando radicalmente a oferta de produtos, acredito que as plataformas de streaming sigam o mesmo caminho”, explica.

O papel dos mercados emergentes

Se, em mercados como Europa e Estados Unidos, o teto de crescimento e as dificuldades das plataformas são mais aparentes, há um potencial ainda a explorar nos mercados emergentes, como é o caso do Brasil. Não por acaso, o relatório mais recente do Spotify apontou que artistas brasileiros foram descobertos por novos ouvintes 10 bilhões de vezes e que a renda dos artistas do país subiu 600% desde 2017.

Não é possível, porém, simplesmente replicar em outros mercados o que funciona nos Estados Unidos e na Europa. Outros pontos de foco das plataformas, como Índia, Coreia do Sul, Japão, China e Austrália, possuem suas próprias regras operacionais. Além disso, devem ser levados em conta fatores socioeconômicos que nem sempre fazem sentido nessa equação. O Brasil aparece no top 10 de assinaturas mais caras do Spotify, quando se converte o preço para dólar - chega a quase metade do valor cobrado nos EUA (US$4,29 x US$10,99), com uma moeda cinco vezes menos valorizada.

Igor Bonatto lembra que a penetração em mercados grandes, porém com especificidades complexas, não é meramente uma questão de amadurecimento.

“O espectro de mercados emergentes é muito amplo, com desafios bem diferentes. Alguns países com uma população enorme simplesmente são pobres demais para estas plataformas operarem, por enquanto. Tem países em que o consumo de mídia ainda se dá com CDs piratas. Inclusive, ainda sobre a questão financeira da população, é necessário aplicar PPP (paridade do poder de compra) para que países mais ricos paguem mais caro, enquanto países mais pobres paguem menos. Mas, chega a um ponto que a conta não fecha. Portanto, eu não acho que as plataformas têm dificuldade de penetrar mercados emergentes. Acredito que a conta simplesmente não feche”, calcula.

Bruno Martins vê espaço para crescimento, desde que as plataformas de streaming de áudio e vídeo estejam dispostas a seguir renovando o negócio. Oferecer apenas um produto pode não ser mais suficiente no longo prazo.

“Acredito que ainda tenha muito espaço para crescer em mercados emergentes. Tendo dito isso, uma coisa que é certa é que as empresas precisam continuar crescendo para existir. Nos resta acreditar que a maneira de fazer isso é ser mais competitivo, criar novas experiências e diferenciais para convencer os usuários”, conclui.

 

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